Como dica para leitura em meio à escalada de denúncias de corrupção envolvendo a maior empresa pública brasileira, um livro-reportagem revela o mundo dos negócios da forma mais crua. Tudo ou nada ; Eike Batista e a verdadeira história do grupo X, da jornalista Malu Gaspar, faz um retrato sem retoques de um homem idolatrado por arrivistas e políticos brasileiros por causa de uma suposta capacidade de convencer pessoas e fazer dinheiro.
O que Malu Gaspar mostra é que desde o início da vida empresarial Eike estava fadado ao fracasso, por mais que conseguisse se mostrar capaz de encantar plateias com números distante da realidade. Apenas quem não investigou a vida do empresário poderia ter buscado sociedade com o homem. Mas tudo foi deixado de lado. Ninguém parece ter dado muita importância ao passado de Eike, celebrado em capas de revistas especializadas e em congressos e eventos econômicos. Era o midas, o mais preparado, o mais rico do país, em 2010.
Eike era um camarada capaz de irromper em uma apresentação usando óculos cor-de-rosa para rebater críticas de que enxergava a partir de uma realidade própria. Falsa. ;Dizem que eu vejo tudo cor-de-rosa. Vejo mesmo. E sabem por quê? Porque vejo as coisas adiante. Eu leio o jornal de amanhã;, disse ele, para, logo em seguida, ser aplaudido por investidores, convencidos e encantados, segundo relata Malu Gaspar.
O empresário representava o nosso sonho de um país onde investidores pudessem ser reconhecidos no exterior. Não foi bem assim. Aliás, nada assim. Desde o início, como mostra Tudo ou nada (Editora Record, 546 págs, R$ 55). Sabemos de quase todas as fragilidades de Eike desde a primeira ação, quando comunicou ao pai, Eliezer, que largaria a faculdade de engenharia metalúrgica na Alemanha. Naquele momento ele já estava envolvido com venda de seguros, comércio de diamantes e até venda de fardas para o governo de Angola. Um sonho de bilhões.
Há um clichê para reforçar a qualidade de um livro. É só dizer que o leitor, ao começar o texto, apenas será capaz de largá-lo na última página. Outra imagem que também funciona é a de um thriller, capaz de prender a atenção com um ritmo próximo ao do cinema. Infelizmente, no caso do trabalho de Malu Gaspar, é preciso voltar a tais imagens. Há ritmo e personagens capazes de envolver até mesmo os mais céticos com livros-reportagens brasileiros. Malu Gaspar chega ao final vitoriosa. Eike, por sua vez, é impossível vislumbrar. O jogo ainda parece aberto.
Tudo ou nada começa com um trecho de uma música, Viva la vida, do grupo britânico Coldplay. Em tradução livre, a letra diz o seguinte: ;Eu detinha a chave / Depois, as paredes se fechavam para mim / E percebi que meu castelo estava erguido / Sobre pilares de sal e areia;. O que Malu Gaspar mostra é que sempre foi possível perceber a fragilidade do terreno onde Eike apoiou o império. Ele sabia dos pilares de areia e de sal. Sempre soube.
Thomaz Bastos
Até mesmo pelas contradições, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos é um dos mais relevantes personagens da história recente da política brasileira. Elegante, o advogado criminalista gostava de contar e ouvir boas histórias, mesmo as de infortúnio. Como o dia que levou um cliente envolvido em escândalos para se encontrar com um dos mais atuantes procurador da República, ainda durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
Segundo Bastos, ele teria alertado o cliente: ;Procurei me informar sobre esse procurador. É sedutor, tem uma boa conversa, tenha cuidado para não cair em armadilhas;, disse Bastos.
No final do encontro, o cliente virou para o advogado: ;Conversa boa, não foi?;
Thomaz Bastos, rindo, completou: ;Boa para quem, cara-pálida? Você contou tudo.;