postado em 11/01/2011 08:33
Se a ONG Bola pra Frente, dirigida pela ex-jogadora de basquete Karina Rodrigues, vereadora pelo PCdoB em Jaguariúna (SP), estivesse em uma competição por busca de dinheiro em 2010, poderia ser considerada campeã. A instituição foi a mais bem contemplada com recursos orçamentários do Ministério do Esporte, que continua sob o comando de Orlando Silva (PCdoB), entre todas as entidades sem fins lucrativos do país. Os R$ 13 milhões repassados pela pasta por meio do programa Segundo Tempo à ONG, que mudou de nome e agora atende por Pra Frente Brasil, são superiores, inclusive, à verba destinada a vários governos estaduais e prefeituras. Desse total, quase R$ 7 milhões foram pagos à entidade 16 dias antes do primeiro turno das eleições, em 3 de outubro.O convênio firmado com o ministério caiu como um presente à ONG: foi publicado no Diário Oficial da União em 24 de dezembro de 2009 ; com vigência até o fim deste ano. Desde a sua fundação, em 2003, a entidade mantém parceria com o Ministério do Esporte. O dinheiro do convênio 2009-2011 é repassado sob a justificativa de ;propiciar o acesso à prática desportiva, implantando 180 núcleos de esporte educacional, de forma a promover o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes como fator de melhoria da sua qualidade de vida;.
Segundo o site da ONG, a entidade criada em 2003 atende mais de 18 mil crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade em 16 municípios paulistas.
Apenas dois bancos e duas secretarias de governo receberam mais repasses do Ministério do Esporte no ano passado em comparação à Pra Frente Brasil. A Caixa Econômica Federal é responsável pelo pagamento do Bolsa Atleta. O Banco do Brasil recebeu recursos do ministério para compor o capital social da empresa Brasil 2016. Além deles, as secretarias de Esporte e da Juventude de Minas Gerais e a da Juventude, Esporte e Lazer de São Paulo ultrapassam o valor pago à ONG. O restante foi dividido em diversas entidades sem fins lucrativos e órgãos públicos municipais e estaduais do país inteiro, incluindo os localizados em regiões mais pobres e com índice de desenvolvimento humano mais baixo que os de São Paulo. Todos receberam menos de R$ 13 milhões no ano passado. Procurado pela reportagem, o Ministério do Esporte não se manifestou.
Desigual
Para o professor de educação física da Universidade de Brasília Paulo Henrique Azevêdo, especialista em gestão e marketing do esporte, ;é complicado; que as mesmas entidades sempre sejam contempladas com verbas do Segundo Tempo. ;Será que outras instituições não pleiteiam recursos para desenvolver as ações do programa? Já soube que algumas prefeituras que não são de partidos aliados quiseram verba, mas não conseguiram;, conta.
Ele ressalta que o Segundo Tempo deu condições para que a atividade física fosse disseminada. ;É fundamental para que as crianças brasileiras, que são as que menos praticam atividades físicas na América do Sul, façam mais. Isso aliado a ações de alimentação e tarefa escolar.;
Sem contato
Quem também está entre as entidades sem fins lucrativos mais contempladas pelo Ministério do Esporte em 2010 é o Instituto Contato, sediado em Santa Catarina. No total, quase R$ 7 milhões foram parar nas contas da organização para ações do Segundo Tempo. Até o fechamento desta reportagem, a entidade não se manifestou sobre os números e não apontou quem são os seus dirigentes.
Legenda tem ;um peso a mais;
A gerente da ONG Pra Frente Brasil, Karina Rodrigues, ex-jogadora de basquete e atualmente vereadora eleita em Jaguariúna, argumenta que a entidade recebe um montante significativo porque realiza um bom trabalho, fiscalizado e avalizado, segundo ela, pelos tribunais de contas da União e estadual, pelo Ministério Público e pela Controladoria-Geral da União. No entanto, ela admite que o fato de ser do mesmo partido do ministro Orlando Silva tem peso sobre a questão.
;Tem um peso a mais sim, mas por essa coincidência partidária nós também somos mais fiscalizados. O direito constitucional garante a qualquer cidadão ser filiado a partidos. Eu não mudaria de partido se a presidente Dilma Rousseff escolhesse um ministro do Esporte de outra sigla;, afirma.
Quanto aos R$ 6,9 milhões recebidos a menos de 20 dias do primeiro turno eleitoral, Karina diz que o pagamento deveria ter sido feito em 22 de junho, mas houve atraso. ;Nós somos conscientes dos valores que recebemos. Não vejo relação entre as eleições e a verba recebida. Não houve desvio técnico ou de recursos. Esse dinheiro foi depositado diretamente em uma caderneta de renda fixa sem risco da Caixa Econômica, como prevê o convênio;, diz Karina, que apontou o número da agência e da conta onde o dinheiro estaria.
Memória
Notas frias e prisões
O principal programa do Ministério do Esporte já avançou das páginas esportivas para as policiais. No ano passado, cinco pessoas chegaram a ser presas em Brasília acusadas de desviar R$ 2 milhões de um total de R$ 2,9 milhões repassados pelo ministério a duas ONGs ligadas ao PCdoB no DF. A Operação Shaolin revelou que notas frias foram usadas para simular compra de merenda, uniforme e material esportivo em nome da Federação Brasiliense de Kung Fu e da Associação João Dias, presididas pelo policial militar João Dias Ferreira.
João Dias foi candidato a distrital em 2006 pelo PCdoB e compôs a chapa encabeçada por Agnelo Queiroz, que ainda era do partido e pleiteava uma cadeira no Senado.
Procurada à época, a pasta justificou que sabia das irregularidades e que, por isso, cancelou ou não renovou os convênios.
Em 2006, um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou irregularidades na execução do Segundo Tempo em Pernambuco. O texto motivou a abertura de inquérito no Ministério Público Federal. A CGU encontrou falhas que iam desde dispensa de licitação a contratação de pessoal com recursos do convênio sem processo seletivo. (LK)