postado em 04/12/2011 08:00
O investimento do efetivo de segurança do Senado em dispositivos de detecção e atividades de arapongagem revelou o sentimento de medo que domina a Esplanada dos Ministérios a cada vez que alguém utiliza o telefone. A Casa irmã do Senado também tem suas maletas. A assessoria da Câmara informa que são duas unidades de analisadores considerados obsoletos e que há consulta para renovar os dispositivos anti-escutas. O gasto das verbas orçamentárias para aquisição de maletas de varredura telefônica não é exclusividade do Legislativo. No carrinho das compras públicas de órgãos do Executivo e do Judiciário dos últimos quatro anos estão sofisticados rastreadores de grampos. Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Supremo Tribunal Federal (STF), Ministério da Defesa, Ministério da Fazenda e Ministério Público Federal integram a lista dos que investiram em dispositivos antiarapongagem para continuar falando ao telefone.O principal fornecedor das maletas de rastreamento na Esplanada é a empresa Berkana, que este ano já faturou R$ 170 mil em dispositivos de segurança telefônica. É graças aos equipamentos da empresa paulista que a Secretaria de Receita Federal deixa seu telefone limpo de grampos. Segundo o Portal da Transparência, o órgão adquiriu um dispositivo captador de escutas por R$ 69 mil.
O Centro de Inteligência do Exército é ainda mais precavido. Comprou duas maletas, uma modelo Talan e uma Oscor Green, para realizar varreduras em seu sistema. A compra do Talan e outros componentes da plataforma representou despesa de R$ 102 mil. O modelo da maleta é feito para rastrear grampos em ligações via internet, por chamadas de Voice Over Internet Protocol (Voip). As ligações pela internet não são inatingíveis. De acordo com levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente há mais de 700 pedidos judiciais de quebra de sigilo telefônico de chamadas de Voip. Outra maleta da Defesa é o Oscor Green, o mesmo modelo solicitado pela Polícia Legislativa do Senado em setembro deste ano, como revelou o Correio. As despesas da compra do Oscor Green e acessórios foram de R$ 240 mil.
Durante a CPI das Escutas Telefônicas, o então ministro da Defesa Nelson Jobim afirmou que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tem equipamentos de interceptação. Segundo o ministro, em 2006 a agência adquiriu três equipamentos, por intermédio da unidade de Washington da Comissão de Compra do Exército Brasileiro. São o Oscor, que custou US$ 66 mil, o Stealth LPXGlobal Intelligence Surveillance System, cujo preço é de US$ 60 mil e o Orion, no valor de US$ 59,2 mil.
Na Esplanada, quem não municia a equipe de segurança com arsenal antiarapongagem contrata empresas especialistas no ramo para blindar seus ramais. Nesse campo, quem domina a prestação de serviços é a Dígitro, que só este ano recebeu R$ 4 milhões do governo. A firma é conhecida por fabricar o sistema Guardião ; dispositivo utilizado pelas forças policiais brasileiras para proteger a rede de monitoramento telefônico e filtrar dados de escutas realizadas em investigações ;, mas também oferece outros produtos de segurança de dados. Entre os clientes da Dígitro estão o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Serviço Florestal Brasileiro, e a Presidência da República, contemplando o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Vigilância da Amazônia. A Dígitro foi procurada, mas não informou os serviços prestados a órgãos do Executivo e Judiciário.
Oficialmente, as varreduras em órgãos públicos cabem à Polícia Federal. O efetivo destinado a ações antiarapongagem não atende à demanda, e as empresas de tecnologia agem no vácuo da falha institucional para vender segurança ao alto escalão e a parlamentares. Procurada pelo Correio, a PF não informou sobre a demanda que recebe para realizar varreduras telefônicas em órgãos públicos, alegando que ;os dados são de segurança institucional e são mantidos em sigilo;.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou que não tem o equipamento de rastreamento de escutas telefônicas e que, quando é necessário fazer uma varredura, o equipamento é solicitado a outros tribunais, que nunca se negaram a atender. O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência não respondeu os questionamentos feitos pela reportagem sobre os equipamentos de varredura e seu uso. A assessoria se limitou a dizer que a Lei n; 10.683/2003 estabelece as competências do GSI e que o artigo 5; da Constituição regula o sigilo da correspondência e das comunicações telefônicas.
Medo
Ministério Público Federal e delegados da PF questionam o uso desses equipamentos por pessoas e órgãos que não têm competência e nem tratamento. A proposta aprovada no Congresso após o fim da CPI era de que esses instrumentos deveriam ser de uso exclusivo das forças de segurança legislativa.
O consultor em segurança André Cardelli trabalha com equipamentos antiescutas há 10 anos e afirma que o ;medo; dos grampos na Esplanada não se justifica do ponto de vista institucional. ;Assuntos de interesse nacional não são tratados por telefone, mas em reuniões, e equipamentos misturadores de frequência que inibem escutas são soluções mais simples. O medo dos grampos é para proteger assuntos de ordem particular;, avalia.
Cardelli informa que em alguns países os grampos telefônicos estão sendo feitos por um dispositivo que desvia o sinal enviado pela operadora para uma ;pseudoestação;, que passa a emitir o sinal. Esse tipo de escuta só é possível quando realizado nas proximidades da ligação do celular que se pretende grampear, mas não é detectado pelas maletas de varredura utilizadas pelos órgãos públicos brasileiros.