Enviada Especial
postado em 28/03/2011 08:39
Mineiros (GO) ; Cercada por estradas de barro e pontes precárias construídas sobre grandes rios, a cidade goiana de Mineiros, distante 384 km de Brasilia, foi o destino de R$ 1,5 milhão liberado às pressas pelo Ministério da Integração no ano passado para a reconstrução de acessos danificados pelas chuvas. Dinheiro que ainda não mudou a vida de gente como seu Randon Alves Brito, que há meses está sem televisão porque nenhum técnico conseguiu ter acesso à sua casa para instalar a antena. Isolado pela queda de uma ponte, o vaqueiro só consegue comida quando vai buscar a cavalo. ;Não sei quanto tempo dá para esperar mais. Estamos isolados aqui e ninguém diz nada. Nem sabemos se veio dinheiro e como foi usado;, diz.Seu Randon é apenas um dos moradores prejudicados pela morosidade na reconstrução de parte da cidade destruída pelas águas há quase um ano. O relatório da prefeitura mostra que cinco das nove pontes tiveram suas obras iniciadas e cerca de 70% dos recursos já foram usados. Números quem nem de longe representam a realidade encontrada pelo Correio durante os dias em que percorreu o município para traçar o caminho da verba emergencial que desaguou nos cofres da administração municipal com carta branca para ser gasta sem licitação.
A liberdade para o investimento e a falta de fiscalização em todas as fases da obra deixaram a critério da prefeitura a escolha pelas empresas responsáveis pelo serviço. No caso de Mineiros, apenas uma empreiteira caiu nas graças da cúpula municipal: a BN Construtora. Não por acaso. A empresa consta dos registros do Tribunal Superior Eleitoral como doadora de pouco mais de R$ 8 mil para a campanha de Aderaldo Barcelos (PSDB) na disputa por uma vaga de deputado estadual. Aderaldo é marido da prefeita Neiba Barcelos (PSDB) e antecessor dela na prefeitura municipal.
Números x Gente
O relatório que está sendo preparado pela prefeitura para entregar ao Ministério da Integração é bem mais animador do que o quadro encontrado pela reportagem. Segundo os dados oficiais, duas pontes foram totalmente concluídas, duas atingiram a marca de 92%, uma está 50% terminada e apenas duas não foram iniciadas.
Na vida real, no entanto, esses índices provocam bem menos entusiasmo. Na ponte sobre o Rio Retirinho, por exemplo, que consta do relatório como concluída em mais de 90%, a reportagem não conseguiu acesso de carro. A estrada havia se transformado em um verdadeiro lamaçal e o barro cobriu o asfalto. Para chegar ao destino dos investimentos de quase R$ 200 mil, pelo menos oficialmente, foi preciso pegar carona em um dos poucos caminhões que se aventuraram a fazer a travessia. ;Aqui está cada vez mais difícil. Todo dia temos de nos arriscar, correndo o risco de deslizar. Ou é isso ou temos de fazer o caminho mais seguro, que aumenta em uma hora o tempo da viagem. Parece que esqueceram daqui;, comenta o caminhoeiro Jânio Rodrigues.
Dentro das estatísticas bem- sucedidas da prefeitura estão as pontes da região de Matrinchan, um dos destinos mais frequentes de fazendeiros e caminhões de cargas. O problema é que que os investimentos feitos nas pontes do local foram pífios e quem passa por lá relata uma realidade dramática e bem diferente dos dados oficiais. ;A ponte mais importante não foi feita e não está dando para passar. Cada vez que chove, a coisa piora;, diz José Rosa, integrante da Cooperativa Mista do Vale do Araguaia.
Prova do abandono dessas pontes foi a atitude de um dos fazendeiros endinheirados da região. Cansado de esperar pela prefeitura, ele pagou com o próprio dinheiro a restauração de uma das pontes que caiu e que dava acesso às suas terras.
;Tem coisas muito estranhas acontecendo aqui em Mineiros. As pontes não estão sendo feitas e as poucas que receberam os investimentos não podem ser usadas porque as estradas não prestam e o acesso é impossível. A população é quem fica prejudicada;, comenta o presidente do PT local, Roberto Naves. Entre as coisas ;estranhas; às quais o político se refere está a inclusão de uma ponte que dá acesso à fazenda da prefeita entre as prioridades para restauração, sem que a região tenha sido afetada pelas enchentes.
Contatos
A assessoria da prefeitura não retornou os contatos da reportagem para comentar a coincidência entre a responsabilidade de uma das obras ser da empresa financiadora da campanha do marido de Neiba Barcelos. Um dos técnicos de engenharia da prefeitura detalhou os percentuais de andamento das obras, mas a assessoria de comunicação da prefeitura não enviou respostas oficiais aos questionamentos feitos pelo Correio.