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Cobrança de 'caixinha' transforma vice-governador em réu

Por unanimidade, a 2ª Seção do TRF abriu ação penal contra Zequinha Marinho (PSC-PA), acusado pelo MPF de exigir pagamento de 5% dos salários de funcionários de gabinete para partido. Defesa diz que tudo era opcional

Eduardo Militão
postado em 25/08/2016 18:33

O Justiça transformou em réu o vice-governador do Pará, Zequinha Marinho (PSC), acusado pelo Ministério Público de exigir pagamento de 5% dos salários de funcionários de gabinete para partido. Na quarta-feira (24/8), os desembargadores da 2; Seção do Tribunal Regional Federal da 1; Região receberam a denúncia da Procuradoria que aponta o ex-deputado de prática de concussão.

O Ministério Público pediu a perda do mandato de Marinho. No documento, obtido pelo Correio, a Procuradoria exige que ele deixe o cargo e torne-se ;ficha suja; até 2026, ou seja, impedido de tornar-se candidato a cargos públicos. Os procuradores ainda pedem a condenação por concussão, por entender que o vice-governador reteve, ;sob pena de exoneração;, 5% dos salários dos funcionários do gabinete e da Liderança do partido quando exerceu seus dois mandatos de deputado federal. Os valores recolhidos deverão ser devolvidos aos cofres públicos em valores atualizados, em caso de sentença desfavorável a Marinho. O MPF ainda pediu que Marinho perca seus direitos políticos, como votar e ser votado, enquanto durar sua eventual condenação judicial. O julgamento desta semana foi marcado depois de uma reportagem do Correio, mostrando que a acusação estava parada há mais de um ano em um gabinete do TRF.

Como mostrou o jornal em junho, com as mesmas provas usadas pelo Ministério Público, a 6a Vara Cível de Brasília já condenou o PSC a indenizar um ex-funcionário do vice-governador por danos morais. Em emails, o então deputado exige que um servidor, que pede para não ser identificado, pague 5% de seus rendimentos para o partido, mesmo sem ser filiado a ele. "Peça ao (...) para providenciar com a maior brevidade possível, o depósito correspondente a 5% do bruto que ele recebe. ok?", diz Marinho à sua chefe de gabinete, usando letras em caixa alta, em 25 de março de 2011. "Não posso pagar por ele, pois já pago sobre o meu salário", continua a mensagem.

Como o funcionário se recusou a pagar, o próprio Marinho lhe envia email informando de sua demissão. ;Diante da impossibilidade de Vossa Senhoria autorizar o débito de 5% (cinco por cento) destinados a manunetenção do Partido Social Cristão PSC, partido que lhe patrocina a assesscoria ora recebida por Vossa Senhoria, em reunião mensal da Executiva Estadual, realizada em Belém dia 28/03/2011, ficou determinada sua exoneração, o que lamentamos informá-lo neste momento;, diz o vice-governador em correio eletrônico de 31 de março de 2011.

Os advogados de Marinho, Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, relataram à Justiça que muitos servidores alegaram eram voluntários e avaliaram que a acusação não tem provas consistentes. ;Meros indícios e conjecturas não bastam para que se dê início a instância penal;, escreveram em defesa prévia. ;A denúncia criminal não pode ser constituída por criação mental de seu subscritor.;

Demissão à vista

Na denúncia, oferecida pelo procurador Osnir Belice e reiterada este ano por Alexandre Espinosa, o Ministério Público diz que Marinho exigia o pagamento de vários funcionários ;valendo-se do cargo; que ocupou entre 2007 e 2014, antes de torna-se vice-governador. ;Quando o denunciado exerceu o mandato de deputado (;), sendo ainda presidente regional do PSC no estado do Pará, valendo-se do cargo de deputado federal, exigia que os servidores que exerciam cargos comissionados em seu gabinete, bem como junto à liderança do Partido Social Cristão-PSC, a contribuição ao PSC do percentual de 5%;, narrou Belice.

