postado em 25/10/2011 09:33
Pressionado pela Fifa, o governo federal se articula no Congresso para aprovar rapidamente o projeto da Lei Geral da Copa. Entretanto, mesmo se o conjunto de normas que vão reger a realização do Mundial de 2014 no país demorar a ser sancionado ; ou, em uma hipótese remota, nem sair do papel ;, a entidade máxima do futebol desfrutará de uma série de poderes que, em alguns casos, se sobrepõem à própria legislação brasileira. Em 11 documentos que reúnem as garantias assinadas ainda na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil promete à Fifa direitos soberanos, independentemente da aprovação de lei específica sobre o tema, até o fim do ano de realização do torneio.
O Correio teve acesso aos compromissos assinados entre 2007 e 2009 por integrantes do Executivo e o presidente da Fifa, Joseph Blatter. As garantias estão divididas nos 11 documentos que tratam desde os trâmites para a entrada e a saída do país, a permissão de trabalho (leia-se poder de a Fifa contratar funcionários no Brasil), facilidades alfandegárias e isenção de impostos à proteção e exploração de direitos comerciais, incluindo hinos e bandeiras nacionais, além do pagamento de indenizações e o fornecimento de infraestrutura tecnológica e de telecomunicações que atenda aos requisitos da entidade.
Dos 11 documentos, em 10 constam o seguinte trecho: ;Essa garantia do governo é e permanecerá obrigatória, válida e executável contra o Brasil e seu governo, bem como todas as autoridades estaduais e locais, desde a data desta garantia até 31 de dezembro de 2014, independentemente de qualquer mudança no governo do Brasil ou em seus representantes, ou qualquer mudança nas leis e regulamentos do Brasil;.
Entre essas garantias previstas, também conta, por exemplo, a liberação da venda e do consumo de bebidas alcoólicas nos estádios durante os jogos da Copa, medida que fere o Estatuto do Torcedor, em vigor no país desde 2003. ;Afirmamos e garantimos à Fifa que não existem nem existirão restrições legais ou proibições sobre a venda, publicidade ou distribuição de produtos das afiliadas comerciais, inclusive alimentos e bebidas, nos estádios ou em outros locais durante as competições;, diz trecho de um dos documentos, assinado em 29 de maio de 2007 pelos então ministros Tarso Genro (Justiça), Miguel Jorge (Desenvolvimento), Juca Ferreira (Cultura) e Sergio Rezende (Ciência e Tecnologia).
Atritos
A venda de bebidas alcoólicas é apenas uma das polêmicas que têm causado dor de cabeça ao governo e gerado atritos com a Fifa. Outros problemas incluem a questão da meia-entrada para estudantes e idosos; a criação de tribunais de exceção, que funcionariam no período do Mundial para tratar apenas de questões referentes à Copa; e a restrição do comércio ; inclusive do espaço aéreo ; em um raio de 2km nos locais de eventos da entidade (veja quadro).
Apesar dos compromissos firmados, a Fifa está preocupada com a demora na aprovação da Lei Geral. Tanto que, em algumas ocasiões, tem subido o tom, como na última sexta-feira, quando o presidente da federação, Joseph Blatter, disse que ;encontrará Dilma Rousseff em novembro para finalizar de uma vez por todas os compromissos que o governo anterior assumiu com a Fifa;.
Para o deputado Otavio Leite (PSDB-RJ), integrante da comissão especial da Copa na Câmara, as garantias dão poderes exagerados à Fifa. ;O documento é passível de ser questionado. O governo federal é livre para firmar acordos, mas não é livre para ofender a soberania nacional;, criticou. Já o presidente do colegiado, Renan Filho (PMDB-AL), minimiza as polêmicas, e diz que valerá o texto da Lei Geral: ;A garantia é a sinalização de que o país está de acordo com o que a Fifa necessita. É a lei que vai valer no Mundial. Ela vai criar o marco regulatório que a própria Fifa vem defendendo;, ressaltou. A comissão especial se reúne hoje, com a presença do ministro do Esporte, Orlando Silva, para discutir, entre outras questões, as garantias dadas à Fifa.