Paulo de Tarso Lyra, Enviado Especial
postado em 02/10/2011 08:00
Sofia ; A presidente Dilma Rousseff inicia hoje uma viagem de cinco dias por três países que será marcada não somente pelo forte peso político e econômico, mas também, e sobretudo, pelo conteúdo emocional. Em seguida à Cúpula Brasil-União Europeia, entre amanhã e terça-feira, em Bruxelas, na Bélgica, e antes da visita à Turquia, na sexta, a presidente passará pela Bulgária, terra natal do pai, Petar Roussev.
Além de cumprir uma agenda de visita de Estado, como nos demais países, a chegada à Bulgária será para Dilma a realização de um objetivo pessoal. Quando era ministra do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela planejou duas viagens para conhecer o país, mas nunca foi até lá. A tentativa mais recente, em 2007, foi cancelada assim que ela recebeu a notícia da morte de seu meio-irmão, Luben-Kamen. Ela se correspondeu com ele, mas não conseguiu encontrá-lo.
Os familiares de Dilma que restam na Bulgária não são tão próximos dela, mas aguardam com ansiedade a visita da presidente. Não só eles, aliás. No mais pobre integrante da União Europeia, a história da presidente brasileira é vista como um antídoto à baixa autoestima.
Dilma é filha de um migrante que construiu uma história de sucesso. Fugiu da miséria e da perseguição que massacrou a maioria dos búlgaros nas guerras e depois no regime autoritário de orientação comunista. Com DNA búlgaro, Dilma comanda hoje um país com Produto Interno Bruto (PIB) que, mesmo em termos nominais, já supera o de várias economias europeias, como a Espanha e a Itália. Dentro de alguns anos, ultrapassará também França e Reino Unido, segundo estimativas.
Ligações
O crescimento do Brasil neste ano não deverá chegar à metade do que foi no ano passado, mas é um alento em comparação aos países europeus, mergulhados na estagnação, que poderá se prolongar caso a crise da dívida da Grécia venha a se agravar, como muita gente no mercado financeiro aposta. A Bulgária está em último lugar no bloco europeu, que integra desde 2007, e, na atual situação do continente, não vê perspectivas de crescimento. Por isso, o governo local aposta nas ligações culturais com Dilma para intensificar as relações econômicas com o Brasil, para onde só conseguiu exportar 32 milhões de euros no ano passado.
Hoje, o contraste entre a situação econômica do Brasil e a da Europa não conta somente para a Bulgária. Dará o tom desta cúpula, um encontro que ocorre todos os anos com sede alternada. O desafio de Dilma nas relações com a Europa e com as principais potências globais é mostrar que o Brasil tem algo a ensinar a partir de sua experiência, e que isso o credencia a ter espaço consistente e mais voz nos fóruns internacionais. Dilma já deixou claro o que pensa em discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas há duas semanas. E não foi uma mensagem suave. Ela apontou a ;falta de governança; como causa da crise. Mais tarde, ainda em Nova York, disse em entrevista a jornalistas que não se pode resolver o problema da dívida por meio de medidas recessivas. Usou como exemplo as décadas perdidas de 1980 e 1990 no Brasil, em que o crescimento econômico ficou abaixo da média do século 20.
Acordos
Os objetivos do discurso econômico de Dilma são políticos. Nas conversas reservadas com líderes europeus, serão tratados os temas propriamente econômicos. O Brasil patina no comércio mundial, com participação de aproximadamente 1% no volume global. Uma das possibilidades de destravar exportações seria um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, algo que vem sendo discutido desde 2004, mas enfrenta impasses. As conversas de amanhã e terça-feira certamente não serão conclusivas, mas podem abrir caminhos para um acordo.
Independentemente dos resultados concretos da viagem e dos discursos, o simbolismo do roteiro já está dado. No fim desta semana, Dilma terá visitado a burocracia da União Europeia, em Bruxelas, mas também o país mais pobre do bloco, a Bulgária, e outro cujo ingresso vem sendo reiteradamente barrado no clube europeu, principalmente pelas diferenças culturais, a Turquia.
