Politica

Nem em meio a clima descontraído, Obama deixa de lado questões estratégicas

postado em 21/03/2011 07:00
Rio de Janeiro ; A recepção de popstar lembrou os tempos áureos de Barack Obama na campanha à Presidência, quando estava no auge da popularidade. Ao entrar no palco do Theatro Municipal para falar a ;todo o povo brasileiro;, os cerca de 2 mil privilegiados que tiveram acesso ao local não contiveram a euforia diante do presidente-celebridade, que não poupou charme para encantar os brasileiros. Em 22 minutos de discurso, Obama elogiou as belezas naturais, os avanços sociais e econômicos conseguidos por aqui, a generosidade do espírito do povo e colocou o Brasil como exemplo para a Líbia, por ter saído de uma ditadura para uma ;democracia próspera;.

;Sempre que a luz da liberdade está acesa, o mundo se torna um lugar mais brilhante. Esse é o exemplo do Brasil (...),país que mostra que a democracia oferece liberdade e oportunidade para seu povo;, afirmou o visitante. Em meio à tensão crescente na Líbia, e depois de ele próprio ter anunciado a intervenção militar no país, Obama se limitou, no discurso, a dizer que ;ninguém pode definir como essa mudança vai acabar;. ;Mas a mudança não é algo que devemos temer.;

Em praticamente todo o discurso, Obama manteve o tom de exaltação aos brasileiros. Segundo ele, o Brasil não é mais o ;país do futuro;. ;Para o povo do Brasil, o futuro já chegou;, afirmou, arrancando aplausos calorosos. O líder americano convidou o país a trabalhar com os EUA não como ;parceiro júnior;, mas como iguais ; uma das demandas explicitadas pelo governo brasileiro. ;Nossos países nem sempre concordaram em tudo e vamos ter diferenças de opinião mais para frente. Mas vamos nos unir, com espírito de interesse e respeito mútuos, comprometidos com o progresso que podemos fazer juntos.;

Depois de visitar a Cidade de Deus (leia mais na página 3), Obama elogiou no Municipal os avanços do Brasil na redução da desigualdade social, que ;inspiraram o mundo;. Para ele, não só o esforço na área de segurança, mas os programas sociais transformaram favelas. ;O Brasil é um exemplo de que é possível sair da pobreza para a classe média sem uma economia controlada pelo Estado;, disse, em referência indireta a Cuba e à Venezuela.

Obama lembrou que o Brasil venceu duas décadas de ditadura e que a presidente Dilma Rousseff participou da luta pela redemocratização. ;Filha de imigrantes, sua participação no movimento fez com que ela fosse presa e torturada nas mãos de seu próprio governo. E ela sabe o que é viver sem os mais básicos direitos humanos.; E citou Lula de exemplo: para Obama, aqui um garoto pobre pode chegar ao posto mais alto do poder.

Sobre as aspirações do Brasil, contudo, Obama não só foi breve, como indireto. Segundo ele, o país desempenha um ;papel importante nas instituições globais que protegem a segurança comum;, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mas deixou de fora qualquer comentário a mais sobre a aspiração brasileira de um assento permanente no órgão.

Conexões
No início do discurso, Obama fez o que sabe melhor: se aproximar do público contando sua própria história ; e, nesse caso, sua história de ligação com o Brasil. Lembrou que o primeiro contato com o país foi ao ver o filme Orfeu negro, feito com base em um texto de Vinicius de Moraes, e que sua mãe, Ann Dunham, ;amava;. ;Minha mãe já se foi, mas nunca poderia imaginar que a primeira viagem de seu filho ao Brasil seria como presidente dos Estados Unidos. E eu nunca imaginei que esse país seria ainda mais deslumbrante do que é no filme;, disse.

Com o carisma de sempre, saudou o povo brasileiro em português e agradeceu, em tom de brincadeira, quem foi ao discurso mesmo em dia de um clássico Vasco x Botafogo. ;Sei que os brasileiros não deixam o futebol de lado com essa facilidade.; Citou Jorge Ben Jor para exaltar a beleza do Brasil e deixou o teatro depois de citar Paulo Coelho, em As Valkírias, de 1992. ;Com a força do nosso amor e da nossa vontade, podemos mudar o nosso destino, bem como o destino de muitos outros.; A longa salva de aplausos foi a prova de que o homem mais poderoso do mundo agradou.