O dinheiro ;era depositado mensalmente pelos servidores comissionados em conta corrente do PSC, sob pena de exoneração do cargo comissionado que ocupavam;. A denúncia afirma que ;diversos servidores ocupantes de cargos comissionados; disseram à Polícia Federal que pagavam os valores arrecadados na ;caixinha; do partido. A maior parte dos servidores, porém, disse que fazia isso de forma voluntária. O funcionário que foi demitido exibiu os emails para comprovar que havia obrigatoriedade. Em entrevista em 29 de novembro de 2011, quando o caso foi revelado, Marinho confirmou a prática e disse que ela ocorria em todos os gabinetes do Brasil, mesmo para não filiados. ;Todo mundo com mandato, todo mundo com emprego em função do partido deve contribuir com 5%;, contou.

Em depoimento que integra o processo, uma ex-servidora que também pediu para não ter seu nome publicado, fez afirmações contraditórias. Primeiro disse foi informada pela chefe de gabinete de Marinho ;que teria que haver esse depósito; de parte de seu salário. ;Não pode informar que era obrigatório, mas era um compromisso;, anotou. Questionada depois para esclarecer disse que, ;de certa forma;, o pagamento era voluntário ;já que nunca questionou;.

A acusação pede que todo dinheiro arrecadado seja devolvido com atualização monetária. Considerando por hipótese que a ;caixinha; durou de 2007 até o caso ser revelado, em 2011, foram levantados mais de R$ 500 mil apenas no gabinete de Marinho, sem contar a Liderança do PSC, segundo cálculos do Correio. Em valores atualizados pelo IPCA, a soma ultrapassa os R$ 800 mil.

Prática proibida


Muitos servidores nem eram filiados ao PSC, cujo estatuto exigia o pagamento de dízimo, mas a Procuradoria entende que essa prática é proibida até para simpatizantes da legenda. A Lei dos Partidos Políticos (9.096/95) ;expressamente veda que servidores ocupantes de cargos comissionados façam contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro a partidos;, diz a denúncia. Duas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, de 2005 e 2014, reforçaram essa proibição.

Segundo o Ministério Público, Marinho cometeu crime continuado de concussão, delito cuja condenação pode render de dois a oito anos de cadeia, se não houver condições que agravem isso. A Procuradoria pede a oitiva de seis testemunhas, entre eles a ex-chefe de gabinete do ex-deputado e vice governador.

Pagamento opcional

Os advogados de Zequinha Marinho, Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, disseram ao TRF-1 que o pagamento de parte dos salários dos funcionários, mesmo os não filiados ao PSC, era apenas voluntário. ;As doações eram de livre e espontânea vontade (...) não foram pressionados por ninguém, muito menos pelo (ex-)deputado Zequinha Marinho;, asseguram. De acordo com eles, 19 dos 20 depoimentos de servidores e ex-servidores ouvidos reafirmam isso. A contabilidade ignora um conjunto de declarações contraditórias de uma ex-colaboradora do partido do vice-governador. Os advogados negam que Marinho tenha admitido, em entrevista, que os pagamentos eram obrigatórios e sob pena de demissão. Eles ressaltam que o vice-governador não foi ouvido no inquérito.

Ainda segundo a defesa, o email em que Marinho demite o funcionário por se recusar a pagar os 5% não pode ser considerado autêntico. O laudo 1873/14 da Polícia Federal sugere que seja feita uma análise nos dados da conta de correio eletrônico que o vice-governador possui no serviço Google por que ;não é possível afirmar que não há edição do conteúdo do email;.

A defesa diz que o servidor demitido ;jamais esteve vinculado; ao gabinete de Marinho, mas apenas à Liderança do PSC na Câmara. Para Figueiredo e Veloso, ainda que o dinheiro tivesse mesmo sido exigido dos funcionários, seria um pagamento para partido político, e as agremiações que costumeiramente recolhem o chamado dízimo partidário, ;muito comum nos dias atuais;. ;A prática do ato tido por ilícito foi baseada única e exclusivamente em erro, eis que não sabia que aquela cobrança era proibida;, escrevem os advogados.

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