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Judiciário critica mutilações feitas por deputados em medidas anticorrupção

Força-tarefa ameaça renunciar à investigação caso a proposta avance no Senado e seja sancionada por Temer

A alteração brusca no pacote de medidas contra a corrupção em votação na Câmara dos Deputados, na calada da madrugada desta quarta-feira, gerou reações imediatas e rígidas de integrantes do Judiciário e do Ministério Público Federal. Contrários às mudanças, procuradores da força-tarefa da Lava-Jato ameaçaram renunciar à operação caso o projeto seja sancionado com a previsão de punição por abuso de autoridade. O projeto inicial com as 10 medidas havia sido proposto pelo MPF, com as assinaturas de 2 milhões de pessoas. As alterações ao projeto foram feitas por meio de 13 emendas, apresentadas no mesmo dia em que o país estava consternado com a tragédia que matou 71 pessoas a bordo da aeronave que transportava a delegação da Chapecoense e caiu perto do aeroporto de Medellín, na Colômbia.

A aprovação do texto-base do pacote anticorrupção ocorreu à 0h10. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrou a sessão e, em seguida, convocou uma extraordinária para apreciar os destaques ao texto. À 1h20 de quarta-feira, começou a mutilação nas medidas anticorrupção, com a aprovação de uma emenda proposta pelo PDT, por 313 votos contra 132, com cinco abstenções, que prevê a punição por abuso de autoridade a promotores, procuradores e magistrados por uma série de condutas, algumas consideradas subjetivas. Ontem à noite, houve registro de panelaços em algumas cidades do país, como Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, em protesto ao movimento da Câmara.

[SAIBAMAIS]Em reação à medida, a força-tarefa da Lava-Jato convocou uma coletiva. ;Nós somos funcionários públicos, temos uma carreira no Estado e não estaremos mais protegidos pela lei. Se nós acusarmos, nós poderemos ser acusados. Nós podemos responder inclusive pelo nosso patrimônio. Não é possível, em nenhum Estado de Direito, que não se protejam promotores e procuradores contra os próprios acusados. Nossa proposta é de renunciar coletivamente, caso a proposta venha a ser sancionada pelo presidente;, afirmou o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima.

Integrante da força-tarefa da operação que investiga o maior escândalo de desvio de dinheiro do país, Carlos Fernando disse que os procuradores passam a correr ;riscos pessoais;. ;Nós, a maior parte (da força-tarefa), temos as nossas responsabilidades em outras unidades da Federação, em outras procuradorias. Nós vamos simplesmente retornar para as nossas atividades habituais. Muito mais valerá a pena fazer um parecer previdenciário do que se arriscar investigando poderosos;, afirmou.

O coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, foi incisivo ao afirmar que, no lugar de ajudarem no combate à corrupção, as medidas favorecem os ilícitos. ;Essas propostas são a favor da corrupção. Dizem muito claramente a que vieram.; Procuradores ainda leram uma nota a respeito da votação. ;É o começo do fim da Lava-Jato. (...) É o golpe mais forte contra a Lava-Jato em toda a sua história;, disse Dallagnol. O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG) divulgou nota de ;indignação; contra a proposta.

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, que já havia se manifestado contrariamente à possibilidade de uma emenda sobre o abuso de autoridade ser incluída, disse que ;reafirma o seu integral respeito ao princípio da separação de Poderes;. ;Mas não pode deixar de lamentar que, em oportunidade de avanço legislativo para a defesa da ética pública, inclua-se, em proposta legislativa de iniciativa popular, texto que pode contrariar a independência do Poder Judiciário;, afirmou. ;Já se cassaram magistrados em tempos mais tristes. Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça;, disse a presidente, em nota.

