Agência France-Presse
postado em 13/05/2016 14:43
Washington, Estados Unidos - O continente americano observou com preocupação a queda de Dilma Rousseff. Mas um apego estrito dos governos à soberania dos países e sua atenção voltada aos problemas domésticos conspiraram contra uma presidente que também foi traída pela falta de carisma.
À medida que crescia o cerco a Dilma, os governos esquerdistas de Uruguai, Venezuela, Equador e Bolívia expressaram seu apoio explícito à presidente, que na quinta-feira foi afastada do cargo pelo Senado, que iniciou um julgamento de impeachment contra ela, sendo substituída então pelo vice-presidente Michel Temer.
O venezuelano Nicolás Maduro e o boliviano Evo Morales fizeram eco das palavras de Dilma e denunciaram um "golpe de Estado".
Mas quatro anos depois da revolta latino-americana pela destituição do presidente paraguaio Fernando Lugo, a crise brasileira não conseguiu construir o consenso mínimo para ativar respostas do Mercosul ou da Unasul.
A Argentina, o principal parceiro do Brasil na região, efetivamente não se aproximou: o governo de centro-direita do presidente Mauricio Macri limitou-se a pedir respeito às instituições do país vizinho.
"Há uma tradição diplomática de não interferir nos assuntos domésticos de outros países", disse à AFP João Augusto de Castro Neves, diretor da América Latina da consultora Eurasia Group.
Cautela
"Em geral prevalece um certo enfoque de cautela em não buscar brigas", acrescentou o analista.
Embora o impeachment de Dilma tenha apoio popular - 61% dos brasileiros são favoráveis a ele -, o processo é muito questionado porque uma maioria dos deputados e senadores do Congresso foram condenados ou são acusados de terem cometido crimes em algum momento.
Segundo Michael Shifter, presidente do centro de análises Diálogo Interamericano, muitos países estão incomodados com o processo e observam que "foi muito politizado".
A Organização dos Estados Americanos (OEA) anunciou que consultará sobre a legalidade do pedido de impeachment junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, em San José, Costa Rica.
Seu secretário-geral, Luis Almagro, deu sinais claros de apoio a Dilma, visitando-a duas vezes no último mês, mas o assunto não foi discutido pelos 34 países-membros da OEA no Conselho Permanente, o órgão político da entidade continental.
No entanto, ao denunciar um "golpe", Dilma, uma ex-guerrilheira que foi presa e torturada durante a ditadura militar (1964-1985), "tem em sua mente o governo militar e acredito que (isso) está muito longe dessa situação", declarou Shifter à AFP.
"Não acredito que muitos governos compartilhem desta comparação", acrescentou.
A presidente também não fez esforços para levar esta denúncia para fora de suas fronteiras. Ao se dirigir há três semanas à ONU não fez nenhuma menção a um golpe de Estado.
Não enfrentar Temer
Também há questões mais práticas. Quando a neblina política se dissipar, o Brasil continuará sendo a maior economia latino-americana, apesar de seu desolador panorama de retração econômica e de um escândalo de corrupção que manchou boa parte da elite do poder em Brasília.
"O Brasil não é qualquer país. Por seu tamanho e importância, os outros países" não podem se dar "ao luxo de apoiar Dilma às custas de não trabalhar com o governo de Temer", disse Shifter.
O retorno de Dilma ao poder é altamente improvável: para destitui-la definitivamente, o Senado precisa de um voto a menos do que os que teve na quinta-feira.
Os países vizinhos "não querem antagonizar Temer porque ele pode ficar até 2018", afirmou Shifter.
Dilma não é Lula
Poucos imaginavam este cenário há uma década, na era dourada da esquerda latino-americana: impulsionada pelo apoio popular as suas políticas sociais e pela alta das matérias primas necessárias para financiá-las.
Figura emblemática da esquerda latino-americana, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - pai político e principal aliado de Dilma agora - colocou o país na mesa de negociações mundial, com o apoio de seus aliados em Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador.
Mas com as condições econômicas menos favoráveis e a queda da popularidade de muitos governantes, não há muito apetite por cruzadas regionais. "Os problemas domésticos estão demandando mais atenção dos líderes", disse de Castro Neves.
Segundo Shifter, "há dez anos, Dilma teria tido um apoio muito maior".
Outros apontam para o óbvio: Dilma, a tecnocrata firme e severa, não é Lula, o carismático ex-metalúrgico que levou o Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder pela primeira vez na história e oito anos depois a designou como sucessora.
"Não tem o carisma nem o passado no movimento trabalhista", disse sobre a presidente afastada Cynthia Arnson, diretora do programa de América Latina do Woodrow Wilson International Center.
Talentoso negociador, poucos duvidam que Lula teria sido mais veloz em prevenir ou impedir sua queda e teria conseguido se fazer ouvir ao longo do continente.
Mas também não descartam que o escândalo de corrupção que mancha todo o PT atingisse qualquer um.
"Todos são relutantes em apoiar qualquer um deles neste momento", disse Castro Neves.