Isabella Souto
postado em 22/03/2011 07:05
O único avanço institucional do processo eleitoral brasileiro desde a lei contra a compra de votos, de origem popular, em 1999, corre risco de retrocesso. Depois de angariar 1,6 milhão de assinaturas em respaldo ao princípio de que candidatos a cargos eletivos condenados em órgãos colegiados são inelegíveis, um novo recurso contra a chamada Lei da Ficha Limpa, aprovada no ano passado na Câmara e no Senado, será avaliado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). O caso é banal, mas terá repercussão geral. Ou seja, o mérito da questão e a decisão decorrente da análise deverão ser aplicados posteriormente em casos similares. O ex-deputado estadual mineiro Leonídio Bouças (PMDB) foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em 2002 por improbidade administrativa. Quando secretário da prefeitura de Uberlândia, Bouças teria utilizado a máquina para promover a sua candidatura a deputado estadual. Segundo o TJMG, houve enriquecimento ilícito e proveito patrimonial. Com a condenação, veio a inelegibilidade, nos termos da Ficha Limpa. O registro para a candidatura de Bouças para a Assembleia Legislativa de Minas em 2010 foi indeferido.
Em seu recurso, a ser examinado pelo STF, Bouças questiona o fato de a lei ter sido aplicada com menos de um ano de vigência, já no pleito do ano passado. Ele também levanta outro debate: argumenta ter sido condenado antes da vigência da lei, que não poderia retroagir em seu prejuízo. Portanto, ataca o mérito da Lei da Ficha Limpa.
A primeira tese divide o STF. De um lado estão Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia; presidente e vice do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ;, Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa. Em julgamento do recurso do caso de Joaquim Roriz (PSC), em setembro passado, eles defenderam a aplicação imediata da nova lei. Do outro lado estão Cezar Peluso, Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que sustentaram que a norma não poderia ser aplicada nas eleições de 2010. O desempate fica por conta de Luiz Fux, novo ministro empossado no início deste mês (leia Personagem da notícia, na página 3).
Princípio
O segundo debate diz respeito à retroatividade da Ficha Limpa. Tendo sido condenado antes da vigência da nova legislação, há quem tome emprestado o princípio penal de que a lei não pode retroagir para prejudicar o réu. Por essa linha, Bouças e todos os condenados antes de 7 de junho ; data da edição da lei ; por um colegiado, seja por compra de votos, fraude, falsificação de documento público, lavagem e ocultação de bens, improbidade administrativa, entre outros crimes, não seriam atingidos pela norma. O argumento, entretanto, não é aceito por metade da Corte: vale para a matéria penal, não para a matéria eleitoral, já que a elegibilidade é uma condição.
A vice-procuradora eleitoral Sandra Cureau afirma que não se deve confundir aplicação retroativa com eficácia imediata da lei. Em seu parecer, Cureau afirma que não há que se cogitar a não aplicação da Ficha Limpa. ;É imediata nos processos em tramitação, já julgados ou em grau de recurso.; ;Para ser candidato, a lei estabelece as condições. De uma eleição para a outra as condições podem ser ampliadas. Foi o que ocorreu com a Ficha Limpa. Portanto, a inelegibilidade não é pena. Sequer é sanção penal;, resume o magistrado Marlon Reis, presidente da Associação Brasileira de Magistrados e Procuradores Eleitorais, integrante do Movimento Contra a Corrupção (MCCE) e um dos idealizadores da Ficha Limpa.
Tempo verbal
A dúvida sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa foi provocada por uma alteração de última hora sugerida pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ) durante a redação final da matéria no Senado. A emenda trocou a expressão ;tenham sido; por ;que forem;, referindo-se aos condenados por tribunais de Justiça. O texto aprovado pela Câmara determinava que não poderiam se candidatar políticos que ;tenham sido condenados; por órgão judicial colegiado ou em última instância. Com a alteração, a lei passou a determinar, no entendimento de alguns, que estariam inelegíveis somente os condenados depois da nova lei.
Não contabilizado
Jader Barbalho (PMDB), candidato ao Senado, tornou-se inelegível porque renunciou a um mandato no Senado para evitar processo de cassação. O registro dele foi liberado pelo TRE-PA, mas acabou barrado pelo TSE e pelo STF. Segundo colocado nas urnas, não teve os votos contabilizados.
Abuso de poder
Cássio Cunha Lima (PSDB) concorria ao Senado. Como foi condenado e cassado por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2006, o ex-governador teve o registro indeferido pelo TRE-PB ; decisão mantida pelo TSE. Os mais de 1 milhão de votos recebidos em 3 de outubro não foram validados.
Polêmica dos frangos
O deputado federal Paulo Maluf (PP) teve a candidatura barrada pelo TRE-SP em razão de uma condenação por superfaturamento na compra de frangos quando era prefeito. Liminares concedidas pelo TSE, no entanto, permitiram a sua candidatura, a contagem dos votos e a diplomação.
Renúncia punida
Governador do DF por quatro vezes, Joaquim Roriz renunciou ao mandato de senador em 2007 para escapar de processo disciplinar que poderia culminar em sua cassação. A conduta o enquadrou na Lei da Ficha Limpa e resultou na negativa do registro da sua candidatura pelo TRE-DF e pelo TSE. A nove dias das eleições, ele desistiu da disputa e lançou a mulher, Weslian Roriz, que chegou ao segundo turno.