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Entrevista: "O governo está numa encruzilhada", diz deputado Jean Wyllys

Durante conversa com o Correio, o parlamentar criticou os cortes orçamentários nas áreas de educação e saúde e disse que a luta por direitos das minorias não está entre as prioridades do governo

Leonardo Cavalcanti, Paulo de Tarso Lyra
postado em 17/08/2015 19:09

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Jean Wyllys parece cada vez mais confortável no Congresso. Um dos principais defensores das bandeiras sociais, especialmente ligadas à causa LGBT, o deputado eleito pelo Rio de Janeiro mostra-se seguro e certeiro a cada confronto, seja com parlamentares ligados a causas conservadoras, seja quando as críticas são direcionadas ao governo da presidente Dilma Rousseff.

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Durante entrevista de mais de uma hora, na tarde da última quinta-feira, numa sala da liderança do PSol na Câmara, Wyllys criticou os cortes orçamentários nas áreas de Educação e Saúde, atribuiu parte da insatisfação popular com Dilma às medidas do ajuste fiscal e disse que a luta por direitos das minorias não está entre as prioridades do governo. ;Não era o que eu esperava. Não foi o compromisso que ela e a equipe de campanha fizeram informalmente comigo quando eu decidi apoiá-la no segundo turno;, afirmou.

O deputado destacou ainda que a capacidade crítica de movimentos sociais em relação ao governo foi prejudicada à medida que os governos petistas, especialmente durante a gestão Lula, levaram representantes de entidades para dentro da administração pública.

Sobre o momento atual, Wyllys acredita que houve um recuo das críticas à gestão Dilma devido ao medo do mercado financeiro e dos grandes empresários de que se chegasse a um cenário irreversível de instabilidade política. Ele também avaliou a atual força do conservadorismo no Congresso, a atuação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e as manifestações marcadas para hoje.

Leia a entrevista na íntegra:


Em que o Congresso atual reflete a sociedade?
Acho que o Congresso atual reflete muito a sociedade. E reflete, sobretudo, um modelo eleitoral. Reflete como se dão as eleições no Brasil. Vence quem tem dinheiro.

O Congresso mais conservador significa que a sociedade está mais conservadora?
O Congresso mais conservador não quer dizer, necessariamente, que a sociedade esteja mais conservadora. A novidade deste Congresso é a ampliação de pessoas ligadas às igrejas neopentecostais, às forças de segurança e aos grandes negócios.

O papel do parlamentar deve atender às demandas do povo ou tomar atitudes adequadas ao país?
Você precisa de alguma popularidade para se eleger, mas, se quiser governar, tem que ser impopular. Para mim, política é isso: discernimento. Você nunca vai me ouvir dizendo aquilo que as maiorias querem ouvir, apenas para agradá-las ou para garantir meu próximo mandato. Estou deputado, não quero me perpetuar aqui.

A proximidade dos movimentos sociais com os governos do PT atrapalhou a atuação desses setores?
A relação dos movimentos sociais com o PT era esperada. O problema é quando o presidente Lula coopta as lideranças desses movimentos e os torna gestores públicos. Isso tira a capacidade crítica dos próprios movimentos em relação ao governo. Se continuassem independentes, a pressão sobre o governo poderia ser muito maior, e poderíamos ter tido mais avanços nessa área.

Houve estelionato eleitoral no tocante aos direitos sociais?
No caso de Dilma, especificamente, ela fez, no segundo turno (de 2014), um compromisso textual, com cinco pontos para que nós, da esquerda, nos engajássemos na campanha dela: casamento igualitário; lei de identidade de gênero; direitos sexuais das mulheres; dos povos indígenas; e revisão da política de drogas. Esses cinco pontos, até agora, não foram implantados.

Como as mídias sociais influenciam o debate público do país?

O impacto é profundo, mas nem todo mundo que está na internet tem as habilidades e as competências para distinguir entre notícia falsa, verdadeira ou difamação. Também tem poucas habilidades para lidar com a explosão de diversidades que esses meios expressam. O ódio, o xingamento e o diálogo de surdos são, em grande parte, frutos da falta de convivência com uma realidade com que, até então, essas pessoas não lidavam.

Por que houve uma exclusão das questões de gênero no Plano Nacional de Educação, inclusive nas propostas regionais? Houve falta de entendimento?
Existe falta de entendimento, mas existe muita má-fé. Tem pessoas instrumentalizadas ; que são aquelas que não têm entendimento ;, mas aquelas que instrumentalizam têm bastante entendimento.

Há, na Câmara, dificuldade para que parlamentares defendam determinadas causas sociais e direitos individuais?
A tradição política sempre estabeleceu o que é a grande política, aquilo que são os temas nobres da política. O que é prioridade? Os temas da economia, das relações internacionais e as próprias relações políticas, o processo eleitoral, os acordos. Mas, enquanto a ;inteligência; e esses meios de representação operam dessa maneira, há um movimento nessa sociedade que esteve deslocada da política. O que ocorre é que muitos deputados não entenderam isso. Quando você levanta esses temas, existe um custo muito grande.

Qual é a expectativa do senhor em relação às manifestações de domingo?
Acredito que há um segmento da população que não se conforma com o resultado das eleições. Foi um resultado apertado em que a presidente Dilma ganhou com uma margem de votos não muito grande. E isso estendeu o terceiro turno, que não acaba nunca. Acho que esses segmentos estarão nas ruas.

A presidente Dilma está desgastada, há uma insatisfação...
Ela apresentou um pacote de ajuste fiscal que afetou a vida das pessoas. E não há como a popularidade dela se manter sendo bombardeada diuturnamente por uma cobertura jornalística que tem a intenção de tirar a popularidade dela. Com isso, não estou defendendo o governo do PT ; ao qual tenho muitas críticas. Eu faço uma oposição a esse governo.

