Autor de denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por corrupção e lavagem de dinheiro, o procurador geral da República, Rodrigo Janot, deixou de cumprimentar o deputado ao iniciar discurso nesta segunda-feira (1;/2). Os dois participavam da sessão de abertura do ano do Judiciário, no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao final do evento, Janot entrou no banco do carro e justificou o fato de ignorar o parlamentar que ele quer ver afastado do cargo conforme petição entregue à corte. ;Só mencionei os presidentes de poder;, disse. No discurso, Janot disse que os ;holofotes; dos investigadores não serão desligados. Cunha não quis dar entrevistas.
O procurador cumprimentou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), investigado na Operação Lava Jato assim como Cunha, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que representava a presidente Dilma Rousseff, os advogados, ministros, membros do Ministério Público, servidores e ;demais autoridades;.
No entanto, o clima de constragimento foi explícito. O procurador e Cunha estava ao lado um do outro e evitavam se olhar. Pouco antes, em um setor do tribunal, a dupla acabou ficando a sós por alguns instantes, quando tiveram apenas um cumprimento formal. Depois, chegam na sala o ministro da Justiça, a quem o deputado acusa de ser ;seletivo; em suas críticas à Lava-Jato, o relator do caso no Supremo, Teori Zavascki, que vai julgar a denúncia contra o deputado. De acordo com Cardozo, a conversa entre os quatro se deu sobre ;amenidades;.
Holofotes
Em seu discurso, Janot disse que o fato de o Supremo garantir à Procuradoria, e não só à polícia, a condução de investigações criminais ajudou na ;solidificação do combate à corrupção; para fortalecer a democracia. Ele fez balanço da Operação Lava-Jato, reproduzindo números publicados no site da investigação conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. E disse que o país está em uma ;nova fase;, em que os ;holofotes; não serão ;desligados;.
;Os poderes político, econômico e os setores da sociedade civil hão de entender que o país entrou em nova fase na qual os holofotes não serão desligados e estarão constantemente direcionados à observância estrita do ordenamento jurídico;, afirmou Janot. ;O que é público é de todos; não é e não pode ser de alguém.;
O procurador disse que a instituição age de maneira técnica, impessoal e apartidária. Cunha afirma que Janot atua em favor de Dilma e do PT. ;Não compactuamos com o ilícito, o autoritarismo ou o interesse velado. Buscamos de forma, simples e só, de forma clara e objetiva, a verdade dos fatos, e não de factóides, e o seu enquadramento jurídico, sem evasivas e cortinas de fumaça.;
Janot afirmou que a instituição é parceira para que 2016 tenha resultados que ;alimentem a esperança dos que têm sede e fome de justiça e de paz;.
Emblemática
Dois magistrados presentes não esconderam o constrangimento da situação ao conversarem com o Correio. Um deles achou ;interessante; a situação, mas destacou que Cunha certamente não gostou: ;Não pode ser bom para todo mundo;. Outro magistrado afirmou que Eduardo Cunha sequer deveria ter aparecido na sessão. Para ele, a situação do deputado é mais ;emblemática; do que a de Renan.
Eduardo Cunha é alvo de dois inquéritos no STF. Num deles, foi denunciado por Janot por embolsar pelo menos US$ 5 milhões em propina para cobrar comissões ilícitas da venda de um navio do estaleiro Samsung para a Petrobras. No outro inquérito, é investigado por suspeita de ganhar 1,3 milhão de francos suíços para viabilizar uma compra de um poço de petróleo na África em que a Petrobras investiu US$ 66 bilhões e não encontrou nada.
Em 17 de dezembro, Janot pediu ao STF que afastasse Cunha do cargo de deputado porque ele, na visão do Ministério Público, atrapalha as investigações no Judiciário e no Legislativo ; onde ele responde a um processo no Conselho de Ética por mentir que não tivesse contas não declaradas no exterior. O deputado tem negado todas as acusações e acusa Janot de agir em conluio com Cardozo, o PT e o Palácio do Planalto.
Cunha determinou a abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. É considerado um inimigo da bancada da Câmara e tem sido o maior pesadelo dos petistas desde que assumiu a presidência da Câmara, há um ano.
Impeachment
O ministro da Justiça evitou comentar o discurso de Janot e a falta de cumprimentos dele para Cunha. ;Todos nós estávamos representando os respectivos poderes;, desconversou.
O ministro da Justiça disse que o rito do impeachment da presidente Dilma terá que seguir decisão do Supremo, que determinou a formação de uma nova comissão na Câmara. Cunha prometeu entrar com um recurso questionando a decisão, que ainda não foi publicada pelo STF. ;Eu pessoalmente acho curioso que um recurso que discuta omissão e contradição seja posto antes da publicação do acórdão. Acho bastante curioso;, ironizou Cardozo.
Cortes
Em seu discurso, Ricardo Lewandowski mencionou os cortes no orçamento, que atingiram vários órgãos públicos, inclusive os do Judiciário. Segundo ele, a ;implacável tesoura fiscal brandida em conjunto pelo Executivo e pelo Legislativo; não impediu os juízes de serem atuantes.