postado em 04/06/2016 15:28
Especialistas em corrupção avaliam que o Brasil tem um longo caminho a percorrer a fim de encontrar uma saída para o desvio de recursos públicos, classificado por representantes de órgãos de controle nacionais como um problema sistêmico e presente em toda a sociedade. Apesar desse quadro sistêmico, na opinião deles, os brasileiros estão mais atentos a irregularidades, o que abre uma oportunidade ; e um desafio ; para que a desonestidade seja extinguida da vida pública e privada nacionais.O tema da corrupção foi debatido no Recife, em um evento nacional que reuniu, na quinta-feira (2) e na sexta (3) desta semana, representantes de organizações públicas e civis para discutir como podem trabalhar juntos e que mecanismos são necessários para isso. A Agência Brasil conversou com alguns desses especialistas. E a primeira conclusão unânime é: a percepção de que um ou outro partido ou político rouba mais é ilusão. O que existe é um problema sistêmico de mau uso dos recursos públicos ; e também do mau exemplo da população em atos cotidianos.
O conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e procurador regional da República, Fábio George Cruz da Nóbrega, é taxativo: ;Corrupção no país não tem cor partidária. Eu estou há 20 anos nessa atuação. Em todos os governos houve casos emblemáticos de malversação de recursos públicos. Não é partido A, B ou C;. Nóbrega foi um dos criadores do primeiro Fórum de Combate à Corrupção (Focco) do Brasil, na Paraíba, e articulou outros Brasil afora.
Assim como não é exclusividade de determinado governo, a corrupção também não se limita ao poder público, segundo o presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Valdecir Pascoal. ;Ela atinge todos, e um fato novo muito importante que a Lava-Jato trouxe foi mostrar que o setor privado tem corrupção. Porque antes era só a imagem do agente público, e agora não, está comprovado. O setor privado se organizava em cartéis;.
Tanto o conselheiro Fábio George como Valdecir apontam o financiamento privado de campanhas eleitorais como uma fonte dessa relação que culmina em atos de corrupção. ;É um problema grave o financiamento de campanhas eleitorais feito por grandes empresas, que depois querem o troco, ou seja, querendo conquistar de maneira ilícita contratos e serviços públicos;, disse.
O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou no ano passado a inconstitucionalidade da doação de pessoas jurídicas a campanhas, mas ainda é possível contribuir como pessoa física. ;Na eleição de prefeito agora vai ser uma grande experiência, para ver se essa norma que o Supremo delimitou se vai ser útil;, analisa o presidente da Atricon.
Educação e integração contra ilegalidades
A relação existe também entre os pequenos atos irregulares julgados como sem importância por quem o comete e os grandes desvios de dinheiro público. ;O mau exemplo daqueles que deveria, na administração pública, zelar pela coisa pública, faz com que a população deixe de adotar práticas éticas no dia a dia. Pesquisa do Ibope detectou que 75% do povo brasileiro condenam a corrupção na vida pública, mas faria o mesmo se lá estivesse. São atos como furar fila, pagar propina para não receber multa, que acabam se espalhando. Uma coisa reforça a outra;, disse Fábio George. ;E aqueles que estão na vida pública e observam que a população não cumpre isso no dia a dia acabam tendo a percepção que existe uma tolerância em relação a essas práticas;.
Outro efeito é o descrédito das instituições que compõe o Estado e da própria democracia. Para os especialistas, a Operação Lava Jato deu uma oportunidade para que os órgãos de controle ganhem a confiança da população, mas para conseguir resultados efetivos, Valdecir Pascoal defende a integração dos trabalhos. ;Esse tempo de lançar anzóis individuais tem que acabar, é preciso ter a ideia de rede. Tem que ter a integração cada vez mais, complementaridade, ser solidário com o outro órgão de controle. Porque a corrupção é organizada, então a gente tem que ser cada vez mais integrado para dar mais efetividade no combate à corrupção;.
Os participantes do encontro também defendem que a população se organize para fiscalizar o poder público. ;A população tem papel fundamental. Num país de proporções continentais como o nosso, é impossível para os órgãos de controle saber o que está sendo feito com dinheiro público em todos esses locais;, afirmou o conselheiro Fábio George.
Uma das experiências levadas ao evento foi a do Observatório Social do Brasil. Criado no interior do Paraná, está presente hoje em 107 cidades e 19 estados. Em outros 98 municípios o projeto está em fase de implementação, que entre outros aspectos acompanha o uso de recursos públicos pelas prefeituras. De acordo com o presidente nacional da organização, Ney Ribas, em três anos o grupo já conseguiu a economia de mais de R$ 1,5 bilhão de recursos públicos. ;A operação Lava Jato, com toda a estrutura que tem, conseguiu R$ 3 bilhões. Então é significativo;, disse.
O trabalho consiste em acompanhar as ações da gestão municipal, da publicação de um determinado edital até a entrega do produto ou serviço, para atuar de forma preventiva. ;Quando encontramos algo errado, a primeira pessoa a ser notificada é o gestor. Se ele não resolver, vamos a outras autoridades, como o Ministério Público;, afirmou Ribas. Para isso, um princípio deve ser respeitado: não é permitido receber recursos públicos do ente monitorado para financiar as atividades da organização.
