Politica

PEC desobriga o Congresso a cumprir decisões judiciais

Propostaapresentada por suplente na Câmara dos Deputados manda seguir a ordem das coligações na convocação para substituir deputados em licença

Isabella Souto
postado em 28/02/2011 09:10
A justificativa oficial é impedir a interferência do Judiciário sobre o Legislativo. Mas ao apresentar uma proposta de emenda constitucional que desobriga o Congresso Nacional a cumprir decisões judiciais que os parlamentares entenderem como uma interferência no poder, o deputado Nazareno Fonteles (PT-PI) pode estar legislando em causa própria. Suplente do deputado Átila Lira (PSB-PI), que se licenciou para assumir a Secretaria de Educação e Cultura do Piauí, ele foi convocado pela Mesa Diretora por ser o primeiro suplente da coligação que reuniu PSB e PT nas eleições de outubro do ano passado. Critério que contraria entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que já concedeu liminares determinando a convocação de suplentes do mesmo partido dos titulares licenciados.

Por isso, o petista corre o risco de perder a cadeira para Dra. Liege, primeira suplente do PSB. A piauiense já ajuizou um mandado de segurança no STF à espera de uma liminar que garanta a ela a vaga do colega de partido. Se a PEC já tivesse sido aprovada e em vigor, a Mesa Diretora da Câmara não precisaria cumprir as liminares e ainda poderia manter a convocação de suplentes seguindo o critério de mais votado dentro da coligação.

;A modificação da Constituição vai evitar essa invasão do Legislativo. E o Congresso tem cedido muito ao Supremo. Há hoje uma subserviência em relação ao Judiciário. É preciso entender que quem representa o povo é o Legislativo. O Judiciário é um poder de elite, que não tem legitimidade para legislar;, justificou o autor da PEC, que garante não ter pensado em si mesmo ao apresentar a emenda.

Segundo Nazareno Fonteles, ele estaria apenas seguindo uma ;tendência mundial;, verificada em vários artigos e livros de juristas de todo o mundo. A proposta em tramitação na Câmara altera o inciso V do artigo 49 da Constituição Federal, que diz ser competência exclusiva do Legislativo sustar atos normativos do Poder Executivo que ;exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;. A emenda em tramitação substitui a expressão ;Poder Executivo; por ;dos outros poderes;. A PEC foi apresentada no último dia 10 e recebeu a assinatura de 196 deputados federais em apenas uma manhã e tarde de coleta ; 25 nomes a mais que o necessário.

Resolução
Outro argumento do parlamentar é que o inciso XI da Constituição atribui ao Congresso Nacional a prerrogativa de ;zelar pela preservação de sua competência legislativa em face de atribuição normativa dos outros poderes;. ;Como, na prática, o Poder Legislativo (Congresso Nacional) poderá cumprir de forma plena o mandamento constitucional em relação ao Poder Judiciário?;, diz a justificativa da proposta. A PEC será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Se aprovada, é enviada a uma comissão especial criada para analisá-la, para então seguir para votação em dois turnos no plenário.

Ciente da dificuldade para a votação de uma PEC ; o regimento exige quorum qualificado para aprovação, ou seja, 308 parlamentares em plenário ;, Fonteles apresentou também um projeto de resolução em que inclui no regimento interno da Casa a criação de uma comissão de controle legislativo, com a função de fiscalizar os atos do Executivo e do Judiciário. ;A comissão vai ser encarregada de dar um parecer se a decisão do Judiciário é de competência dele ou não;, explicou. Verificada a irregularidade, a comissão poderá propor projeto de decreto legislativo para sustar os atos normativos dos demais poderes.

Na Justiça

O Supremo Tribunal Federal (STF) já concedeu três liminares a suplentes que se sentiram prejudicados com a decisão da Câmara de convocar os mais votados da coligação, e não do partido, para as vagas abertas com a licença de titulares. Graças ao Judiciário, garantiram suas vagas Humberto Souto (PPS-MG), Severino de Souza Filho (PSB-PE) e Carlos Victor da Rocha Mendes (PSB-RJ), substitutos de Alexandre da Silveira (PPS-MG), Danilo Cabral (PSB-PE) e Alexandre Aguiar Cardoso (PSB-RJ), todos eles nomeados secretários do governo de seus estados.

Caminhos opostos

Veja alguns temas que causaram embate entre deputados e senadores e ministros do STF e TSE

Suplentes de deputados
; A Câmara dos Deputados adota como critério para convocar suplentes nas vagas de titulares licenciados a ordem de votação dentro da coligação. O Supremo determinou, por meio de liminares, que as cadeiras sejam preenchidas pelo mais votado do mesmo partido do titular.

Lei da Ficha Limpa
; De autoria popular, a legislação proíbe condenados pela Justiça em segunda instância a disputar as eleições. A regra aprovada pelos deputados é que ela valeria apenas para condenações posteriores à sua sanção. O STF determinou que condenados anteriormente à lei também deveriam ser barrados.

Fidelidade partidária
; Resolução do TSE, editada em 2007, estabeleceu que o mandato pertence ao partido, e não ao candidato, ao discutir a questão da fidelidade partidária.

Número de vereadores
; Ao julgar uma ação envolvendo a Câmara de Mira Estrela, em São Paulo, os ministros do Supremo criaram tabela com o número de vereadores de acordo com a população ; regra que segundo eles apenas traduziu o que diz a Constituição Federal. O Congresso, vereadores e suplentes chiaram, mas o entendimento do STF prevaleceu nas eleições de 2008. No ano passado, o Congresso aprovou uma emenda constitucional com uma nova tabela de composição das câmaras municipais, que deveria ser adotada retroativamente. O Supremo, no entanto, concedeu liminar determinando que o novo número deveria ser aplicado apenas nas eleições de 2012.

CPI dos grampos
; O Supremo concedeu liminar desobrigando as operadoras de telefonia a enviar à CPI dos grampos informações sobre escutas em processos protegidos pelo segredo de Justiça.

CPI dos Correios
; Um habeas corpus concedido pelo STF deu ao publicitário Duda Mendonça o direito de não responder a perguntas que pudessem comprometê-lo ou incriminá-lo.

CPI dos Bingos
; Requerida pelo então senador Tião Viana (PT-AC), o Supremo concedeu liminar suspendendo o depoimento de Francenildo Santos Costa, caseiro do imóvel alcunhado de ;República de Ribeirão Preto;, onde se reuniriam Antonio Palocci, Rogério Buratti, Vladimir Poleto e Ralf Barquete para supostamente dar destino ilícito a recursos públicos.

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