Agência Estado
postado em 18/04/2016 13:03
O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso preferiu um tom de cautela nesta segunda-feira, em evento em São Paulo, ao comentar os desdobramentos da votação na Câmara que aprovou o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. O tucano disse que é necessário esperar o que acontecerá na avaliação do Senado Federal. "Vamos ver com calma, passo a passo. Ainda não há presidente interino, a presidente é a Dilma", afirmou.Para ele, o que mais o impressionou neste domingo, durante a votação na Câmara, foi a participação popular pacífica. "Estamos passando por um momento difícil e não houve conflito, e isso é muito importante. O sentimento democrático está se realizando no povo", ressaltou. Cardoso defendeu que nesse momento é preciso evitar o ;isolacionismo;. "Mas, pelas circunstâncias, sou obrigado a reconhecer que o governo não tem mais condições de governar, além de ter arranhado a Constituição", afirmou.
Sobre a possibilidade de haver novas eleições gerais, FHC enfatizou que a medida não está prevista na Constituição. "Nós temos que seguir a Constituição, agir fora dela é perigoso. Já é ruim passar pelo processo de impeachment, as circunstâncias levaram a isso, não é um desejo. Imagina criar mais uma regra que não está na Constituição?", falou. Ele lembrou que, se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidir que a chapa Dilma-Temer é nula ainda neste ano, há eleição geral. Se a decisão acontecer no ano que vem, o Congresso elegerá outro governante. "Nenhuma dessas soluções é maravilhosa. Nós vamos ter que juntar nossas forças para manter a liberdade, a democracia e o respeito e não insistir numa coisa que não é verdadeira".
Questionado sobre uma eventual perda de protagonismo do PSDB para o PMDB na coordenação do impeachment de Dilma, FHC rebateu que o processo não foi definido pelo PMDB, mas pelo povo. "O PSDB tem uma força relativa no Congresso: não é majoritário, porém tem que entender seu papel que é ajudar a construir o Brasil. Os partidos não têm mais o protagonismo solitário do passado. São importantes, levam as reivindicações para serem institucionalizadas, mas uma andorinha só não faz verão", ressaltou. Discurso parecido foi usado quando respondeu se o PMDB tem condições de fazer as mudanças necessárias ao País. "Nenhum partido sozinho pode fazer o que quiser. O PMDB tem cerca de 12% do Congresso. Se não houver uma opinião nacional ninguém faz nada. O País não quer parar, quer avançar", disse, defendendo que as instituições são fortes, que há necessidade de se manter a ideia de que há um Estado democrático de Direito e da continuidade das investigações de corrupção, como a Lava Jato
Programas sociais
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também defendeu que o Estado brasileiro se preocupe não apenas com a elaboração e o cumprimento de programas sociais, mas também com a análise de seus resultados. Ao citar pontualmente o ProUni e a reforma agrária, FHC afirmou que há um tabu no Brasil em relação a comparações e análises de resultados.
"Ninguém desapropriou mais terra do que eu. Agora, nunca se avaliou a reforma agrária. O custo da reforma agrária é elevado, e qual foi o resultado? Alguns devem ter sido bons, outros não. Mas não se avalia, há um tabu", afirmou o ex-presidente. Segundo ele, não se averigua o que foi feito com a terra concedida, se o beneficiário a tornou produtiva ou se a vendeu. "Entrou no orçamento, torna-se perene. Na Educação é um pouco isso também", disse.
Ao comentar o ProUni, um programa da gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, FHC continuou com as críticas. "O ProUni criou universidades privadas. Muitas vezes, depois a pessoa não paga. Ele tem que ser repensado", disse FHC, após fazer uma espécie de mea culpa. "Não fazemos análise de programas. Não estou dizendo que eu tenha feito, não. Temos horror a comparação e não gostamos de avaliar".
O ex-presidente participou da conferência "Desafios ao Estado de Direito na América Latina - Independência Judicial e Corrupção", promovida pela FGV Direito SP, pelo Bingham Centre for the Rule of Law (Londres) e pelo escritório global de advocacia Jones Day, em São Paulo.