"Não é retaliação"
O relator do projeto, Onyx Lorenzoni, afirma que o projeto foi ;desfigurado;. ;A oportunidade que as 10 medidas traziam de aproximação da Casa ao povo brasileiro passou. Mas a Câmara, em vez de fazer o Brasil avançar, resolveu cuidar de seus interesses corporativos, o que é uma tragédia;, disse Lorenzoni. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, defendeu o resultado da votação no fim da análise. ;Tiveram emendas supressivas, uma aditiva, de um texto que eu mesmo não considerava tratar desse tema nesta matéria, mas foi aprovado com uma maioria esmagadora;, disse Maia. ;Não é retaliação. Pode parecer para alguns, mas não é;, frisou.

Parlamentares suprimiram ainda medidas que facilitavam a investigação em torno de ilícitos. Um dos trechos retirados, por exemplo, previa o chamado ;reportante do bem;, que receberia até 20% dos valores recuperados.

Não é possível, em nenhum Estado de Direito, que não se protejam promotores e procuradores contra os próprios acusados;
Carlos Fernando Lima, procurador da Lava-Jato



Desfigurado
Confira algumas mudanças promovidas pelos deputados ao texto original das medidas de combate à corrupção encampado pelo Ministério Público Federal com apoio popular

1) O que foi incluído?

Abuso de Autoridade
A principal alteração feita pelos deputados ao projeto, durante a madrugada desta quarta-feira, foi a aprovação de uma emenda que prevê a punição por abuso de poder a magistrados e integrantes do Ministério Público. Entre as condutas, estão a de atuar com motivação político-partidária, divulgação de opinião, a abertura de inquéritos sem ;indícios mínimos; de crimes cometidos. Pode ser condenado ainda o integrante do MP que conduzir ações civis públicas por ;má-fé; ou ;perseguição política;. A emenda foi proposta pela bancada do PDT e aprovada por 313 votos a 132.

Punição para violação de prerrogativas
Por meio de emenda, capitaneada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi incluída previsão de punição a policiais, integrantes do Ministério Público e juízes que violarem direito ou prerrogativa de advogados. O destaque foi apresentado pelo deputado Carlos Marun (PMDB-MS).

2) O que foi mantido?

Aumento da punição à corrupção
A única medida mantida foi a que aumenta a pena para o crime de corrupção, de acordo com o tamanho da propina paga, recebida, oferecida ou solicitada. Punições ficarão entre 4 e 12 anos de prisão.

3) O que foi alterado?

Enriquecimento de agentes públicos
Deputados retiraram do texto o trecho que torna crime o enriquecimento ilícito de agentes públicos, com previsão de pena de prisão variando entre 3 e 8 anos.

Melhorar a eficiência dos recursos
O plenário alterou o trecho que diz respeito aos recursos. Foi mantida a parte relativa à execução da punição após condenação em segunda instância, como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, fim dos embargos infringentes e dos embargos de declaração sucessivos. Mas novas regras para habeas corpus acabaram derrubadas.

Redução das prescrições
Foi derrubada em plenário a proposta para reduzir os prazos para que um processo seja arquivado e dificultava a prescrição de penas.

Confisco alargado
O plenário derrubou a parte que previa o confisco da diferença entre o total de bens do criminoso e a parte que ele provar ter obtido de forma lícita.

Acordo de leniência
Deputados derrubaram trecho que previa que o Ministério Público Federal poderia celebrar acordo de leniência. O destaque que derrubou o trecho foi apresentado pela bancada do PT.

Como votaram
Confira a posição dos oito deputados do Distrito Federal sobre a emenda que prevê punição a juízes e promotores, que passarão a responder por crime de responsabilidade em casos em que se discutir excessos em investigações e processos. A aprovação desse destaque desvirtuou o projeto original das medidas de combate à corrupção.

Sim
Alberto Fraga (DEM)
Érika Kokay (PT)
Laerte Bessa (PR)
Roney Nemer (PP)

Não
Augusto Carvalho (Solidariedade)
Izalci Lucas (PSDB)
Rogério Rosso (PSD)
Ronaldo Fonseca (Pros)