postado em 06/12/2012 10:26
O artista plástico paranaense radicado em São Paulo, Elifas Andreato, inaugura nesta quinta-feira (6/12) um painel sobre a tortura na ditadura militar, chamado A Verdade Ainda que Tardia, montado no corredor de acesso ao plenário da Câmara dos Deputados. A obra faz parte da exposição Parlamento Mutilado: Deputados Federais Cassados pela Ditadura de 1964 , que homenageia os 173 deputados que tiveram seus mandatos cassados no período.Antes da exposição, haverá uma cerimônia no plenário, que dará posse simbólica aos 28 deputados ainda vivos. A obra faz parte do resgate da história da ditadura militar. Com 5,5 metros de comprimento e 1,70 metro de altura, o painel levou três meses e meio para ser concluído. O artista, que trabalhou 15 horas por dia, considerou ;o tempo curto para uma obra tão grande;. Esse processo foi registrado em um documentário feito pelo próprio autor.
Após participar de encontros que investigaram a Operação Condor, uma aliança político-militar entre o Brasil, Paraguai, Uruguai, Chile, a Argentina e Bolívia, criada com o objetivo de coordenar a repressão a opositores das ditaduras militares desses países, Andreato recebeu a encomenda da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, que tem o objetivo de investigar violações de direitos humanos por agentes do Estado brasileiro entre os anos 1946 e 1988. O painel é uma doação para a comissão e ficará na Câmara após o encerramento da mostra, no dia 14 de dezembro.
Para pintar o painel, Andreato - que fez parte da geração que lutou contra o regime, foi preso e teve problemas ao fazer jornalismo e artes gráficas - passou a estudar as práticas de tortura. ;As revelações foram muito impressionantes para mim. Opondo-me ao regime, eu tinha quase certeza de que conhecia todos os métodos de tortura implantados pela Agência Central de Inteligência [CIA] americana e pelas polícias inglesa e israelense, mas, lendo e ouvindo relatos, descobri que desconhecia coisas aterradoras. Eram suplícios além daquilo que eu podia imaginar;, disse Andreato.
Para ilustrar a obra, o artista fez a coroa de Cristo, que perfurava o crânio das pessoas ao ser apertada com um parafuso, em um homem sentado na ;cadeira do dragão;, espécie de cadeira elétrica. Outro indivíduo encontra-se crucificado. ;Eu fiz questão de ter essa associação com o suplício de Cristo, porque eles tinham isso nesses processos;, disse o pintor. O painel ainda traz a inscrição do nome Dodora, codinome de Maria Auxiliadora Lara Barcelos e companheira de cela da presidenta Dilma Rousseff quando esta foi presa pela ditadura. Dodora suicidou-se na Alemanha, na década de 1970.
;Comoveu-me muito a história de Dodora porque ela foi barbaramente espancada e estuprada pelo capitão Guimarães [da Polícia do Exército, da Vila Militar do Rio de Janeiro];, disse Andreato, que, para retratar o ambiente sujo e ensanguentado, utilizou a cor ocre, uma variação do marrom. ;Fiz isso também para dar uma unidade ao painel, que foi pintado em três partes. Ele inteiro não cabe no meu estúdio. Se eu considerar que é um convite da pátria, é uma honra para mim poder retratar a crueldade e a barbárie praticadas por torturadores daquele período;.
Filho mais velho de uma família de baixa renda, Andreato imigrou do campo paranaense para a cidade de São Paulo. Aos 14 anos, foi chamado para decorar o salão de baile da fábrica onde aprendia o ofício de torneiro mecânico. Lá, ele transformou Aquarela do Brasil e outras composições de Ary Barroso em interpretações visuais.
No fim dos anos 1960, Andreato trabalhou na Editora Abril como diretor de arte. Fez a arte da Nova História da Música Popular Brasileira, uma coleção com 48 fascículos, acompanhados de um LP (disco de vinil) de 10 polegadas de compositores brasileiros. A publicação lhe rendeu convites para elaborar a arte de capas e a iluminação de palco para músicos como Paulinho da Viola e Martinho da Vila.
Em 1972, seu pensamento político materializou-se quando desenhou para o jornal Opinião, um semanário político do Rio de Janeiro de oposição ao regime. Em São Paulo, fez o jornal Movimento com a mesma ideia. ;Eu tive amigos que sumiram, que foram espancados e fiz o que tinha que fazer;, acrescentou.