Politica

Impunidade de agentes públicos esvazia manifestações, diz ONG Artigo 19

Segundo advogada da organização, a intimidação realizada por policiais intimida e inibe protestantes

postado em 18/09/2015 07:40
A impunidade dos agentes públicos responsáveis por violações aos direitos humanos durante protestos no país prejudica e sufoca as manifestações, a avaliação é da organização não governamental (ONG) internacional de direitos humanos Artigo 19. A ONG participou na quinta-feira (17/9), na Matilha Cultural, em São Paulo, de um debate sobre a violação de direitos nas manifestações.

[SAIBAMAIS]Segundo a advogada da organização, Camila Marques, a falta de responsabilização nas violações cometidas por policiais provoca, em um primeiro momento, o esvaziamento das ruas. ;É um efeito intimidatório muito grande que essa sensação de impunidade - de que os policiais podem fazer tudo e de que nada vai acontecer com eles - gera;, disse.

Segundo a advogada, o único caso de responsabilização criminal em protestos ocorreu no Rio de Janeiro, com a condenação do major Fábio Pinto Gonçalves e do tenente Bruno César Andrade Ferreira por forjarem um flagrante de porte de morteiros contra um menor de idade. ;Tem inúmeros vídeos na internet que mostram ações policiais abusivas, policiais forjando flagrantes, policiais prendendo arbitrariamente e raríssimos casos de responsabilização;, afirmou.

Os agentes do Estado não são punidos, de acordo com Camila, porque é preciso, primeiramente, que os órgão de fiscalização denunciem esses casos à Justiça, o que ocorre em poucos situações. ;Também lidamos com um Poder Judiciário que muitas vezes atua no sentido de proteger o policial e criminalizar os manifestantes;, disse.

Para a defensora pública Daniela Skromov, a impunidade é resultado do próprio processo penal, que trata os casos de forma individual ou por conduta individual do agente público. ;O processo penal trata dos casos individuais sempre. Ele não trata da coisa sistêmica;, disse. Ela entende que a punição deveria abranger as instituições e o próprio Estado. ;Há uma baixa densidade democrática nas instituições e não só da polícia;, acrescentou.

Relatório

Na semana passada, a Artigo 19 divulgou um relatório em que diz que ao menos 849 pessoas foram detidas em 740 protestos ocorridos nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo entre janeiro de 2014 e junho de 2015. O documento destacou também uso de armamento letal na contenção de algumas manifestações. No período investigado, foram confirmados quatro atos em que houve o uso de munição letal pela polícia: um deles na capital paulista e três na capital fluminense.



O relatório diz ainda que protestos recentes provocaram a morte de sete pessoas. Entre elas, o cinegrafista Santiago Andrade, em fevereiro de 2014 no Rio de Janeiro, e a mais recentemente, em maio deste ano, em um protesto na Rodovia Transamazônica, que causou a morte dos trabalhadores rurais Leidilene Machado e Daniel Vila Nova, que foram atropelados após um carro furar o bloqueio feito pelos manifestantes.

Legislação

De acordo com a ONG, além da impunidade dos agentes, da criminalização dos manifestantes e dos movimentos sociais e do incremento do aparato policial com a compra de caminhões que disparam jatos d;água e carros blindados, por exemplo, as manifestações também foram censuradas ou debeladas mais recentemente no país com a utilização da legislação. Segundo a Artigo 19, é o caso, por exemplo, do que ocorreu na greve dos professores de São Paulo este ano, que durou mais de três meses.

A Justiça paulista proibiu que os professores se manifestassem nas rodovias de São Paulo e, além disso, acatou o corte de pontos dos salários dos professores conforme determinou o governo do estado. Decisão depois revertida no Supremo Tribunal Federal, que mandou ainda restituir o valor retido aos professores.

;O Estado, em todas as suas esferas, atuou para reprimir esse direito [de manifestação]. Não era mais só policiais nas ruas, mas o Judiciário e também o sistema de Justiça como um todo proferindo decisões sobre um viés ideológico, em vez de se pautar por princípios que guiam o Estado Democrático de direito;, disse Camila.

Segundo a advogada da Artigo 19, o Ministério Público em geral, por exemplo, na sua opinião, "abriu inquéritos policiais irregulares que não buscavam investigar um crime, mas mapear os movimentos sociais;, e que o Poder Legislativo propôs ;projetos de lei extremamente restritivos no sentido de criminalizar o uso de máscaras e aumentar penas;.

;O Estado utilizou da legislação para conter as manifestações;, afirmou Maria Izabel Azevedo Noronha, presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo(Apeoesp). Segundo ela, o ponto central dessa ação foi o corte dos salários dos professores grevistas. ;O corte do salário dos professores foi determinante [para o fim da greve];, disse.

A presidenta da Apeoesp lembrou que o Supremo Tribunal Federal está discutindo atualmente uma lei que permite o corte de ponto dos servidores públicos. Na avaliação da sindicalista, isso dificultaria o direito dos trabalhadores de fazer greve. Segundo Maria Izabel, os sindicatos também olham com preocupação para o projeto de Lei Antiterrorismo [Lei 2016/15], aprovado na Câmara e que está em tramitação no Senado. ;Teremos que ter uma agenda política, além da agenda judicial, de mais ocupação das ruas;, afirmou.

;A repressão não está só no Executivo, está no Judiciário e no Legislativo também. Há vários projetos de lei que tentam formas de restringir o direito à manifestação. Vemos com muita preocupação isso;, disse Raquel Brito, diretora do Sindicato dos Advogados de São Paulo.

;Devemos estar muito atentos a todas essas propostas legislativas. Foram [propostas] mais de 30 leis e sempre se pensando na criminalização dos direitos de manifestação;, acrescentou.

Segundo Raquel, muitas leis foram aprovadas, como a de se proibir o uso de máscaras nos protestos, ressaltando que houve propostas positivas como a que proibia o uso de balas de borracha em protestos em São Paulo, mas que foi vetada pelo governador paulista. ;Quase nenhuma proposta positiva está avançando;, disse.

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