postado em 14/04/2015 07:09
O plenário do Senado deve concluir nesta terça-feira (14/4) a votação do projeto do Marco Legal da Biodiversidade, que trata do acesso e do uso do patrimônio genético brasileiro. Alguns destaques ainda precisam ser analisados, mas o texto-base da matéria, que foi aprovado na semana passada, trouxe alguns avanços importantes, avaliam diferentes setores ligados ao assunto.Tanto entidades ligadas aos direitos das comunidades tradicionais ; índios, quilombolas, agricultores familiares, ribeirinhos ; quanto as ligadas à indústria concordam que a nova lei representa um marco na garantia de direitos e deveres, bem como no esclarecimento sobre os limites da pesquisa e do uso do material genético de plantas e animais.
;O texto-base do Senado representa um avanço gigantesco, tanto em relação ao texto da Câmara quanto em relação ao texto enviado ao Congresso pelo Executivo;, avalia André Galagnol, assessor jurídico da organização Terra de Direitos, que atuou nas negociações com o Congresso na defesa das comunidades que têm conhecimento histórico e cultural sobre o patrimônio genético.
Segundo ele, o primeiro avanço do projeto é o de tratar da repartição, com essas comunidades, do benefício do acesso ao patrimônio. Além disso, Galagnol comemora o fato de o texto definir os direitos das comunidades e os deveres das empresas, indústrias e de pesquisadores em relação a elas.
Um dos pontos pendentes de análise na votação de hoje diz respeito a esse tema. Um destaque pretende modificar a expressão ;populações indígenas; para ;povos indígenas;, no trecho que estabelece os que têm direito à repartição de benefícios. Para o assessor jurídico, a mudança no termo faz toda a diferença. ;Usar ;populações indígenas; não é adequado em diversos aspectos, principalmente porque ignora a luta histórica dos povos indígenas para serem reconhecidos como diversos em sua história, cultura, língua e identidade. O termo populações já foi superado porque faz parecer que os índios são todos a mesma coisa;, explica.
No texto-base, o relator, senador Jorge Viana (PT-AC), já acolheu mudança semelhante em relação aos agricultores. No texto aprovado pela Câmara, eles eram chamados de ;agricultores tradicionais;, o que foi modificado para ;agricultores familiares;. ;O termo agricultor tradicional não existe no nosso ordenamento jurídico. O que existe é agricultor familiar. Se fosse mantido do jeito anterior, seria mais difícil caracterizar esse sujeito de direito;, acrescenta Galagnol.
Ele também ressalta que o texto do Senado promoveu mudança relevante em relação às sementes crioulas - sementes que foram melhoradas geneticamente ao longo dos anos, da forma tradicional, pela seleção natural de quem as plantou. Segundo o assessor da Terra de Direitos, essas sementes são valiosas porque têm código genético muitas vezes diferente daquelas que são comercializadas, especialmente as transgênicas.
O texto enviado pela Câmara previa que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento deveria criar uma lista catalogando as sementes crioulas. No texto do Senado, essa atribuição deixa de ser obrigatória. ;Assim, não caberá aos agricultores comprovar que suas sementes são crioulas, mas a quem eventualmente quiser questionar isso;, explica Galagnol.
Para a especialista da Gerência Executiva de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Elisa Romano, o texto da Câmara já estava ;redondo;, mas as mudanças pleiteadas por outros grupos no Senado são legítimas e mantêm o atendimento às demandas do setor.
;É um texto razoável, bom, que atende às demandas. É um texto implementável, uma lei que, dentro do processo de negociação possível, atende ao máximo;, avalia.
Segundo ela, o acesso ao patrimônio genético atualmente é regulado por uma medida provisória lacônica e burocrática, que não deixa claro o que pode ser feito e não inibe os atos irregulares, como a biopirataria. ;O maior benefício da nova lei é trazer segurança jurídica. Todo mundo quer mais segurança para fazer pesquisa e investir;, explica.
De acordo com Elisa, as indústrias de fármacos e cosméticos são as mais afetadas pela nova lei, mas ela também interessa a outras indústrias, como a química e a agroindústria. Para a especialista da CNI, a mudança no marco regulatório não deve se refletir em um aumento imediato dos investimentos, mas deve trazer ganhos em pesquisa no futuro.
;Uma pesquisa feita pela CNI no ano passado com representantes de empresas, governantes e acadêmicos mostrou que aproximadamente 80% dos entrevistados dizem que a legislação atual produz insegurança e encarece a pesquisa. Então, o que se imagina, é que uma lei que desburocratiza o acesso e dá segurança jurídica vai facilitar os investimentos nessa área. A percepção é nesse sentido. Não é desburocratizar por desburocratizar, é trazer regras claras para que o Brasil possa desenvolver esse potencial na bioeconomia;, afirma.
Com as mudanças que já foram feitas no projeto, o texto precisará retornar para última análise dos deputados. Eles poderão rejeitar total ou parcialmente as alterações promovidos pelos senadores, mas o relator está confiante na manutenção do texto, mesmo com os destaques que ainda serão votados.
Segundo Jorge Viana, no sistema bicameral, é prerrogativa de uma Casa aperfeiçoar o texto que a outra começou e isso foi feito no Senado. ;Apesar do pouco tempo, nós conseguimos fazer no Senado, com as audiências públicas, um texto mais consensualizado. Essa lei é muito importante e se ficassem muitas divergências o assunto poderia ficar judicializado;, explica.
Para que os deputados não rejeitem as modificações dos senadores, no entanto, Viana espera contar com o apoio dos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
;Espero que o presidente Renan trate com o presidente Eduardo Cunha sobre isso, porque os senadores ligados ao agronegócio também nos ajudaram muito e eles têm uma inserção muito grande na Câmara. Nós também temos do nosso lado. Então, tendo um entendimento com os dois presidentes, é possível que o que foi alterado no Senado seja mantido;, avalia.