Diego Abreu
Alana Rizzo
Igor Silveira
Com o reforço do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que fará nova sustentação oral em favor da Lei da Ficha Limpa, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará nesta quarta-feira (23/3), pela primeira vez com a composição completa de 11 ministros, um recurso que contesta a validade da norma nas eleições de 2010. Depois de dois empates no ano passado em análises sobre a lei, causados pela ausência do ministro Eros Grau, que se aposentou, caberá ao mais novo integrante da Corte, Luiz Fux, a missão de definir o tema. Em pauta, um recurso apresentado pelo ex-deputado estadual Leonídio Bouças (PMDB-MG), que tenta reverter sua inelegibilidade, decretada pela Justiça Eleitoral com base em uma condenação por improbidade administrativa.
O desfecho sobre a validade ou não da lei no pleito de outubro deverá ser rapidamente conhecido, na sessão prevista para ter início às 14h, uma vez que Fux será o segundo a votar, logo depois do relator do recurso, Gilmar Mendes, que é contrário à aplicação da regra. Os nove demais ministros que votarão na sequência provavelmente manterão os posicionamentos. Portanto, assim que o voto de Fux for proferido, é provável que o imbróglio quanto ao uso da Ficha Limpa nas eleições passadas estará resolvido.
Ao contrário dos julgamentos anteriores (veja memória), em que houve empate de 5 x 5 quanto ao principal aspecto que se discute em plenário, hoje os ministros discutirão também a alínea ;L; da legislação. O trecho diz que ficam inelegíveis por oito anos os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por tribunal, por ato doloso (com intenção) de improbidade administrativa. Os casos já analisados tratavam de renúncia, a alínea ;k;.
;A lei restringe direitos constitucionais sem o encerramento do processo. Esse aspecto ainda não foi discutido e precisa ser definido pelo Supremo. É a grande novidade e tem efeitos futuros;, afirma o advogado da defesa, Rodrigo Ribeiro. Pela Lei da Ficha Limpa, o candidato torna-se inelegível se tiver uma condenação de órgão colegiado, ainda que tenha recurso tramitando em tribunais superiores.
Jurisprudência
O advogado usará um julgamento do próprio STF em 2008 para sustentar a tese contrária à validade da lei nesses casos. ;Naquela oportunidade, discutiu-se a possibilidade de o Congresso criar cláusulas de inelegibilidade e a decisão foi de que não, de que era preciso o trânsito em julgado.;
O procurador-geral da República vai sustentar em plenário que o critério de inelegibilidade não é pena, para afastar também os argumentos de que a lei não poderia retroagir para prejudicar candidatos por atos praticados antes de a norma ser editada. Depois da sustentação oral de Gurgel, será a vez de Gilmar Mendes votar. Ele terá a palavra pelo tempo que julgar necessário. Após esse voto, será a vez de Fux. A tendência é de que não haja pedido de vista e de que o julgamento seja concluído hoje. O processo tem repercussão geral. Ou seja, o entendimento será aplicado em outros recursos semelhantes. Ao se debruçarem sobre o caso no ano passado, os ministros já superaram uma dúvida: entenderam que a lei é constitucional.
A metade dos ministros contrária à implementação imediata da regra usa como argumento o artigo 16 da Constituição, que diz que as leis que alteram o processo eleitoral só podem entrar em vigor um ano depois de publicadas. A Ficha Limpa foi sancionada em junho, quatro meses antes do pleito. Os ministros favoráveis à lei, no entanto, descartam que a norma tenha modificado as eleições. Para eles, apenas criou condições para as candidaturas e, ainda assim, antes das convenções partidárias.
Se Fux posicionar-se contra a validade da lei, haverá maioria de seis votos em benefício dos políticos vetados pela Ficha Limpa. Nesse caso, os que tiveram votos suficientes para serem eleitos teriam de ser diplomados.
Isso, porém, não seria automático, pois só seriam analisados os casos de candidatos que entraram com recursos. Diante desse quadro, a Justiça Eleitoral teria de refazer cálculos do quociente eleitoral para cadeiras da Câmara e de assembleias legislativas onde candidaturas foram indeferidas com base na Ficha Limpa. Para o governo, as possíveis mudanças não significarão perdas numéricas, pois as bancadas da base aliada permanecerão similares.
Em outro cenário, caso Fux vote pela validade imediata da lei, as atuais bancadas serão mantidas nas casas legislativas, pelo menos por ora, pois o julgamento abrangerá somente a alínea ;L; da legislação. Há outros 31 recursos contra a norma tramitando no Supremo.
Uso da máquina
Condenado em 2005 pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Leonídio Bouças é acusado de uso da máquina estatal em proveito próprio, na época em que era secretário municipal em Uberlândia (MG). De acordo com a sentença, Bouças teria promovido a própria campanha a deputado estadual em 2002. Ao concluir que houve enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário, a Justiça suspendeu os direitos políticos do ex-deputado.
MEMÓRIA
Impasse em dose dupla
O autor do primeiro recurso contra a Lei da Ficha Limpa julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi o ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC). No processo, Roriz contestava decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que havia barrado sua candidatura ao GDF com base na alínea ;K; da lei, que torna inelegíveis aqueles que renunciaram ao mandato para escapar da cassação. Em 2007, Roriz abriu mão do mandato de senador após ser flagrado negociando a partilha de um cheque de R$ 2,2 milhões do empresário Nenê Constantino. Em setembro último, houve empate na análise do recurso de Roriz no STF. Após muita discussão, não houve consenso entre os 10 ministros presentes em plenário, que decidiram suspender a sessão sem proclamar resultado. Antes de o STF voltar a se reunir para definir o impasse, Roriz desistiu da candidatura e o processo acabou arquivado.
Em outubro, já depois do primeiro turno das eleições, o Supremo voltou a analisar uma ação sobre a Ficha Limpa, ao apreciar recurso do candidato ao Senado Jader Barbalho (PMDB-PA). O paraense renunciou ao mandato de senador em 2001 para escapar de um processo por quebra de decoro parlamentar. Na época, Jader foi acusado de mentir ao Senado sobre o suposto envolvimento com o desvio de dinheiro. No STF, houve novo empate. A saída encontrada pelos ministros, na ocasião, foi a manutenção da decisão do TSE, que havia vetado a candidatura de Jader.