Politica

Após Lula conceder refúgio a Cesare Battisti, caso deve voltar ao STF

postado em 01/01/2011 08:30
Com a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de conceder refúgio ao ativista italiano de extrema esquerda Cesare Battisti no último dia do ano ; e de seu governo ;, o caso entra em um novo imbróglio jurídico a ser resolvido somente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A expectativa é que a palavra final sobre se o acusado de assassinato na Itália será libertado ou extraditado será dada somente em fevereiro, quando a corte volta a se reunir depois do recesso do Judiciário.

O presidente entrou em rota de choque com o governo italiano e ignorou decisão do STF que acatou o pedido de extradição. Lula usou como base para sua decisão parecer da AGU que avaliou que Battisti poderia ter sua situação agravada naquele país por perseguição política ou pessoal.

;O parecer considerou atentamente todas as cláusulas do Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália, em particular a disposição expressa na letra f do artigo 3, que cita, entre as motivações para a não extradição, a condição pessoal do extraditando;, consta de trecho da nota divulgada pelo Palácio do Planalto.

O anúncio foi feito no fim da manhã de ontem e irritou o governo italiano. Segundo o ministro da Defesa da Itália, Ignazio La Russa, o país vai insistir na extradição e a decisão de Lula mostrou-se ;injusta e ofensiva;. ;Não deixaremos jamais de tentar reverter a decisão;, disse a jornalistas italianos.

O comunicado traz ainda mais um ingrediente de tensão entre os dois países. O governo considerou impertinente as palavras usadas pela presidência do Conselho dos Ministros da Itália para se referir a Lula. ;O governo brasileiro manifesta sua profunda estranheza, em particular com a impertinente referência pessoal ao Presidente da República.;

Na quinta-feira, o governo italiano também emitiu comunicado, antecipando-se à decisão do presidente Lula, classificando de ;totalmente incompreensível e inaceitável; o argumento de que o ativista teria sua situação agravada no país, caso fosse extraditado. ;O presidente Lula deverá, então, explicar a escolha não apenas ao governo, mas a todos os italianos e, em particular, às famílias das vítimas;, diz trecho da nota.

Em resposta à decisão, o Ministério das Relações Exteriores italiano decidiu chamar de volta a Roma o embaixador da Itália no Brasil, Gherardo La Francesca, para consultas ; uma prática comum no meio diplomático, mas também um sinal claro de estremecimento entre os dois países. ;Serão definidos os caminhos da ação judiciária do governo italiano em defesa de suas legítimas aspirações baseadas no tratado bilateral de extradição;, afirmou o ministério em nota. Fontes do Itamaraty disseram ao Correio que já esperavam a convocação de Francesca.

Em novembro de 2009, o STF autorizou a extradição de Battisti depois de entender, por 5 votos a 4, ser irregular o refúgio assinado pelo então ministro da Justiça Tarso Genro. No entanto, a decisão da época repassou ao presidente Lula a palavra final. Agora, o presidente da Corte, Cezar Peluso, disse que a derradeira deliberação será dos ministros. Mas o ingrediente de imprevisão devido à nova análise a ser feita pelo Supremo pode frustar todo esforço de Lula e deixar para Dilma uma decisão no caso.

Battisti está detido há quatro anos no Brasil. O ativista foi condenado à revelia, em 1993, à prisão perpétua, por quatro mortes e cumplicidade em assassinatos cometidos em 1978 e 1979.


Jornais atacam

Muito provavelmente não era a intenção, mas em seu último dia à frente da Presidência, Lula foi manchete dos principais jornais online da Itália, ao negar o pedido de extradição de Cesare Battisti.

O jornal Corriere Della Sera estampou em sua página na internet que Lula permitiu a permanência de Battisti e ressaltou que a decisão brasileira pode representar consequências para as relações entre Itália e Brasil. O Il Giornale destacou a escolha da palavra ;impertinente; na nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores para explicar a negativa da extradição e ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) reanalisará o caso em fevereiro.

A reportagem mais crítica é do jornal La Repubblica. A publicação indaga se Lula comunicou sua decisão a autoridades italianas antes de anunciar a negativa de extradição e critica o fato de o líder brasileiro ter esperado o último dia de mandato para se pronunciar. A reportagem também traz repercussão da decisão de Lula junto ao ministro da Defesa do país, Ignazio La Russa. ;A pior previsão se cumpriu, mas a Itália não vai deixar pedra sobre pedra;, reagiu.

Análise da notícia

Refúgio do barulho

; Luiz Carlos Azedo

Ao decidir não extraditar Cesare Battisti, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabia do tamanho da encrenca internacional. Considerado terrorista pela Justiça da Itália, que o condenou à prisão perpétua com base em leis de exceção criadas para combater as Brigadas Vermelhas e outros grupos armados, Battisti é acusado de quatro homicídios.

O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão salomônica, autorizou a extradição do italiano, mas delegou ao presidente Lula a decisão de fazê-lo ou não. E parecer da Advocacia Geral da União, à luz da legislação brasileira, acatou as razões da defesa. Batistti alega correr risco de vida na Itália e ter sido condenado sem direito à defesa.

O problema é que o governo italiano considera a decisão uma afronta, embora nos bastidores o primeiro-ministro Sílvio Berlusconi tenha sinalizado ao presidente Lula que não faria muito barulho caso o refúgio fosse concedido. Não foi essa a reação, porém, do Conselho de Ministros italianos, que reagiu com indignação.

O Partido Democrata da Itália (ex-Partido Comunista), que lidera a oposição, também contestou a decisão de Lula, de quem sempre foi aliado desde a fundação do PT. A razão das críticas é o fato de que Battisti participou da luta armada contra um regime democrático e constitucional. Lula livra a presidente Dilma Rousseff de um abacaxi e deixa o poder sob holofotes da mídia mundial.

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