No governo da primeira mulher a dirigir o país, a presidente Dilma Rousseff, as delegadas da Polícia Federal perderam 34% das chefias nos últimos anos dentro da corporação que é um dos orgulhos do Poder Executivo.
Os dados fazem parte de pesquisa inédita a ser apresentada nesta quinta-feira (24/9) pela Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), no 4; Encontro das Delegadas da PF, que acontece em Brasília até amanhã. O estudo da professora Maria Teresa Sadek, da Universidade de São Paulo, e de Tatiane da Costa Almeida ouviu 114 das 269 mulheres delegadas do Brasil. Elas são minoria na corporação, representando cerca de 10% do quadro total de delegados, de aproximadamente 2500 profissionais.
Dentre as que responderam à pesquisa, 48 delegadas afirmaram possuir algum cargo de direção em 2015. Mas dos últimos anos até 2014, elas acumularam 73 postos de comando.
Segundo o estudo, 81% delas consideram "importantíssimo" ou ;importante; a adoção de ;critérios objetivos para ocupação de cargos de chefia; como uma das propostas para melhorar o funcionamento da corporação.
Para a delegada Tatiane, a falta de critério é só um só dos motivos das perdas dos melhores cargos. Ela entende que é preciso haver escolhas menos subjetivas. ;Isso é uma das formas de nos proteger;, disse ela em entrevista ao Correio. ;Se os critérios forem objetivos, temos certeza que podemos concorrer em pé de igualdade com os homens.;
Para Tatiane, os dados mostram falta de inclusão feminina no serviço público. ;Veja que é um país em que a presidente é mulher. Às vezes as pessoas pensam que essa inclusão feminina está em todo o governo e ás vezes não está.;
Hoje, não há nenhuma superintendente regional, cargo máximo da PF em um estado (veja tabela abaixo).
De acordo com a pesquisa, 45% das delegadas já foram humilhadas pelo superior hierárquico. Da mesma forma, 45% já passaram por situação vexatória perante um colega de posto semelhante. ;Acreditamos que existe um componente de estar no órgão que é muito machista, porque tem muito mais homens que mulher;, disse Tatiane. ;O fato de a gente ser mulher realmente contribui para algum tratamento discriminatório.;
Estereótipo da força
A pesquisa será complementada com um estudo sobre os homens. Em 2001, a co-autora do estudo, Maria Tereza Sadek, fez análise com delegados da polícia Civil de dez estados do Brasil. Segundo Tatiane, esses levantamentos podem quebrar certos estereótipos sobre os policiais.
;Da mesma forma que existe um esterótipo de gênero, de que polícia está ligada à força, também existe uma demanda da sociedade por uma polícia mais ligada aos direitos humanos e à polícia assistencialista, prestadora de serviços. Nós pensamos que analisar as opiniões das delegadas vai contribuir com noção de o caminho para modernizar a polícia seja abrir as instituições para o ingresso de mais mulheres.;
A delegada afirma que a discriminação não se restringe à polícia, mas também a outras profissões consideradas masculinas, como os engenheiros, os motoristas de caminhão e táxi, os médicos cirurgiões e todos que lidam com as ciências exatas. ;São as instituições ;generificadas;, em que a masculinidade é construída;, avaliou Tatiane. ;Quando as mulheres entram numa instituição assim, o que resta a elas é imitar o masculino. Mas quando a gente imita o masculino, a gente nunca vai poder ser perfeita, porque as características femininas não são valorizadas.;
Segundo Tatiane, a solução é utilizar as qualidades das mulheres em seu favor. ;Uma forma de combater é mostrar que existem características que são femininas que podem ser aproveitadas. Na polícia, há essa maior capacidade de respeito aos direitos humanos e de aproximação com a comunidade.;
Negras
A pesquisa de Maria Tereza e Tatiane mostra que a quantidade de delegadas negras é menor do que a apurada pela pesquisa de 2001, que envolvia homens e mulheres na polícia civil. ;As mulheres negras estão perdendo o espaço. Hoje, na PF, ainda somos muito poucas. É a reprodução da realidade fora da polícia. É preciso políticas afirmativas para mudar esse quadro.;
O levantamento da ADPF mostra que,dentre as profissionais ouvidas, 49% ingressaram na corporação até 2003, no início do governo Lula. A outra metade, de 2004 para cá.
O Correio procurou a assessoria de imprensa da Polícia Federal para comentar o estudo, mas não obteve esclarecimentos até a noite de quarta-feira (23/9).