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Brasil é um dos países que tem mais foro privilegiado, diz procurador

Comissão Geral da Câmara debate as 10 Medidas contra a corrupção na quarta-feira no Congresso. Foro especial %u201Cé sinônimo de impunidade%u201D, diz Diogo Castor de Mattos

O procurador da Operação Lava-Jato em Curitiba Diogo Castor de Mattos afirma que o Brasil é um dos países com o maior número de autoridades com direito ao chamado ;foro privilegiado; - benefício que impede que sejam julgados por juízes comuns, mas apenas por cortes superiores. ;O Brasil é um dos países que mais tem pessoas com prerrogativa de foro, só se compara a Venezuela e a Espanha, mas lá o foro é apenas para os crimes funcionais;, disse ele, em entrevista ao Correio Braziliense. Além dos mais de 5 mil prefeitos, todos os 16 mil magistrados, parlamentares, ministros, presidente da República e, às vezes, até vereadores e delegados têm direito ao privilégio que, para o procurador, é causa de injustiça. ;O número de condenações nos tribunais é ínfimo, é quase inexistente, é sinônimo de impunidade.;

Na manhã de quarta-feira (22/6), o plenário da Câmara faz uma comissão geral para debater o projeto de lei das chamdas ;10 Medidas; contra a corrupção, um pacote de 20 propostas agrupados em dez temas, criado inicialmente pela força-tarefa da Lava-Jato mas com o aval de mais de 2 milhões de assinaturas da sociedade. A comissão especial que analisará a proposta foi criada depois de mais de dois meses de espera. Ao mesmo tempo, voltou a andar na Câmara, a PEC que acaba com o foro privilegiado, que estava parada há um ano.

Para Castor de Mattos, as duas notícias são muito importantes. ;São passos necessários para dar o mínimo de efetividade para o Poder Judiciário, que é moroso e ineficaz;, avaliou o procurador. ;São medidas que tentam melhorar o nosso sistema.;

Veja os principais trechos da conversa com o Correio.

Como os senhores veem a notícia da criação da Comissão das 10 Mediadas?


É um passo importante e necessário para se conseguir obter a aprovação do nosso projeto. Contudo, há um longo caminho pela frente. Devemos ficar mais atentos às medidas pró-corrupção, que tramitam paralelo ao pacote anticorrupção por alguns parlamentares que visam dificultar, especialmente pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ). São projetos que visam dificultar a punição de crimes do colarinho branco, a colaboração premiada, dentre outras coisas.

Na última semana foi desengavetado a PEC 470/2005, que extingue o foro privilegiado para parlamentares, que já estava no Congresso há 12 anos. Como o senhor vê esse caso?


Há várias PECs que visam acabar com essa prerrogativa de foro. É uma necessidade e uma evolução. Eu já até fiz uma pesquisa e o Brasil é um dos países que mais tem pessoas com prerrogativa de foro, só se compara a Venezuela e a Espanha, mas lá o foro é apenas para os crimes funcionais. Aqui o foro é tanto para crimes funcionais quanto para crimes comuns. Associado a isso, nós temos tribunais que acumulam dezenas, até centenas, de competências e que inviabilizam completamente a análise desses processos de pessoas com prerrogativa de foro de função. Então o sentimento nosso é de que é uma evolução necessária para ser ter uma maior democratização da Justiça e uma maior isonomia. Pessoas com prerrogativas de função devem responder em instância ordinária e não incluo só os parlamentares, os próprios membros do Ministério Público têm foro com prerrogativa de função. Ao meu ver, isso não tem cabimento nenhum. Nos Estados Unidos, por exemplo, nem o presidente da República tem foro por prerrogativa de função. Em outros países europeus, somente o presidente da República e os presidentes das casas legislativas, em alguns casos aos ministros de Estado e, mesmo nesses países, não temos 39 ministérios. Agora, temos essas teses de redução dos ministérios, mas que são transformadas em Secretarias Especiais, que acabam sendo a mesma coisa.

Secretarias Especiais têm foro privilegiado?