A educação para a cidadania é outro objetivo do Observatório. Primeiro, para entender a estrutura do Estado brasileiro. É comum ouvir e ler comentários que confundem o papel de cada um dos três poderes ; Executivo, Legislativo e Judiciário ; e também dos níveis federal, estadual e municipal. Se o posto de saúde vai mal, a culpa é de quem?
Dados da Controladoria-Geral da União (CGU) levantados com um terço dos municípios brasileiros e apresentados pelo conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) indicam que quatro em cada cinco (80%) prefeituras fiscalizadas apresentam irregularidades graves e médias, o que significa a ocorrência de desvios de recursos públicos federais. ;É na nossa cidade que o dinheiro público é gasto. Ou ele some no meio do caminho ou some na nossa cidade;, diz, sugerindo que o controle social das prefeituras é uma arma de combate à corrupção.
Para isso, o presidente da organização defende que os conselhos municipais sejam ocupados de fato pela comunidade, e que seus integrantes sejam capacitados. ;Para que tomem consciência da responsabilidade que eles têm, e não apenas assinem. E a participação tem que ser efetiva, o representante do nosso bairro tem que participar das reuniões do conselho da merenda escolar, da saúde, de todos. Temos que participar inclusive da vida das câmaras municipais;, defende.
Justiça e Congresso demoram
Fábio George entende que a rapidez no julgamento de contas públicas e de processos de corrupção na Justiça também deve entrar no pacote de instrumentos contra esse tipo de ilegalidade. ;É uma Justiça que ainda é morosa. Não se pode admitir que alguém cometa um crime tão grave e precise de 10, 15 anos para receber uma sanção. Isso estimula práticas criminosas;, afirmou o conselheiro do CNMP.
Em paralelo, o presidente da Atricon, Valdecir Pascoal, fala da demora dos tribunais de contas ; e do Congresso Nacional ; em cumprir a atribuição de decidir sobre as contas do Poder Executivo. O TCU elabora um parecer técnico sobre a prestação de contas da Presidência da República, que é remetido ao Poder Legislativo. No caso federal, o Congresso Nacional tem a competência de julgar, anualmente, essas informações prestadas. O mesmo ocorre nos estados, com seus órgãos correspondentes.
Ganhou repercussão nacional a decisão, proferida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), de recusa das contas do exercício de 2014 da presidenta afastada Dilma Rousseff. O órgão anunciou na última quarta-feira (1;) que vai julgar as do ano de 2015 a partir do dia 15 de junho. Essa velocidade, segundo Pascoal, não é a regra pelo país. ;É um grande desafio. Sem prescindir da qualidade, é fundamental que se julgue as contas até o fim do exercício seguinte. Fora isso, acompanhar a gestão concomitantemente. Se você analisar preventivamente, assim que concluir o exercício financeiro você vai estar com análise já, então é muito mais rápido oferecer julgamento;, defende.
Mas, para Valdecir Pascoal, no Poder Legislativo é que reside o caso mais grave. O Congresso Nacional, por exemplo, não aprecia esses pareceres há 12 anos, ou seja: não faz os julgamentos finais cuja competência é exclusivamente sua. ;É desde a época do Collor. O tribunal está fazendo sua parte, mas é fundamental que o Congresso Nacional se sensibilize para essa sua função primordial que é o poder fiscalizador do Poder Legislativo;, diz o presidente da Atricon.
Discussão de instituições fortes passa pela CGU
É no contexto de crise de confiança e tentativa de integração das instituições que os servidores da CGU fizeram uma série de manifestações contra a extinção do órgão e a nomeação de Fabiano Silveira como ministro da Transparência, Fiscalização e Controle (nova pasta que absorve a CGU), depois que foi divulgado o áudio da sua conversa com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), na qual ele critica a condução da Operação Lava Jato. Eles conseguiram que Silveira deixasse o cargo, mas continuam se mobilizando para que a antiga estrutura seja mantida.
O chefe da Controladoria Regional da União no Estado de Pernambuco, Victor de Souza Leão, disse que defende o quadro de funcionários do órgão: ;A prioridade é voltar o status que a CGU tinha antes. Voltar para a [estrutura da] Presidência da República, porque como ministério perdemos poder com relação às demais pastas que a gente fiscaliza;.
De acordo com Leão, não existe clareza na motivação da mudança. ;Por que mexer no que estava funcionando? Qual foi o ganho que a CGU teve em passar para o nível dos demais ministérios?;, indaga. A manutenção do nome da controladoria também é considerada importante para o movimento. ;A marca CGU já fazia parte do vocabulário do nosso povo. Perder isso é perder força e identidade do nosso trabalho;, afirma o chefe regional.
Segundo ele, A mudança feita pelo governo convive com outra luta mais antiga dos servidores do órgão. Os funcionários da controladoria que participaram do encontro no Recife usaram uma camisa pedindo ;CGU na Constituição Já;, uma demanda que tem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n; 45/2009 como alvo. A PEC, se aprovada, torna permanente os órgãos de controle interno. A proposta está em tramitação no Senado Federal.