Mas houve falhas da presidente.
O governo da Dilma é do PT, porque ele é o capitão do navio. Mas há outros tantos partidos que agora estão abandonando o navio, claramente ante o risco de naufrágio. Aliás, esse é o comportamento dos ratos. Esse governo é um governo do PMDB, do PP, foi até ontem o governo do PDT, é o governo do PSD, é o governo do PTB.

O fato de a presidente não defender abertamente algumas pautas de direitos humanos faz com que ela perca apoio?

O governo está numa encruzilhada justamente por isso. Ele fez uma opção de agradar ao mercado, às forças que são antipetistas. E não fez nenhuma sinalização do lado de quem fez a diferença no segundo turno das eleições, que foram os movimentos sociais de esquerda e as figuras públicas de esquerda. Nós esperávamos um mínimo de aceno. E a presidente Dilma não fez. Agora, uma coisa é a gente criticar a Agenda Brasil, do (presidente do Senado) Renan Calheiros (PMDB-AL), acatada pela presidente Dilma, e o pacote de ajuste fiscal apresentado pelo (ministro da Fazenda) Joaquim Levy. Outra coisa é aderir ao golpismo.

O PSol teve, há pouco tempo, uma saia justa com um deputado eleito, o Cabo Daciolo (RJ), que se mostrou contrário às bandeiras do partido...

Sim, mas não sei se foi estelionato eleitoral, porque deconheço o que ele prometeu na campanha. Entretanto, no momento em que ele foi eleito e começou a contrariar o programa do partido nas suas colocações legislativas, automaticamente, a gente reagiu para evitar o estelionato eleitoral no Legislativo, e o expulsamos.

Qual o peso do programa Big Brother Brasil na sua eleição?
É óbvio que o Big Brother tem um significado enorme na minha vida, mas não para a minha eleição. Eu tive 13.300 votos na primeira eleição (em 2010). E tive 50 milhões de votos na final do Big Brother (em 2005). Quando me filiei ao partido, já estava, deliberadamente, afastado do circo midiático das celebridades. As pessoas souberam que eu era candidato quando eu estava eleito, e voltaram a associar uma coisa à outra.

Por que o senhor decidiu participar do programa?

Porque eu tinha curiosidade acadêmica. Fui para o programa porque era o meu objeto de estudo de doutorado. O Big Brother era o tema do doutorado que nunca consegui terminar. Ele está trancado por causa da legislatura.

Esse tema ainda lhe interessa?
A cultura de massas sempre me interessou. Eu fui criado nessa cultura, mas nunca me emburreci por causa disso. A televisão nunca me afastou da literatura, por exemplo. Quero mostrar que o consumo cultural dos pobres não leva, necessariamente, ao emburrecimento.

Como é a sua rotina em Brasília fora do Congresso?
Eu conheço pouco a cidade. Saio daqui (Câmara), vou para meu apartamento e tenho muita coisa para ler. Como eu escrevo e dou aulas, tenho que preparar essas coisas. Quando eu saio, vou ao cinema. Eu tenho bicicleta aqui. Quando posso, passeio na ciclovia. Mesmo no Rio de Janeiro, que é a minha cidade, eu saio mais para o teatro com amigos. Não nos transformamos ao ponto de um parlamentar assumidamente gay poder ser, tranquilamente, gay. Não posso me expor, porque qualquer coisa que sirva à minha difamação não vai apenas me difamar, vai difamar toda a comunidade a que eu pertenço.

Quanto a Câmara perde com Eduardo Cunha na presidência?
O Congresso perde na medida em que Eduardo Cunha é um cara com uma ficha corrida preocupante, que prejudica a relação da pessoa com a política. Como é que você, um cidadão, reage ao saber que o presidente da Câmara federal tem um histórico de acusações de escândalos de corrupção?

O senhor esperava que outros partidos, além do PSol, pedissem o afastamento dele?

Esperava. Para nós, foi uma surpresa, foi frustrante saber que só nós pedimos o afastamento. E o que ele tem colocado como agenda legislativa é um horror para a ampliação de direitos e da cidadania. Eduardo Cunha é um movimento contrário à Constituição de 1988.

Um episódio em que ficaram muito claros os ataques ao senhor foi aquele envolvendo o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Como se deu aquilo?

Muita gente me odeia. Ponto. E me odeia porque eu rasuro o lugar em que ela coloca os homossexuais no imaginário dela. No imaginário dela, ser homossexual é estar condenado a um destino imperfeito. Os homossexuais, no máximo, podem ser artistas ou esticar o cabelo das mulheres no fim de semana em salão de beleza. Para essas pessoas, homossexuais não podem ocupar cargos executivos. Não podem ser editores de grandes jornais. Não podem ser executivos de grandes bancos nem tampouco parlamentares. Se ele chegar a ser parlamentar, que fique no exotismo, como o (ex-deputado) Clodovil (PTC-SP) ficou, que sirva a esse estereótipo. Então, as pessoas viram no episódio do Bolsonaro a chance de extravasar esse ódio, com a justificativa de que fui intolerante. Esse canalha deu uma entrevista numa emissora de televisão dizendo que se mudaria da rua caso ele tivesse como vizinho um casal homossexual, disse que ser homossexual é falta de porrada, desrespeitou os familiares de presos políticos desaparecidos durante a ditadura militar. As pessoas não poderiam achar que eu ficaria do lado desse homem, que não é um amador, numa viagem em que ele aparece do nada, me filmando. Prontamente me retirei (da poltrona em uma aeronave comercial) e não disse uma palavra.

Teria outro parlamentar do qual o senhor não se sentaria ao lado?
Não.

Eduardo Cunha?
Sentaria. Não sairia do lado dele.

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