Eduardo Militão
postado em 14/03/2015 08:48
Comparáveis no aspecto político pela importância dos personagens envolvidos, os esquemas do mensalão e da Operação Lava-Jato são diferentes em suas dimensões. Os desvios na Petrobras, ainda não totalmente calculados, são mais de dez vezes maiores do que o do valerioduto. Se durante o julgamento mensalão, o então presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto calculou as perdas em R$ 173 milhões, os valores iniciais do Ministério Público apontam prejuízos à petroleira de pelo menos R$ 2,1 bilhões. Juristas e investigadores ouvidos pelo Correio entendem que o primeiro caso trouxe lições ao segundo, na obtenção de provas e na tentativa de apressar o julgamento de casos complexos.
No mensalão, tudo começou com uma denúncia feita no Congresso em 2004 e 2005, que se transformou em duas CPIs e desaguou no Judiciário, que condenou 25 réus, mas só em 2012. Na Lava-Jato, o caminho é do Judiciário para a política, passando pela criação de duas CPIs e de inquéritos formais contra parlamentares somente um ano após a deflagração da operação da Polícia Federal.
Um dos investigadores diz que a força-tarefa de procuradores do Ministério Público se valeu da experiência com ;marcos; na investigação de crimes de colarinho branco. O mensalão foi um deles, assim como o caso Banestado, que apurou lavagem de dinheiro e evasão de divisas em 2004, e frustrações como as Operações Satiagraha e Castelo de Areia, que foram anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello entende da mesma forma. Lições foram aprendidas segundo ele. ;Sem dúvida: a semente fica plantada e ela frutifica;, disse. Para o ministro, o caso pode andar mais rápido que o mensalão na corte porque há vários inquéritos gravitando em torno de alguns políticos, ao contrário do valerioduto, que narrava várias condutas de 40 acusados. ;Talvez haja aí racionalização. O relator é o mesmo. Ele poderá transportar certos elementos dos autos de um inquérito para o outro.;
A Procuradoria Geral da República pediu abertura de 28 investigações contra 54 pessoas, a maioria políticos, no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça. Há ainda 24 ações criminais e de improbidade contra mais de 40 pessoas na primeira instância, entre executivos de empreiteiras, operadores e funcionários da Petrobras. Na Justiça Federal do Paraná, duas sentenças já condenaram doleiros acusados de crimes correlatos e a primeira acusação sobre fraudes contra a petroleira está em fase de sentença.
O contrário deve acontecer a com a Lava0-Jato. A maior parte das acusações será julgada pela 2; Turma, que só tem cinco ministros, e sem transmissão de TV, porque o STF mudou as regras internas de avaliação das acusações contra parlamentares. Só os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), terão casos julgados no plenário por comandarem as Casas Legislativas.
A divisão da Lava-Jato em vários processos é bem vista pelo ex-procurador geral da República Cláudio Fonteles. Ele diz que ;o gigantismo; das peças tem que ser evitado. ;Não pode ir abrindo muito fatos e muitos réus;, contou ao Correio. ;Isso tende a perpetuar isso aí. Fazer o fatiamento agiliza. A questão que tem se evitar é se não há conexão entre dois casos, se não vai acontecer absolvição em um e condenação em outro.;
Para Fonteles, o caráter político é a principal semelhança entre o mensalão e a Lava-Jato. É o que dá repercussão aos dois casos. Ele entende que o envolvimento de grandes empresas na Lava-Jato não a diferencia do mensalão nesse quesito. ;É o réu que chama a atenção. É o senador, o ministro de Estado... Há grandes empresas, mas acopladas com políticos;, avalia.
O professor de direito penal e ex-desembargador Edson Smaniotto entende que as semelhanças políticas dos dois casos escondem uma nuance. A seu ver, o mensalão era claramente um esquema de partidos, com o objetivo de financiar legendas. Mas ele acredita que isso não está comprovado completamente na Lava-Jato. ;O propósito do ;petrolão; era enriquecimento ilícito de agentes políticos, e não apoio político;, disse. O raciocínio se estende às empreiteiras. ;Elas não queriam apoio político, mas enriquecimento ilícito, uma parceria para isso.;
;País precisa ser passado a limpo;
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto disse ao Correio que o Brasil é ;um país que precisa ser passado a limpo;. Ele disse ver os desdobramentos da Lava-Jato com expectativa de boas mudanças nas práticas brasileiras.
;Um país que precisa ser passado a limpo tem que passar por essas turbulências, essas intercorrências;, disse. ;No fim, tudo fica plano e transparente.; O ex-ministro afirmou que ;todo povo que amadureceu; teve momentos na história semelhantes à Operação que colocou na cadeia executivos de grandes empreiteiras, doleiros, funcionários da Petrobras e revelou denúncias de pagamentos de propinas a políticos e partidos com dinheiro desviado da sexta maior petroleira do mundo.
;O Brasil tem que passar por isso. Nossas malfeitorias com o patrimônio público são coloniais;, afirmou Ayres Britto. ;No fim, vai dar tudo certo;, disse ele, na sexta-feira, horas antes da divulgação da lista de políticos investigados por suspeita de envolvimento com o caso.
Veja as diferenças entre o mensalão e a Lava-Jato:
Mensalão
Resumo: acusação segundo a qual o então ministro da Casa Civil José Dirceu montou esquema para comprar apoio político no Congresso ao repassar, ilegalmente, dinheiro para parlamentares, parte dele destinado a quitar dívidas e acertos da campanha eleitoral de 2002. O principal operador era o publicitário Marcos Valério. Foram 25 réus condenados pelo STF em 2012.
Período: pouco mais de dois anos (2003 a 2005)
Fonte dos recursos: Banco do Brasil e Câmara dos Deputados
Valores de contratos investigados: R$ 74,8 milhões
Corrupção identificada: R$ 173 milhões
Acusados: 40
Condenados: 25
Processos: uma ação penal e um inquérito no STF e cerca de dez processos nos estados.
Lava-Jato
Resumo: ampla investigação sobre lavagem de dinheiro que se deparou com esquema de corrupção na Petrobras. Um cartel de empreiteiras combinava licitações entre si, superfaturava os preços em 3% em média e repassava o adicional a políticos, funcionários da estatal e operadores. O principal operador era o doleiro Alberto Youssef. Quase 100 investigados ou denunciados à Justiça.
Período: dez anos (2004 a 2014)
Fonte dos recursos: Petrobras
Valores de contratos investigados: R$ 317,6 bilhões
Corrupção identificada: R$ 2,1 bilhões
Acusados: 54 políticos e pessoas relacionadas a eles.Mais de 40 executivos e pessoas ligadas a eles
Condenados: nenhum
Processos: 25 inquéritos no STF, 2 inquéritos no STJ, 24 ações criminais e de improbidade no Paraná.