Têm. Até um tempo atrás elas garantiam o foro privilegiado. Me lembro que, há pouco tempo, tivemos um caso aqui em Brasília em que a sogra de uma autoridade tinha um funcionário fantasma que foi nomeado secretário especial e entenderam que essa função lhe garantia foro prerrogativo de função. Então, há uma banalização desse foro prerrogativa de função. Nós temos milhares de municípios no Brasil e todos os prefeitos têm foro. Algumas constituições estaduais garantem o foro até aos vereadores. Isso é um desvirtuamento do foro por prerrogativa de função. Creio que, se aprovado, será uma medida de avanço no combate à corrupção.

O senhor chegou a levantar o número? Quantas autoridades tinham foro?

Não me lembro do número exato, mas pode pegar todos os prefeitos, todos os membros do Ministério Público e magistrados do Brasil, juizes de primeira instância. Alguns estados dão foro para o procurador do estado, para defensores públicos, alguns chegam a dar foro até para delegados de polícia. É uma festa. E analisando estatisticamente, o número de condenações nos tribunais é ínfimo, é quase inexistente, é sinônimo de impunidade.

É sinônimo de impunidade porque eles não têm músculos para julgar ou porque os juizes são suspeitos?


Eu creio que, seja por questão de estrutura; Havia um levantamento em 2007 que mostrava que, de 1988 a 2007, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) havia condenado cinco pessoas. Até o caso do Natan Donadon (ex-deputado do PMDB condenado a 13 anos de cadeia por desvio de dinheiro em Rondônia), o STF não tinha condenado nenhum (parlamentar) e, mesmo nos tribunais, há excesso de recursos. A pessoa pode entrar com embargos e ir postergando, é uma batalha inglória. As medidas tentam racionalizar isso, tentam atingir o patrimônio ilícito, que hoje seguem a sorte do processo criminal principal. Se o processo se anula ou se prescreve, o bem ou o dinheiro roubado é liberado. Hoje nós temos medidas que tentar extinguir o domínio, que é para atingir só o bem, independentemente do processo. Temos também a de confisco alargado, que visa a garantir um confisco de todo patrimônio ilícito do réu condenado e não só o referente àquele crime. Tem uma série de coisas;

; a questão das nulidades também;


A questão das nulidades é mais complexa porque há uma cultura de banalização das nulidades. O nosso país passa por uma tentativa de amadurecimento das instituições, principalmente do Poder Judiciário. Nós tivemos, em 2004, a emenda 45/2004, que visou dar uma racionalizada no sistema Judiciário e, passados 12 anos, nós não vemos efeito nenhum disso. Precisamos deste amadurecimento das instituições democráticas e tenho a convicção que, tanto a aprovação dessas medidas quanto a própria aprovação da PEC do foro de prerrogativa de função seriam importantes. Tínhamos aquela PEC do Peluso (permite a prisão em segunda instância), que eu acho que seria sensacional para o país, mas sepultaram ela nos primeiros meses de análise. Penso que, no futuro seria uma medida que iria ajudar muito o nosso sistema. Nada mais razoável do que antecipar o trânsito em julgado para os tribunais inferiores. Nós temos quatro instâncias de reanálise consecutivas. Infelizmente essa proposta foi sepultada há algum tempo, era uma iniciativa extremamente importante.

O raciocínio do senhor é que, tanto as 10 medidas, quanto a PEC do fim do foro e a PEC do Peluso, são medidas extremamente importantes?

São passos necessários para dar o mínimo de efetividade para o Poder Judiciário, que é moroso e ineficaz. São medidas que tentam melhorar o nosso sistema.


Por que o foro privilegiado não entrou nas 10 medidas?

Essas medidas foram fruto de uma negociação interna. Na época foi levantado, mas já haviam projetos de andamento para esse tema em específico. Inclusive seriam PECs em vez de projetos de lei. Nós entendemos que, sem uma emenda à Constituição, não teria como corrigir esse problema. E não existe um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) de uma iniciativa popular, o que existe é um projeto de lei. É importante fazer essa diferenciação. Então, seria impossível uma lei que contrariasse uma uma previsão constitucional, porque a prerrogativa de foro está na Constituição. Então demandaria uma PEC e já tem diversas.