postado em 07/03/2011 09:54
O novo presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), chega disposto a lutar dentro do partido e fora dele para implantar o financiamento público de campanha. "Se houvesse isso, o PT não teria passado pelo que passou", diz, em referência às consequências do escândalo do mensalão. Em entrevista ao Correio, ele afirma que um dos erros do PT foi justamente o arranjo eleitoral mal feito lá atrás. Esperançoso no julgamento dos mensaleiros previsto para este ano, ele considera questão de tempo a recuperação política de todos os envolvidos.Como é voltar à ribalta depois de tanto tempo fora por conta do escândalo do mensalão?
Isso é a virtude da paciência. Administrar e compreender o tempo. Teve o tempo do silêncio e agora começa o tempo de falar um pouco mais. Espero que esse tempo seja mais longo e tranquilo.
O tempo do silêncio é doloroso?
Poucas pessoas sabem a dimensão dessa dor e a profundidade do silêncio. Mas também é tempo de você se compreender e compreender um pouco mais a natureza humana.
Não é meio constrangedor voltar sem o julgamento final do processo?
Não é, por duas razões. Uma, subjetiva: me sinto com as mãos limpas, a consciência tranquila e o coração aberto, o que permitiu pedir votos aos parlamentares da mesma forma como pedi ao povo de São Paulo e fui o deputado federal mais votado. A segunda é objetiva: o fato de ser acusado não significa que seja culpado. O processo está em andamento. Preciso exercer o mandato na plenitude. Como tenho a consciência tranquila e esperança de ser absolvido, assumo com tranquilidade a Presidência da CCJ.
O senhor assume a CCJ conhecendo defeitos, virtudes e o trato quando se está por cima e quando se está por baixo. O que pretende empreender ali?
Sei o papel que os líderes exercem, o papel da Presidência da Câmara e o limite da CCJ. A comissão pode muito, mas não tudo. Minha ideia é trabalhar de forma combinada com a Presidência da Câmara, o líder do governo e os líderes dos partidos, tanto formais quanto informais.
Há projetos a destacar?
A reforma política. Precisamos, inclusive, fazer uma comissão. Na CCJ há centenas de projetos que tratam de coisas da reforma.
Nesse, sentido, que projetos podem ser votados já?
Temos o projeto do fim das coligações proporcionais. Talvez a gente possa fazer o debate na comissão especial e votar na CCJ. Não sei se será o primeiro, mas é importante e pode ser adiantado. Por quê? Porque devemos, caso não se chegue a um acordo no STF sobre a posse dos suplentes %u2014 se pela coligação ou pelo partido %u2014, aprovar uma PEC regulamentando isso para dar sustentação legal aos atos da Presidência da Câmara. Se você vai votar uma PEC para dar guarida a uma coisa circunstancial para efeito imediato, podemos votar uma coisa mais definitiva, que é o fim das coligações proporcionais.
Votando uma regra definitiva, não deveria assumir o suplente de um mesmo partido?
Pela regra atual, e apoio o presidente da Câmara, deve assumir o suplente da coligação. Mas sou favorável ao fim das coligações, ou seja, cada partido lançaria sua chapa de vereador e de deputado.
E outros pontos da reforma, como o financiamento público e o distritão?
Sou contra o distritão. É uma antirreforma. Você acaba com os partidos. O homem descobriu que, para a democracia representativa, a forma de as pessoas se representarem é o partido. Não existe outra. Isso é no mundo todo. O distritão acaba com os partidos. Em São Paulo, teremos os 70 mais votados, independentemente de onde você terá votos, sem compromisso com o coletivo, com nada. É o fim dos partidos. A prova de que isso não é bom é que não tem em lugar nenhum do mundo.
Mas não é difícil para o eleitor votar em alguém que tem mais de cem mil votos e essa pessoa não ser deputado e outro com cem votos terminar eleito?
