Naira Trindade, Jacqueline Saraiva
postado em 22/04/2016 10:29
Sétima a discursar na cerimônia de assinatura do Acordo de Paris sobre mudanças no clima, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, a presidente Dilma Rousseff adotou uma linha cautelosa ao mencionar ;o momento; vivido no país. A petista ressaltou a crise vivida na ética e na política brasileira apenas no final de sua fala. ;Não posso terminar minhas palavras sem mencionar o grave momento em que vive o Brasil;, afirmou, sem citar os termos ;impeachment; ou ;golpe;.Após um discurso mais voltado ao acordo climático, a presidente afirmou não ter dúvida que os brasileiros vão saber impedir ;qualquer retrocesso;. ;Nosso povo é um povo trabalhador e com apreço à liberdade. Saberá, não tenho dúvida, impedir qualquer retrocesso. Sou grata a todos os líderes que expressaram a mim solidariedade;, concluiu Dilma.
Ao fim do evento, na entrevista ao estilo ;quebra-queixo com jornalistas;, a expectativa é de que a presidente aproveite para explicar à imprensa brasileira e internacional o drama que vive no país com o que define como ;golpe; a da ;traição; do vice-presidente, Michel Temer.
Acordo climático
Dilma assinou acordo fechado em 12 de dezembro do ano passado com representantes de pelo menos 160 países. Assinaram também o acordo chefes de estados como francês François Hollande, o vice-primeiro ministro chinês, Zhang Gaoli, o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, e o secretário de Estado norte-americano, John Kerry.
A intenção é que parte do acordo entre em vigor em 2020. Porém, só será concretizado quando for ratificado por 55 estados responsáveis por, pelo menos, 55% das emissões de gases de efeito de estufa. Após esta etapa de assinaturas, nesta sexta-feira, nos Estados Unidos, ainda será necessária a assinatura do acordo, até fim de abril de 2017, e a ratificação nacional, conforme as regras de cada país, podendo ser por meio de votação no Parlamento.
;Impeachment; e ;golpe;
Na quinta-feira (21/4), cientistas políticos ouvidos pelo Correio alertaram para os riscos de a presidente Dilma aproveitar o espaço para se defender do impeachment. ;Ao ir para o exterior, Dilma já indica que entrega os pontos;, explicou o professor da Universidade Federal de Pernambuco, André Régis de Carvalho. ;A decisão de falar é uma tentativa de construir uma saída honrosa ao cargo, diferentemente do que fez o ex-presidente Fernando Collor, que saiu como criminoso. É a oportunidade de construir a narrativa de que não sairá nos mesmos moldes.;
[SAIBAMAIS];Neste momento, o discurso (dela) não tem efeito diante da decisão do Senado;, pontua o doutor em ciência política e professor da UFPE Adriano Oliveira. ;Entretanto, se o futuro presidente Michel Temer não fizer nada num período de seis meses, os setores produtivo e financeiro reagirão. Dentro de meses, se não surtir efeitos, ocorrerá uma ausência no eleitor, que ficará desesperançado e poderá sim, questionar, se, de fato, não deram um golpe na presidente e o país não melhorou.;
É consenso entre os especialistas de que citar ;golpe; no discurso da ONU pouco pode afetar a votação pela admissibilidade do impeachment prevista para maio no Senado. ;Uma menção sutil provavelmente não deve afetar a votação;, analisa o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília Paulo Calmon. ;Mas a pergunta é se ela quer realmente fazer isso. Se ela quer afetar a posição dos senadores? Ou se ela quer, de certa maneira, apresentar o que ela interpreta como que esteja acontecendo no país neste momento. Então, isso vai variar muito do tom das palavras dela. É muito difícil, nessa altura do campeonato, colocar palavras na boca dela. Não tem nenhuma relevância porque a gente não sabe o que ela vai dizer.;
Segundo ele, o Brasil quer ser uma potência emergente e tem a preocupação geopolítica de se reafirmar no cenário internacional. ;Mas, para que isso aconteça, é importante que o país passe para o exterior uma imagem de ser um país que segue o estado de direito e que tem governabilidade democrática, que obedece as leis, as normas e a Constituição.; Para Calmon, o que está em jogo é a governabilidade democrática. ;Isso independe da culpa ou inocência da presidente. O que passa a estar em jogo agora é a credibilidade do estado de direito no Brasil e do nosso compromisso com o sistema de governabilidade democrática. É isso que tem de ser enfatizado e é essa a preocupação lá fora.;
Metas desafiadoras
No discurso de hoje, na ONU, a presidente destacou a imensa honra de ir à Nova York para assinar o acordo climático. Considerou que a conclusão do documento, em dezembro de 2015, foi marco histórico para o cumprimento das metas estabelecidas na chamada Agenda 20-30. Elogiou a atuação do governo francês no enfrentamento às mudanças climáticas e, principalmente, da agenda climática que vem sendo cumprida no Brasil. ;Tenho orgulho do trabalho realizado no meu país;. Ela agradeceu o ;esforço e o trabalho incansáveis; da equipe chefiada pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. ;Demos respostas firmes e decisivas aos desafios apresentados;.
O caminho a ser percorrido para o alcance das metas estabelecidas ;será ainda mais desafiador;, de acordo com Dilma. ;Realizar os compromissos que assumimos exigirá a ajuda de todos os países;, destacou. Ela reiterou o compromisso do Brasil quanto ao papel que deve exercer na luta contra as emissões de gases do efeito estufa, a partir do acordo firmado com nações em todo o mundo. ;Estamos cientes de que firmá-lo (o acordo) é apenas o começo, a parte mais fácil;. Ela reforçou que o país mantém o compromisso de redução em até 37% das emissões até 2025 e de 40% até 2030, tendo 2005 como o ano-base.
Outras medidas, como o desmatamento zero na Amazônia, a restauração e o reflorestamento de 12 mil hectares de florestas, a integração de 5 mil hectares de áreas restauradas para a relação lavoura-pecuária-floresta, a recuperação da matriz energética brasileira, entre outros, são metas para o governo brasileiro nos próximos anos. ;Meu governo traçou metas ambiciosas;, avaliou.