Politica

Futuros ministros não têm afinidade com as pastas que assumirão

postado em 19/12/2010 08:39

Antes mesmo de assumir, a presidente eleita, Dilma Rousseff, quebra uma promessa de campanha: combinar perfil técnico e político em seu ministério. Para pagar a fatura do apoio que recebeu dos partidos da base de apoio e alocar companheiros derrotados nas eleições de 2010, Dilma teve que optar pelo ;ministério do possível;. Aliados que não guardam nos currículos qualquer afinidade com as pastas que vão comandar fazem um intensivão para em dois meses decidirem assuntos decisivos para o país.

Alguns dos aprendizes, como a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), futura titular da Pesca, têm se aplicado. Formada em física e com trajetória política marcada pela participação nos movimentos sociais, ela conta que já conversa com representantes do setor para se inteirar da área. O vocabulário da líder do governo no Congresso agora é povoado por atuns, infraestrutura pesqueira, correntes marítimas e arrendamento de barcos. ;Fiz a reunião para saber das urgências. Ainda estamos em uma fase de transição. Vamos estar atentos aos ruídos;, afirma Ideli. A futura ministra já tem uma missão quando assumir a pasta. ;Um problema urgente apontado por eles é a questão do atum. O país tem que cumprir metas de arrendamento de barcos. Estou sendo procurada por representantes de associações de pesca de todos os estados. Todos relatam problemas.; Indagada sobre as reclamações sobre a burocracia nas linhas de crédito do programa Safra das Águas, no entanto, Ideli disse desconhecer o problema. ;Esse tipo de questão ainda não me foi relatada. Estou nadando contra o tempo.;

Enquanto Ideli estuda para se tornar especialista em pesca até fevereiro e já se familiariza com jargões do setor, o senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), escolhido para assumir o Ministério da Previdência, patina quando indagado sobre temas complexos como os impactos do envelhecimento da população e a limitação do regime de custeio da Previdência. Garibaldi afirma que precisa se inteirar. ;Não tenho condições de dizer como isso vai acontecer. Ontem recebi as primeiras informações. A reforma da Previdência é mais complexa. Não tenho condições de falar disso (sobre fontes de recursos para a pasta). Não deu ainda para me apropriar de tudo, não era um estudioso do problema. Tenho que me aprofundar;, afirma o parlamentar, formado em direito e com atuação como apresentador de programas de rádio.


Para superar a falta de conhecimento sobre a pasta, o peemedebista decidiu cercar-se de gente experiente. Assim que Dilma confirmou seu nome, Garibaldi chamou o atual ministro da pasta, Carlos Gabas, para ser seu secretário executivo. ;Estive com o atual ministro e o convidei para ser meu secretário executivo, com a experiência que ele tem;, conta. O futuro ministro da Previdência conta que Dilma pediu que ele se empenhasse em melhorar o fluxo das filas nas agências de atendimento e que já teve reunião com 102 gerentes de todo país.

O escolhido para o Ministério do Turismo, deputado Pedro Novais (PMDB-MA), vive situação parecida. Deputado por mais de 20 anos, ele vai ter que se esforçar para conhecer o universo em que terá de se embrenhar. Graças ao passado de auditor fiscal do Tesouro Nacional, os colegas do Congresso identificam facilmente Novais como especialista em Orçamento. É na Comissão Mista que desenha o roteiro de receitas e despesas que o futuro ministro do Turismo sentia-se à vontade, contam parlamentares. O peemedebista ainda herdará o ministério em período marcado por grande eventos, como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Novais, no entanto, foge de comentários sobre o novo empreendimento. A assessoria afirma que ele só falará sobre o ministério depois que assumir.

Regra

O cientista político e professor da PUC Minas Malco Camargos explica que nem só de técnicos deve ser feita a administração pública, mas que algumas pastas deveriam ser comandadas por especialistas. ;Alguns ministérios exigem administração com maior experiência. No Ministério das Cidades, por exemplo, em que o contato com prefeitos e secretários é frequente, o caráter político deve prevalecer. Já na liderança do Banco Central, como exemplo oposto, a característica é diferente e o aspecto técnico tem que ser valorizado;, analisa Malco.

Outros ministros chamados por Dilma, embora já tenham atuado ao longo da carreira na área de suas pastas, tiveram formação em campos completamente distintos, sem relação com seus ministérios. Paulo Bernardo, que assume o Ministério das Comunicações, cursou geologia na UnB; Alfredo Nascimento, ministro dos Transportes, é formado em matemática e letras na Universidade Federal do Amazonas.

Precedentes

Nos últimos quadros da Esplanada, não faltam exemplos de ministros de outras áreas que se destacaram em suas pastas. Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, assumiu o Ministério da Fazenda e conduziu a equipe que criou o Plano Real, em 1994. Já Antônio Palocci, graduado em medicina, apesar do envolvimento em casos de corrupção, foi um dos mais influentes no primeiro mandato do governo Lula quando esteve à frente da Fazenda.

José Serra, candidato derrotado nas eleições deste ano, é formado em economia, desenvolveu programas de destaque quando esteve à frente do Ministério da Saúde, entre 1998 e 2002. ;Interesses partidários também têm peso decisivo nas escolhas para cargos importantes. É nessa hora que o núcleo do governo é formado e, para garantir força no parlamento durante os próximos anos, as alianças acabam sendo feitas e interesses, atendidos;, disse Malco.

100% técnico é ;suicídio;

A excelência profissional não está sendo um critério decisivo, mas isso não quer dizer que as pastas serão necessariamente mal administradas. ;É impossível que composições dos ministérios sejam feitas com caráter exclusivamente técnico. Existem critérios políticos importantes para a governabilidade que não podem ser deixados de lado. Uma equipe baseada 100% nas experiências técnicas seria um suicídio para o governo;, afirma Malco Camargos.

Funções e formações

Casa Civil Antônio Palocci (PT) Medicina
Comunicações Paulo Bernardo (PT) Geólogo
Minas e Energia Edison Lobão (PMDB) Direito
Pesca Ideli Salvatti (PT) Física
Previdência Garibaldi Alves (PMDB) Direito
Secretaria-Geral da Presidência Gilberto Carvalho (PT) Filosofia
Transportes Alfredo Nascimento (PR) Matemática e Letras
Turismo Pedro Novais (PMDB) Direito
Ciência e Tecnologia Aloizio Mercadante (PT) Economia
Banco Central Alexandre Tombini Economia
Relações Exteriores Antonio Patriota Filosofia
Ministério do Trabalho Carlos Lupi (PDT) Administração
Educação Fernando Haddad (PT) Direito
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Fernando Pimentel (PT) Economia
Fazenda Guido Mantega Economia
Secretaria de Comunicação Social Helena Chagas Jornalismo
Meio Ambiente Izabella Teixeira Biologia
Justiça José Eduardo Cardozo (PT) Direito
Secretaria de Direitos Humanos Maria do Rosário (PT) Pedagogia
Planejamento Miriam Belchior (PT) Engenharia de Alimentos
Assuntos Estratégicos da Presidência Moreira Franco (PMDB) Sociologia
Defesa Nelson Jobim (PMDB) Direito
Agricultura Wagner Rossi (PMDB) Direito

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