O recado do primo
Jzonu Kornajev procurou o embaixador brasileiro em Sofia, capital da Bulgária, em dezembro de 2010 para que traduzisse e enviasse mensagem a sua prima Dilma Rousseff antes que ela tomasse posse na Presidência. ;Escrevi a Dilma uma saudação e o desejo de boa sorte. Depois lhe disse que ela deve ser honesta como foi meu avô, que era também avô do pai dela;, contou Kornajev, ontem, no fim da tarde ao receber a reportagem do Correio no apartamento simples e aconchegante em um bairro de classe média da capital búlgara.
Ao receber da reportagem uma foto de Dilma, Kornajev, 84 anos, pede desculpas por chamar a presidente pelo prenome. ;É que eu sinto mesmo que ela é da família;, explica, sem saber que no Brasil que não há restrições a esse tratamento informal, aliás, o preferido pela maioria dos políticos. Também por intermédio da embaixada brasileira, ele enviou a árvore genealógica da família. Ele mostra uma cópia, também feita à mão, ao argumentar que é o parente mais próximo de Dilma por parte de pai.
A agenda oficial de Dilma reserva encontro com familiares em Gabrovo, cidade de 60 mil habitantes onde nasceu Pedro Rousseff, o pai de Dilma. Os 215km que separam a cidade e a capital búlgara desanimam Kornajev, que diz sentir o peso da idade. Contradizendo a queixa, ele se levanta em vários momentos da conversa para buscar papéis e ir falar com a mulher, Svetla, que prepara um café.
Quando ela traz a xícara, ele aproveita para servir também um conhaque típico da Bulgária. Em Gabrovo, Dilma será recebida pela viúva de um primo distante. Em Sofia, mora a maior parte de seus parentes, incluindo Ralitsa Neguentsova, que preside a instituição responsável por todas as eleições na Bulgária.
Kornajev tinha dois anos em 1929, quando Pedro Rousseff, nascido Petar Roussev, deixou o país para nunca mais voltar. Primeiro, o pai de Dilma foi para a França, onde o sobrenome passou por uma adaptação linguística. Em meados da década de 1940, depois de viver na Argentina, ele se instalou no Brasil. Desta vez, o prenomee é que se adaptou ao novo país.
O pai de Dilma morreu em 1971, sem jamais regressar à Bulgária. Ele não deixou para trás somente a terra natal, mas também a primeira mulher, grávida. Nunca conheceu o filho, Luben-Kamen Roussev, meio-irmão de Dilma. No livro Rousseff, os jornalistas Jamil Chade e Momchil Indjov, respectivamente brasileiro e búlgaro, contam que Dilma trocou cartas com o irmão pouco antes de ele morrer, em 2007. Chegou a ajudá-lo financeiramente. Dilma estava com viagem marcada para conhecer a Bulgária e o irmão, quando subitamente ele morreu. Luben não teve filhos e sua esposa morreu um ano depois.
Os motivos da fuga de Petar Roussev são desconhecidos. Dilma afirmou em entrevista que ele era membro do Partido Comunista da Búlgaria, que na década de 1920 era clandestino. O primo Kornajev discorda: ;Ele (Petar) era apolítico;. Os búlgaros passaram por muitas dificuldades em vários períodos do século 20. Kornajev lembra-se sem saudades do regime de orientação comunista. Colaborador de jornais e professor de relações internacionais aposentado, ele conta que escreveu 1.100 artigos desde os 15 anos. Desses, 800 foram nos últimos 22 anos, após a queda do regime.
No fim da conversa, Kornajev acompanha o repórter até a porta do bloco de apartamentos, retangular e com poucos andares. Faz calor no começo de outono em Sofia, cidade de 2 milhões de habitantes, a metade do que há no país. Crianças e adolescentes lotam os espaços verdes e os bolsões de estacionamento entre os blocos. Tanto os prédios quanto as quadras lembram Brasília.