postado em 21/08/2011 19:25
Diversos presentes recebidos por deputados da Comissão de Agricultura e em pleno uso, apesar da manifestação contrária da Casa, dão a dimensão da confusão entre interesse público e privado na Câmara dos Deputados. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) instalou dentro da comissão uma televisão de plasma de 42 polegadas. A tevê seria colocada no plenário do colegiado para a divulgação de cotações de produtos agrícolas e de campanhas da CNA, o que acabou vetado pela direção da Câmara. O aparelho, então, foi instalado dentro da secretaria da Comissão de Agricultura, uma das mais movimentadas da Casa.Ao lado da tevê, outros agrados estão à disposição de parlamentares e visitantes. São três cafeteiras e uma máquina de sucos, doadas por entidades que fazem lobby pelo agronegócio no Congresso. Cartazes anexados às máquinas mostram quem está por trás das doações: a Cooperativa Regional dos Cafeicultores do Vale do Rio Verde (Cocarive) e a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja).
Um terceiro cartaz, anexado às máquinas de suco e café, divulga a campanha Café do Brasil, um país, muitos sabores. Os patrocinadores, como aparece no banner, são a CNA e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Todas essas entidades atuaram presencialmente na Câmara em defesa do novo Código Florestal Brasileiro. O texto do relator, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), foi aprovado na íntegra. Uma emenda, também validada pelo plenário, ampliou as possibilidades de cultivo em áreas de preservação permanente (APPs).
Análise jurídica
Doações como essas são consideradas ilegais pelo próprio departamento jurídico da Câmara. Não há previsão no regimento interno da Casa sobre doações como a de cafeteiras e tevês para um setor específico do Congresso. O caso da tevê de plasma chegou a ser analisado pela assessoria jurídica da Câmara, a partir de uma consulta do deputado Abelardo Lupion (DEM-PR), então presidente da Comissão de Agricultura. Um parecer da assessoria decidiu que a entrega da tevê era ilegal, por se tratar de uma ;doação com encargo;, ou seja, a CNA obteria ;vantagens diretas; ao veicular campanhas publicitárias e a logomarca da entidade, a principal representante do agronegócio brasileiro.
A Câmara vetou, então, a instalação da tevê no plenário da Comissão de Agricultura. Segundo a assessoria de imprensa da Casa, o funcionamento da tevê na secretaria da comissão acabou aceito por se tratar de um ;bem de terceiro;. O aparelho continua pertencendo à CNA, alega a Câmara, e não pode veicular o logotipo da entidade, propagandas institucionais ou material político-partidário.
Ao Correio, o deputado Abelardo Lupion afirmou que a sigla da CNA aparece embaixo das cotações dos produtos agrícolas, ;como se fosse um patrocínio;. ;Pedimos autorização da Mesa Diretora, que negou. Colocamos essa tevê à disposição da CNA, queremos devolvê-la.; O deputado confirma que as três cafeteiras e a máquina de suco foram doações das associações de produtores agrícolas. ;Recebemos muitas pessoas de fora, que experimentam o verdadeiro café do Cerrado. A comissão existe para representar o setor e, por isso, não há problema algum no fato de o setor ter um espaço ali dentro;, diz Lupion.
Os sucessores de Lupion na presidência da Comissão de Agricultura, deputados Júlio César (DEM-PI) e Lira Maia (DEM-PA), dizem desconhecer as doações feitas pela CNA e por outras entidades do setor. ;Não vejo problema nisso. Todos lutam pelo mesmo objetivo;, afirma Lira Maia, atual presidente. ;Se é certo ou errado, é preciso ver o que o estatuto da CNA e o regimento da Câmara permitem;, reitera Júlio César.
A presidente da CNA é a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), principal porta-voz do agronegócio no Congresso. Por meio da assessoria de imprensa, a CNA disse ter responsabilidade apenas pela tevê de plasma. ;A tevê só passa cotações de preços. Não é um presente para funcionários e deputados usarem;, diz a assessoria. Ainda segundo a assessoria, nenhum pedido de devolução da tevê foi formulado pela Câmara, ao contrário do que afirma o deputado Abelardo Lupion.