Júnia Gama
postado em 16/09/2011 08:48
A poucos dias da votação da regulamentação da Emenda Constitucional 29 (EC 29), que deve ir a plenário na quarta-feira, há ao menos um ponto de consenso entre os líderes parlamentares: o texto aprovado na Câmara não irá resolver o problema de insuficiência de investimentos na saúde. Ao contrário, se permanecer como está, poderá retirar recursos da área.
Isso porque o projeto de lei complementar (PLC) que regulamenta a Emenda 29, aprovado no Senado e enviado à Câmara em 2008, recebeu um substitutivo do deputado Pepe Vargas (PT-RS) que retira os recursos do Fundo de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) da base de cálculo do percentual a ser aplicado pelos estados em saúde. A exclusão do Fundeb foi uma condição imposta pelo governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), para que seu partido apoiasse a aprovação do texto.
Hoje, o Fundeb totaliza cerca de R$ 58 bilhões entre todos os estados. Com a retirada desse valor da base de cálculo dos gastos dos governadores, seriam cerca de R$ 7 bilhões a menos para serem investidos em saúde ; a Emenda 29 estipula um gasto mínimo de 12% da arrecadação dos estados em saúde.
Para os parlamentares, a saída será retirar o artigo incluído por Pepe Vargas na votação do Senado. ;Já temos um acordo para excluir esse dispositivo. Se conseguirmos, mudamos a situação atual e teremos mais investimentos em saúde;, aponta o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP).
Ilusão
O deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), ex-secretário de Saúde do governo Aécio Neves por sete anos, expõe sua preocupação com o assunto. ;As pessoas estão iludidas, pois foi gerada uma falsa expectativa de que a Emenda 29 iria resolver todos os problemas da saúde, quando, na verdade, é apenas o primeiro passo de uma longa caminhada;, diz. Ele explica que, para que se inicie um processo de melhora do sistema da saúde pública, seria necessário dobrar os investimentos atuais. Hoje, o gasto da União, dos estados e dos municípios no setor é de cerca de R$ 150 bilhões.
As fontes de financiamento vêm sendo discutidas nos últimos dias e há diversas propostas nesse sentido. Recentemente, o Palácio do Planalto desistiu de defender a criação de um imposto e a retirada da Contribuição Social para a Saúde (CSS) do texto da Emenda 29 é dada como certa. Mas há sugestões de aumento de impostos em outros setores, como o que incide sobre bebidas alcoólicas, tabaco e o seguro obrigatório de veículos (Dpvat). Dados levantados por parlamentares governistas estimam que, com esses três passos, seria possível arrecadar até R$ 12 bilhões a mais. Outra fonte viria dos royalties do pré-sal.
Marcus Pestana defende um rearranjo fiscal como forma de direcionar mais dinheiro para a saúde, sem que seja necessário um aumento da carga tributária, que hoje já chega a quase 40%. Ele cita o montante destinado a grandes empresas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ; que, nos últimos três anos, somou cerca de R$ 370 bilhões ; como um dinheiro que poderia ter um destino melhor. Os juros pagos a credores internacionais, que somam cerca de R$ 200 bilhões anuais, também são vistos como um desperdício pelo deputado. ;É uma questão de prioridades. Há espaço fiscal para melhorar substantivamente os gastos com saúde;, aponta.
Vizinhos
Dados do Banco Mundial sobre gastos com saúde indicam que o Brasil investe menos na área que seus vizinhos Argentina, Uruguai e Chile (veja quadro). O gasto total em termos de percentual do PIB com saúde está alinhado ao dos países desenvolvidos, mas, quando se analisa o investimento público, a posição do Brasil despenca. O perfil indica que, ao contrário da maioria desses países, os gastos no Brasil são, majoritariamente, privados ; cerca de 54,3%. O Chile, país que herdou um modelo econômico mais liberal de seu governo militar, apresenta hoje gastos públicos de 46,8% do PIB, mais de um ponto percentual acima do Brasil.
Os investimentos brasileiros se assemelham a países de menor peso no cenário econômico mundial, como Letônia, Bulgária e Turquia, o que, para Pestana, confirma a tese de que há um longo caminho a trilhar para que a saúde no país alcance melhores patamares.
Diagnóstico internacional
Veja quanto alguns países gastam* com saúde por habitante. O cálculo soma os dispêndios públicos e privados
Estados Unidos - US$ 7.410
Canadá - US$ 4.196
Austrália - US$ 3.382
Espanha - US$ 3.150
Itália - US$ 3.027
Portugal - US$ 2.704
Argentina - US$ 1.235
Chile - US$ 1.172
Uruguai - US$ 979
Brasil - US$ 943
Total de gastos* públicos com saúde (em relação ao total de gastos com saúde)
Itália - US$ 2.339 (77,3%)
Espanha - US$ 2.271 (72,1%)
Portugal - US$ 1.890 (69,9%)
Canadá - US$ 2.882,6 (68,7%)
Argentina - US$ 820 (66,4%)
Austrália - US$ 2.211,8 (65,4%)
Uruguai - US$ 617,7 (63,1%)
Estados Unidos - US$ 3.601 (48,6%)
Chile - US$ 548,4 (46,8%)
Brasil - US$ 430,9 (45,7%)
Percentual do PIB do total de gastos* com saúde (público e privado)
Estados Unidos - 16,2%
Portugal - 11,3%
Canadá - 10,9%
Argentina - 9,5%
Itália - 9,5%
Espanha - 9,7%
Brasil** - 9%
Austrália - 8,5%
Chile - 8,2%
Uruguai - 7,4%
*Dados em dólares, usando as taxas de paridade de poder de compra de 2005
Fonte: Banco Mundial
**Segundo dados do Ministério da Saúde, os gastos da União com saúde em 2007 corresponderam a 3,3% do PIB