Mas isso é exceção, né? E, mesmo assim, significa que aquela legenda teve que organizar o coletivo. Ainda que alguém tivesse cem mil e outro mil, teve que ter alguém que organizasse, que assinasse a ficha de filiação, que indicasse as regras. No distritão não tem nada disso. Um vai no partido A, outro no B, outro no C. E cada um vai trabalhar para ser o mais votado, independentemente se vai ter coeficiente eleitoral.
E o financiamento público?
Sou favorável ao financiamento exclusivamente público. Se esse financiamento tiver três regras básicas, pode ser introduzido até no sistema atual, o proporcional. Primeiro, um teto nacional. Não pode ter cada estado o seu teto ou cada partido definir quanto gasta. O segundo: fonte exclusiva de financiamento, ou seja, o dinheiro vem de um lugar só. E terceiro, prestação de contas frequente, a cada 15 dias. Se tiver essas três regras, a campanha vai baratear, exigir que os candidatos andem mais e todo mundo vai saber quanto um deputado pode gastar. Se o candidato gastar mais, todo mundo vai ver. Fica fácil acompanhar. Você consegue uma amarração melhor. Acaba com o caixa dois? Não sei, mas reduz drasticamente.
Por falar em caixa dois, se houvesse esse financiamento público, o senhor acha que o PT teria passado pelo escândalo do mensalão?
Claro que não. Eu defendo o financiamento público com a consciência de quem foi vítima desse sistema. Se você tem o financiamento público, nunca o candidato vai precisar ir atrás de recursos. Não vai precisar ficar pensando %u201Ccomo vou fazer campanha, com quem vou contar, quanto vou gastar%u201D. Você vai se concentrar na ação política, pensar nos projetos. A relação será mais altiva. Se tivesse financiamento público e voto em lista o PT teria crescido tanto ou mais do que crescemos, teríamos menos vícios do que adquirimos nesse crescimento, cometeríamos menos erros. Estaríamos em situação diferente.
O senhor falou de erros que o partido cometeu. Na sua concepção, é correto dizer que houve mensalão ou foi uma forma equivocada como isso foi tratado? Que erros foram esses?
É evidente que não teve mensalão. As pessoas que tiverem um pouquinho de paciência, que começarem a ler e ver a própria história, verão. O que configurou o mensalão? Receber dinheiro para votar com o governo, não era isso? Eu nem votava. Então, como alguém pode me chamar de mensaleiro? Todos eram líderes ou presidentes de partidos? Era presidente do PP, líder do PP. Presidente do PR, líder do PR. Então um arranjo eleitoral mal feito acabou resultando nisso. Esse foi um erro. Agora é duro, porque foi uma disputa forte, profunda, que deixa marcas. Para mim, foi uma cicatriz difícil de fechar. É ser acusado de algo que não deve. Não tem coisa pior. E ninguém vê a sua vida pretérita. Estou no meu sétimo mandato. Nunca tive processo na vida. As pessoas não consideram isso. Mas, enfim, vamos superar.
O senhor acha que o financiamento público só dá para aplicar com voto em lista?
Não, pode até ser no atual sistema. Você teria um teto nacional. Aí as pessoas falam: "Mas João Paulo, não dá para fazer campanha com R$ 500 mil". E eu respondo: "Não dá como é hoje". Haverá um novo padrão.
Estão todos dizendo que dessa reforma política só sai a janelinha para evitar o partido do Kassab.
Janela, só como arranjo, não sai. Se houver um novo sistema, aí pode ter janela. Caso contrário, não. Kassab está fazendo um movimento esquisito. Não sei se é o melhor meio de tratar divergências internas.
O senhor é o primeiro do grupo citado no mensalão que readquire protagonismo na Casa. Os outros que tiveram desgaste similar podem se recuperar? José Dirceu, por exemplo?
No caso do Zé Dirceu, é questão de tempo. Tenho certeza de que será reconhecido não só pela Justiça, mas perante o povo. Acho que é só uma questão de tempo.
Inclusive o Delúbio?
O Delúbio tem o mesmo direito de todos: enquanto não houver condenação, é inocente.