postado em 31/08/2012 16:46
Responsável por propor diretrizes, normas e acompanhar a tramitação de propostas de leis relacionadas à política indigenista, a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) decidiu pedir ao governo federal que revogue a Portaria n; 303 da Advocacia-Geral da União (AGU). A decisão do órgão será publicada no Diário Oficial da União nos próximos dias e foi tomada ontem (30/8), durante a 18; reunião ordinária da comissão, conforme informaram representantes indígenas e da sociedade civil que integram a comissão, criada em março de 2006, no âmbito do Ministério da Justiça.
Atualmente, a comissão é presidida por Marta Azevedo, presidenta da Fundação Nacional do Índio (Funai). Segundo a fundação, o texto da resolução foi aprovado por unanimidade, inclusive por representantes de outros órgãos do governo, como ministérios integrantes da comissão.
;A comissão vai recomendar que o governo revogue a portaria porque entende que ela fere a Convenção 169 [da Organização Internacional do Trabalho, que estabelece os direitos fundamentais dos povos indígenas e tribais e da qual o Brasil é signatário] e é contrária à Constituição Federal;, disse Sandro Emanuel dos Santos, representante da comunidade Tuxá da Bahia. ;A AGU publicou a portaria sem consultar os índios e não levou em conta os interesses da comunidade;, acrescentou.
Publicada no dia 17 de julho, a portaria estende para todos os processos envolvendo a demarcação de terras indígenas as 19 condições estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009, para aprovar a manutenção da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em terras contínuas. Na prática, a medida proíbe a ampliação de áreas indígenas já demarcadas, a venda ou arrendamento de qualquer parte desses territórios quando significar a restrição do pleno usufruto e a posse direta da área pelas comunidades indígenas.
Segundo a AGU, a norma é apenas para ajustar a atuação dos advogados públicos à decisão do STF. Porém, também proíbe o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico da terra pelos índios, além de impedir a cobrança, pela comunidade indígena, de qualquer taxa ou exigência para uso de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas.
Para especialistas, lideranças indígenas e organizações indigenistas e ambientalistas, a iniciativa da AGU é inconstitucional e resultado de uma interpretação equivocada da decisão do STF que, segundo eles, se aplica específica e exclusivamente à Raposa Serra do Sol.
A AGU entende que as 19 condicionantes estipuladas pelo STF representam um marco constitucional no tratamento das questões de demarcação e de administração das áreas indígenas e que ;todos os procedimentos que estão em violação àquelas condicionantes são desconformes ao direito."[SAIBAMAIS]
Conforme reportagem da Agência Brasil do dia 20 de julho, as condicionantes ainda são alvo de ao menos seis pedidos de esclarecimentos, os chamados embargos de declaração, podendo vir a ser modificadas (o que, de acordo com a assessoria do STF, não resultaria em qualquer mudança na decisão de manter a demarcação da Raposa Serra do Sol).
Uma semana após ter publicado a portaria, a AGU decidiu, em resposta à polêmica suscitada pela iniciativa e a um pedido da Funai, adiar até 24 de setembro a entrada em vigor da norma. Durante o período de vacância da portaria, a Funai deverá consultar os povos indígenas sobre o assunto. Segundo assessoria da AGU, até o momento, a orientação é de que a portaria entre em vigor de fato no próximo dia 24.
Mesmo após a AGU ter suspendido os efeitos da portaria, índios de todo o país continuam protestando contra a iniciativa, bloqueando rodovias e ocupando prédios públicos. Na manhã de hoje(31), em reunião com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e representantes da AGU e da Funai, lideranças indígenas prometeram intensificar os protestos caso a portaria não seja revogada.