Gestos
Para a seleta audiência, a fala do visitante foi precisa. O fato de falar algumas poucas frases em português foi visto como gesto de atenção. Os elogios ao país, um ato de generosidade. ;Ele chegou cumprimentando todos em português e foi simpático. Nos tratou com respeito, de igual para igual;, disse a cantora Alcione, na saída do Municipal. A artista compunha o grupo de celebridades, que contou também com o casal de apresentadores Luciano Huck e Angélica e o casal de atores Lázaro Ramos e Taís Araújo. ;Ele buscou falar dos símbolos nacionais para se aproximar da gente e fez um discurso mostrando qual o tamanho do Brasil internacionalmente;, afirmou Lázaro. O ator, que esteve na posse de Obama, em 2009, e faz um documentário sobre o presidente, disse ter gravado mais imagens para acrescentar ao filme. Entre os convidados estavam muitas autoridades ; como o governador do Rio, Sérgio Cabral, e o prefeito da cidade, Eduardo Paes, que se sentaram juntos no camarote VIP, ao lado do palco ;, empresários e integrantes de comunidades e organizações não governamentais.

Momento simbólico
Obama deixou para o Chile o discurso mais importante de seu tour, voltado para toda a América Latina, que teve o Brasil como primeira escala. Às 9h, ele, a mulher, Michelle, e as filhas, Malia e Sasha, deixam o Rio rumo a Santiago, onde serão recebidos no Palácio de La Moneda pelo presidente, Sebástian Piñera. Amanhã, seguem para El Salvador, onde ficam até a tarde da quarta-feira.


PALAVRA DE ESPECIALISTA
As possíveis interpretações

Desde sua posse em 2009, o presidente Barack Obama realizou diversas viagens aos principais parceiros dos Estados Unidos. Características de uma ofensiva diplomática para recuperar espaço político, estratégico e econômico perdido pela administração de George W. Bush, as viagens seguem padrão similar: simpatia, discursos históricos sobre tradições democráticas, valorização do multilateralismo e apreço à emergência de novas potências, em particular as do Terceiro Mundo, China, Índia e Brasil.

Nos bastidores, a retórica é acompanhada pela prática de aumentar a presença econômico-comercial nesses países. Na agenda política, o objetivo é reconstruir alianças, diante do avanço das coalizões de geometria variável entre os emergentes e da influência chinesa das Américas à África, contrabalançando a perda de aliados no Oriente Médio e a instabilidade do mercado energético do petróleo.

No Brasil, a visita de Obama, acompanhado da família ; em meio ao início dos bombardeios aéreos à Líbia autorizados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ; seguiu a mesma linha: reconhecimento do papel global do país, elogios à solidez da democracia e economia, promessa de tratamento igualitário, lembrança de um passado comum para a construção de um futuro diferenciado. Porém, as declarações não são acompanhadas por mudanças de fato, preservando distanciamento tático de temas sensíveis.

Nesse contexto, de comunicados conjuntos, memorandos e acordos, muitas respostas surgem à pergunta: qual o resultado concreto da viagem? Os mais críticos dirão que nenhum, que foi apenas mais uma visita ;espetáculo; e que o Brasil precisaria ;fazer mais;. Os otimistas a perceberão como um recomeço que abrirá uma nova etapa das relações bilaterais. Mas, qual a conclusão?

A realidade é a de uma visita bastante positiva, na qual os EUA consolidaram formalmente o status do Brasil como potência global. Resultante de um processo de quase duas décadas de crescimento e estabilidade, este reconhecimento demonstra os acertos das opções externas e internas brasileiras e fortalece a percepção de que os norte-americanos procuram parceiros afirmativos.

Para os EUA, este não é um caminho fácil, pois representa a adaptação a um mundo no qual seu poder será menor. Para o Brasil e demais emergentes, é o momento de exercer a projeção internacional com autonomia, responsabilidade e assertividade. Como bons companheiros, Brasil e EUA continuarão ;discutindo a relação; com pragmatismo e sem ilusões mútuas, em um novo patamar global e como potências: um diálogo entre iguais em uma relação bilateral cada vez mais densa e complexa que, ao longo dos anos, trará tanto divergências quanto convergências.
Cristina Pecequilo é doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).É especialista na análise da política externa dos Estados Unidos

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