Politica

Empresário denuncia assédio de Cunha durante negociação de delação premiada

Ex-executivo alega ter sido procurado pela secretária do então presidente da Câmara dos Deputados, que gostaria de falar com ele "com urgência"

Eduardo Militão
postado em 09/07/2016 16:50

O lobista Lúcio Funaro também teria procurado o colaborador, para cobrar pagamento de propina, quando as negociações em torno da delação já estavam em andamento

O ex-diretor de Relações Institucionais da Hypermarcas Nelson José de Mello afirmou ao Ministério Público que, em meio à negociação de sua delação premiada, foi procurado pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), alvo da acusação de ter recebido R$ 3 milhões do ex-executivo. O economista de 57 anos contou que outro executivo da empresa recebeu uma ligação em 8 de março de uma secretária da Câmara informando que o parlamentar queria falar com Mello ;com urgência;. Como não podia manter contato com investigados, o colaborador notificou o MPF de que era procurado também pelos lobistas Milton Lyra e Lúcio Funaro, que lhe cobravam pagamentos de propinas. O telefone e o nome da secretária indicados por Mello no documento enviado ao MPF coincidem com o que consta do guia telefônico interno da Câmara, documento obtido pelo Correio. Funaro foi preso na Operação Sépsis, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).


Informação prestada por Nelson Mello coincide com a de catálogo telefônico interno da Câmara dos Deputados

Em sua delação, Mello disse que pagou R$ 3 milhões a Cunha por meio de Funaro devido a uma emenda na Medida Provisória 627, que modificava a tributação de lucros no exterior. Como mostrou o Correio, o grupo siderúrgico Gerdau pediu mudanças nessa mesma MP ao senador e ex-ministro Romero Jucá (PMDB-RR), suspeito de ter vendido emendas por R$ 45 milhões na Operação Zelotes.

Nelson Mello protocolou um documento no MPF em 8 de março. Nele, relata o recado que recebera. ;Na data de hoje, 8 de março, executivo da empresa recebeu em seu celular uma ligação de Carolina, que se apresentou como secretária de Eduardo Cunha, pedindo que o mesmo transmitisse um recado ao peticionário: o deputado precisa falar com o peticionário com urgência;, narra o delator. O ex-executivo da Hypermarcas diz que o telefone de origem era o 61 3215-8017.

No guia telefônico da Casa, o ramal é justamente de uma ex-secretária de Cunha na Presidência da Câmara conhecida como ;Carol Campos;. Procurada ontem pelo jornal, servidores informaram que ela foi trabalhar na Presidência da República, após Michel Temer, aliado de Cunha, assumir provisoriamente o comando do país com o afastamento de Dilma Rousseff. O Correio não conseguiu localizar a ex-secretária.

Garantia
De acordo com o depoimento de Mello em sua delação, a Hypermarcas acompanhava a MP 627, que trata de tributação de lucros no exterior, e uma emenda sobre arrolamento de bens usados em garantia para pagar impostos. A Emenda 338, do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), chamou a atenção do executivo. ;Isso despertou interesse porque a Hypermarcas vinha sofrendo autuações;, narrou o ex-diretor da empresa. Mello queria a aprovação da emenda. Ele visitou Funaro e perguntou sobre chance de a MP ;andar;. Em resposta, o lobista teria questionado se o ex-diretor aceitaria dar ;apoio político; de R$ 3 milhões. Apesar de o dinheiro não ter sido abertamente relacionado a Cunha, Mello disse que ele e Funaro ;apenas tratavam a respeito; do deputado Cunha. Mas a lei saiu diferente do desejado pela Hypermarcas, razão pela qual inicialmente o valor não foi pago, mas ele acabou quitando o compromisso com dois contratos fictícios porque Cunha estava prestes a tornar-se presidente da Câmara.

Segundo Mello, o lobista Milton Lyra, que lhe apresentava senadores em recepções, lhe pedia recursos para ;amigos; com despesas de ;campanhas políticas;. Depois que iniciou as negociações para a delação, tanto ele quanto Cunha e Funaro passaram a lhe procurar com ;insistentes telefonemas e recados;, afirma.

Em 3 de março, Funaro, que já havia deixado até bilhetes em seu condomínio, ligou para Mello. Nos dias 5 e 8, foi a vez de Lyra, que só foi atendido na segunda ocasião. O lobista disse que precisa conversar para ;atualizações;. No mesmo dia, a secretária de Cunha passa um recado para o executivo da Hypermarcas, por meio de um colega dele.

Sem irregularidades
O advogado de Cunha, Ticiano Figueiredo, disse que só poderia comentar o caso quando obtivesse cópias do processo. ;O deputado nega qualquer ato ilícito ou irregularidade envolvendo seu nome;, afirmou.

O advogado de Funaro, Daniel Gerber, disse que o lobista nega ter cobrado propinas. ;O senhor Nelson Mello está faltando com a verdade por algum motivo ainda não explicado;, ironizou. Em sua delação, o ex-executivo isentou a Hypermarcas de participação nos pagamentos de propina feitos por ele. A empresa confirma essa alegação. Em nota ao Correio no dia da Operação Sépsis, a Hypermarcas disse que uma auditoria interna mostrou que Mello fez pagamentos por iniciativa própria e ;sem as devidas comprovações das prestações dos serviços;. O ex-executivo fez acordo com a empresa para devolver os gastos feitos por ele. A firma afirmou que não é investigada na Operação Lava-Jato, que não se beneficiou das propinas pagas por Mello e que ;reprova veementemente; atos em desacordo com seu código de ética.

O advogado de Milton Lyra, Eduardo Toledo, não retornou os contatos do jornal.

Impressões milionárias
Reportagem da revista IstoÉ diz que perícia do TSE concluiu que a campanha eleitoral de Dilma Rousseff em 2014 lavou dinheiro de desvios do Petrolão. Segundo a revista, em 20 de abril, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, corregedora-geral da Justiça Eleitoral, autorizou a apuração das suspeitas de que a campanha à reeleição de Dilma havia utilizado gráficas para lavar dinheiro. A perícia deverá ser oficialmente divulgada no próximo mês, segundo a publicação. A revista publica que as empresas VTPB, Focal e Red Seg não conseguiram comprovar que prestaram os serviços declarados durante as últimas eleições, o que reforçaria os indícios de que eram mesmo de fachada e serviram de ponte para o pagamento de propinas. Juntas, elas receberam da campanha de Dilma R$ 52 milhões, segundo a IstoÉ.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação