Jornal Correio Braziliense

Politica

'Foi tenso, mas histórico', diz relator, após rejeição das contas de Dilma

Ministro do TCU diz que o tribunal cumpriu apenas a obrigação

Um dia depois de recomendar ao Congresso Nacional que rejeite as contas da presidente Dilma, o relator do processo no Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, passou a tarde ministrando palestra sobre governança e dando autógrafos em Belo Horizonte. A tensão dos dias anteriores à sessão foi substituída por uma sensação de alívio e de dever cumprido. ;Fizemos nossa parte;, disse ele ao Correio, para, em seguida, completar: ;Foi tenso demais, mas foi histórico;. Ex-deputado, o gaúcho que presidiu o TCU entre 2013 e 2014 afasta qualquer possibilidade de voltar ao cenário político em 2018, como asseguram alguns integrantes do governo para justificar a rejeição das contas do governo em 2014. ;Acham que fiz política. Eu cumpri apenas a minha obrigação.; Nesta entrevista em audioconferência, Nardes disse que sofreu ameaças e apontou quem pode estar por trás dos telefonemas anônimos e mensagens que recebeu: ;Militantes partidários;. Ele acusa o governo de usar a estrutura do Estado para tentar impedir o tribunal de mostrar ao país ;a desgovernança fiscal provocada pelas pedaladas;. Na entrevista, Nardes comenta ainda sobre a ;dramática; situação financeira dos estados. Em parceria com o governador Rodrigo Rollemberg, acompanha de perto a crise do Distrito Federal que, segundo ele, deveria ser exemplo e hoje envergonha o país. Ele adianta que o TCU está empenhado em uma grande auditoria nas terras do DF para responsabilizar quem promove invasões em áreas da União. E lamenta o descaso do poder público: ;O Entorno de Brasília se tornou uma grande favela;.



O que provocou a falta de boa governança em 2014?
O fato de ser um ano eleitoral torna a situação mais grave. A legislação é clara definindo o que pode e não pode no período eleitoral. Os R$ 28,5 bilhões tinham que ser contingenciados no inicio do ano. Em todos os anos anteriores foi feito o contingenciamento. Em 2014, não. Mandou-se o projeto para o Congresso Nacional depois que as finanças estavam deterioradas, em novembro. Faltou uma assessoria adequada para a presidente. Se ela tinha conhecimento ou não, quem responde é ela, porque cabe a ela assinar o decreto do contingenciamento e, infelizmente, ela não fez. Foi uma soma de irregularidades e não faltaram alertas, mas as medidas corretas não foram tomadas.

O governo diz que o senhor tomou essa decisão porque tem planos eleitorais para 2018. Pretende voltar para política?
Não tenho pretensão de voltar à política. Já fui parlamentar. Os críticos não entendem que o Tribunal de Contas passou por uma evolução. Na presidência do TCU, nós demos sequência ao belo trabalho de presidentes anteriores e seguimos um exercício de diálogo e aproximação com todos os estados. Montamos uma especialização no Tribunal. O TCU está preparado para mostrar todos os gargalos da nação. Fizemos em 2013 e 2014 um diálogo público com todos os estados e chamamos todos os governadores para um pacto pela governança. Isto faz parte de uma estratégia de mudança de comportamento do tribunal de trabalhar preventivamente para auxiliar a administração pública. Estou hoje em Belo Horizonte com representantes dos tribunais de contas de todo o país para mostrar e dar sequência e este
trabalho. Essas palestras que tenho feito são parte dessa proposta de fazer com que o TCU assuma o papel de ajudar neste projeto de melhorar a governança no Brasil. É um momento diferenciado que todos os tribunais estão fazendo.

O senhor acompanha de perto a situação de Brasília, não?
Sim. Inclusive sobrevoei duas horas essa área toda de Brasília com o governador Rollemberg e o presidente da Terracap para conhecer mais detalhadamente o grave problema das invasões de terra no Distrito Federal. Estamos fazendo uma grande auditoria para mergulhar na questão das invasões do DF.

Ficou preocupado com o que viu? As invasões cresceram muito? A grilagem está irrefreável?
Os indicadores de Brasília são preocupantes. Fiz uma palestra na Câmara Legislativa na semana passada. Os indicadores de criminalidade em algumas cidades do Entorno de Brasília são os maiores do Brasil e estão entre os maiores do planeta. O Entorno tem uma degradação grande. Eu alertei o governador e estamos fazendo uma grande auditoria também com ajuda do Tribunal de Contas de Goiás. Temos uma série de indicações e vamos responsabilizar os dirigentes da União que não protegem as áreas federais. O Entorno de Brasília se tornou uma grande favela semelhante a outras enormes do país. É inaceitável que o Estado não possa promover loteamentos, fazer casas com projetos como o Minha Casa Minha Vida. Nós faremos uma grande auditoria de terras nestas áreas, a maior já vista aqui. O papel do TCU é também preventivo. O que fazemos hoje em relação à terra é um grande alerta para coibir e para responsabilizar quem não está tratando essa questão com a devida correção. Essa é uma das minhas prioridades.

A situação financeira é dramática em Brasília?
A situação é dramática, mas não só em Brasília. Neste em outros casos precisamos ficar atentos para que os governantes não fiquem quatro anos, como aconteceu na última administração do DF do Agnelo Queiroz, gastando todo o dinheiro, inviabilizando as contas do estado totalmente e nada acontece. Em Brasília, há risco de não pagar os salários dos servidores. Isso é inadmissível. Se o controle não tiver coragem de mostrar isso para a sociedade, vamos caminhar para uma situação lastimável. Nós temos cargo vitalício pra quê? Para dizer amém? Para passar a mão na cabeça de todo mundo e dizer: ;Olha, está tudo certo;? Não, não estamos aqui só pra dizer amém. Brasília, que deveria ser um exemplo, até por ter receber um fundo da União, infelizmente está inviabilizada em curto espaço de tempo. O governo pode não pagar a folha do mês. O fato de eu ter coragem de mostrar isso é o que me faz receber todo tipo de pressão. O que quero mostrar é que a estrutura que temos no Estado, do Ministério Público, da Polícia Federal não tenha quebra de continuidade. O que está acontecendo no DF vai acontecer em todo lugar. O governante não tem controle, o Brasil passará em curto espaço de tempo a não conseguir pagar o salário dos aposentados e muito menos a folha dos servidores. Temos os rumos, somos os responsáveis. Isso é fazer política ou cumprir com o meu dever? Ao tentar me cercear, eles querem calar quem não tem medo de mostrar a verdade.

O presidente da Câmara disse que apreciação das contas presidenciais só acontecerá em 2016. Isso não inviabiliza tudo?
A sociedade está muito atenta e acompanha tudo de perto. A sociedade brasileira quer transparência já. Foi o que o fizemos e cumprimos nosso papel. Demos todas as chances ao governo, respeitamos os trâmites. Não cabe a mim julgar a questão do impeachment. Cabe a mim julgar as contas. Esperamos que a Câmara tome uma decisão o mais rapidamente possível, mas respeito a decisão do Congresso Nacional. A nossa parte nós fizemos.