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Comissão da Verdade pode ser transformada em projeto de pesquisa

Para o historiador Marcelo Zelic, vice-presidente do Movimento Tortura Nunca Mais de São Paulo, a proposta é importante para o aprofundamento de investigações

Estado de Minas
postado em 23/12/2013 16:49
Além de estender seu trabalho por seis meses, com apresentação do relatório final somente em novembro, integrantes da Comissão Nacional da Verdade (CNV) querem transformá-la em um projeto permanente de pesquisa e memória em razão do grande volume de material a ser analisado por pesquisadores. O documento deveria ser apresentado em maio, quando se completariam dois anos da criação da comissão, mas alguns percalços, como o reduzido número de funcionários para análise do volume de informações e até mesmo rachas internos, tornaram isso inviável.

Para o historiador Marcelo Zelic, vice-presidente do Movimento Tortura Nunca Mais de São Paulo, a proposta é importante para o aprofundamento de investigações, especialmente as relativas a violações dos direitos humanos de camponeses e indígenas, que estão sendo tratadas como temas de ;segunda categoria;.

ste ano, uma das principais ações da Comissão da Verdade foi a autorização para fazer a exumação do corpo do presidente João Goulart, que morreu no exílio na Argentina, em 1976, supostamente vítima de um ataque cardíaco. A exumação do corpo foi feita porque seus familiares acreditam que ele foi envenenado e não vítima de problemas cardíacos. Alem disso, mereceu destaque a exumação e esclarecimento das circunstâncias da morte do então integrante da Aliança Libertadora Nacional (ALN) Arnaldo Cardoso Rocha.

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A comissão concluiu que ele não foi morto em uma troca de tiros com a polícia em 1973, mas sim espancado até a morte. Em 2012, a comissão já tinha conseguido que fosse feita a retificação judicial da causa da morte do jornalista Wladimir Herzog, que em 1976 foi encontrado morto numa cela do DOI-Codi, em São Paulo. O novo documento atesta que a morte dele ;decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército ; SP (DOI-Codi);.

Amarildo

Crítico da atuação da Comissão da Verdade, o historiador Marcelo Zelic concorda que houve avanços no esclarecimento de alguns casos, mas lamenta que eles não tenham repercussão para a sociedade. ;A confirmação da tortura aos militantes de esquerda deveria se traduzir na abolição dessa prática pelo Estado. Esse aspecto, no entanto, não foi abordado. Prova disso é o caso Amarildo;, lamentou Zelic.

Amarildo Dias de Souza foi executado por policiais militares de uma unidade de polícia pacificadora (UPP), depois de ser torturado na Favela da Rocinha, no Rio. Para ele, a repetição da tortura por agente do Estado ;prova que não existe nunca mais no Brasil;. ;Não podemos apenas discursar. A tortura nunca mais é um processo que precisa ser construído, a partir da mudança de conduta do Estado brasileiro;, conclui o historiador.

Para ele, outra distorção nos trabalhos da comissão, composta por 13 grupos de trabalho, é dar maior relevância a certos temas em detrimento de outros, como vem acontecendo com o grupo que apurou a ;estrutura da repressão;, que já tem até mesmo relatório final. Zelic cita como exemplo a divulgação do Relatório Figueiredo ; documento de mais de 5 mil páginas, produzido entre os anos de 1967 e 1968, quando o então procurador Jader de Figueiredo Correia percorreu o país para apurar denúncias de crimes cometidos contra a população indígena ;, que apesar de ter sido feita há mais de seis meses, em nada resultou. ;Parece que nada existiu, porque não houve nenhum retorno para a sociedade sobre as medidas adotadas. A comissão precisa melhorar sua relação com a sociedade para envolvê-la e, de fato, ter efeito reparador;, conclui o historiador.

O volume de trabalho na Comissão da Verdade pode ser traduzido em números. Este ano, ela realizou aproximadamente 40 audiências públicas e tomadas de depoimentos de repressores, ex-militantes de esquerda e de militares em todo o Brasil. Foram ouvidas 405 pessoas até a segunda semana deste mês, merecendo destaque o do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do 2; Exército em São Paulo entre 1970 e 1974. Nos depoimentos, ele negou a execução de militantes de esquerda mas admitiu que a perseguição contra ativistas no regime militar era uma ;luta pela democracia;.

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