Eduardo Militão
postado em 21/05/2015 11:59
Consórcios formados por empresas suspeitas de pagar propina para obter contratos na Petrobras obtiveram de R$ 138 milhões a R$ 143 milhões em adiantamentos incomuns nas obras da Refinaria Getúlio Vargas (Repar), em Araucária, no Paraná. As cifras foram reveladas nesta quarta-feira (20/5) à 13; Vara Federal de Curitiba por membros da auditoria interna da estatal aberta em março para verificar problemas nos projetos da unidade de refino. A investigação está em fase final, e os peritos da estatal encontraram pelo menos quatro ;não conformidades; em um empreendimento que, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), teve sobrepreço de R$ 1,4 bilhão.Segundo o coordenador da Comissão Interna de Apuração (CIA) da Repar, o engenheiro mecânico Wilson Carvalho Macedo, o consórcio Conpar, formado por Odebrecht, OAS e UTC Engenharia, teve repasses antecipados de cerca de R$ 98 milhões na construção de unidade de refino de gasolina. Isso ocorreu ;logo no início, no primeiro ato após a assinatura do contrato;, segundo ele. ;Essa condição não era prevista no edital;, disse Carvalho.
O contador Leonardo Heitmann, que também é gerente de Conformidade da petroleira, afirmou que o consórcio Interpar, formado por Setal, Mendes Júnior e MPE Montagens, teve adiantamentos da ordem de R$ 40 milhões a R$ 45 milhões. O consórcio fazia tubulações para interligar as unidades de processamento a outros setores na refinaria. Heitmann disse ao juiz Sérgio Fernando Moro que a justificativa para o adiantamento era a simples ;assinatura do contrato;. ;Foge ao padrão;, avaliou o membro da comissão de auditoria. ;Parece que é uma prática internacional, mas não é uma prática dentro da empresa.;
A antecipação de valores no Conpar só foi possível graças a uma mudança no contrato original, que é considerada até agora a maior ;não conformidade; apurada pela auditoria. Segundo Carvalho, o consórcio foi contratado diretamente sem licitação após uma concorrência frustrada em que os preços apresentados estavam acima do limite permitido pela estatal. Entretanto, depois disso, houve alterações ;substanciais; no contrato original. Além das antecipações de valores, o engenheiro citou a remoção de riscos de chuvas, e estabelecimento de quantidades definidas. ;São condições que estão no contrato e que não estavam nas condições iniciais;, disse ele ao juiz Sérgio Moro.
Integridade
Para os auditores do TCU, o sobrepreço foi de R$ 223 milhões na modernização de unidades de coque e gasolina, feita pelo Conpar, obra concluídas em 2014. Segundo documentos apreendidos pela PF na Lava-Jato, a OAS repassou R$ 617 mil para a MO Consultoria, empresa controlada pelo doleiro Alberto Youssef e que era usada para lavar dinheiro de subornos. No mês passado, quando o Correio revelou a existência da auditoria interna da Petrobras, o consórcio afirmou ao jornal que prestou todas as informações ao tribunal. ;Em relação ao inquérito aberto pela Polícia Federal para averiguar o tema, o consórcio está e sempre esteve à disposição, desde que o procedimento foi aberto, em 2011, para prestar quaisquer esclarecimentos que venham a ser solicitados;. A OAS negou ;veementemente tais alegações;. ;A OAS exerce suas atividades com integridade, pautada pela conduta ética e pelo respeito à legislação em vigor;, afirmou a assessoria da empresa.
[SAIBAMAIS]No caso do Interpar, o TCU, viu sobrepreço de R$ 408 milhões só nas reformas de unidades de gasolina e hidrotratamento (HDT). O executivo da Setal, líder do consórcio, Augusto Mendonça, admitiu à PF que negociou R$ 20 milhões em propinas para o ex-diretor de Engenharia Renato Duque e outro suborno de mesmo valor a Paulo Roberto Costa, então diretor de Abastecimento. Ele fez acordo de delação premiada com o Ministério Público.
Regra descumprida
Sem citar nomes, Leonardo Heitmann disse que a auditoria ainda estuda a responsabilidade dos de Duque e Paulo Roberto, por tocarem projeto em valores acima do aprovado pela direção da Petrobras. Segundo ele, a Repar tinha uma estimativa de custo inicial de R$ 1 bilhão, mas, nas cotações com fornecedores, isso se elevou para o dobro. ;Não posso contratar uma obra de R$ 2 bilhões se só tenho R$ 1 bilhão aprovado;, explicou.
Para continuar o projeto, seria necessário uma reavaliação que deveria seguir uma série de regras, como pareceres ambientais, financeiros e de segurança. ;Os dois diretores ao encaminharem o processo de contratação não seguiram essa regra. Também tratamos como uma não-conformidade.;
Aditivos
Um terceiro problema também envolveu o consórcio Interpar. A auditoria identificou que o contrato foi fechado sem haver um projeto básico com informações mínimas para a obra. De acordo com Wilson César Brasil Júnior, outro membro da comissão de auditoria, foram feitos de 20 a 30 aditivos, o que ampliou os prazos e custos das obras. Um único aditivo custou R$ 340 milhões. César Brasil, que também é gerente geral de projetos de engenharia e infraestrutura na petroleira, disse que a estatal falhou ao buscar apressar. Seria preciso um ;tempo maior; e ;menos incertezas; para identificar exatamente o que se queria fazer.
O quarto problema relatado pelos auditores foi a inclusão de duas empresas para participarem de licitação após os convites já terem sido feitos pela Petrobras. ;Foram incluídas empresas que não atendiam ao critério de seleção;, disse Carvalho. Ele disse que as empresas eram a Alusa e a Construcap. A reportagem não localizou representantes das duas empresas.
A licitação, porém, foi vencida pelo consórcio CCPR, que uniu Camargo Corrêa e Promon. Nessas obras houve sobrepreço de R$ 633 milhões segundo o TCU e a Camargo subcontratou a fornecedora de tubos Sanko Sider, que fez repasses de R$ 3,2 milhões para empresas de Youssef, operador do esquema de desvios de dinheiro na Petrobras. A Sanko ; cujo dono já foi condenada em outro processo criminal semelhante ; destacou que não participa de irregularidades e que é empresa estabelecida há 18 anos no mercado. A Camargo não tem comentado o assunto, e seus executivos confessaram ter pago R$ 110 milhões em propinas no esquema.
Trinta depoimentos
Conforme revelou o Correio no mês passado, a Petrobras negava quaisquer irregularidades na Repar, mas recuou e abriu a auditoria interna quatro anos após a Polícia Federal iniciar um inquérito sobre o caso, em 2011. A investigação interna começou em março e deve ser concluída no início do mês que vem. Dos 100 contratos na obras de modernização da Repar, foram analisados 12 contratos responsáveis por 85% dos custos de construção. Também foram ouvidas cerca de 30 pessoas, as últimas no início desta semana. Nos próximos dias o texto final será redigido, junto com o aprofundamento das irregularidades observadas e a indicação dos responsáveis.
Não houve análise de superfaturamento e de avaliação de propinas. Segundo Heitmann, nenhum dos 30 funcionários e ex-funcionários ouvidos relatou ter conhecimento de casos de suborno nas obras.