Jornal Correio Braziliense

Politica

Ajuda para aliviar o caixa: Odebrecht pediu 'fôlego' para Coutinho

Empreiteiro preso enviou email ao ex-presidente do banco em 2014 reclamando de projetos e problemas caros à empreiteira, como estádio do Corinthians, dívidas da Petrobras e obras das Olimpíadas

Uma mensagem de correio eletrônico do presidente afastado do grupo Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, enviada ao então presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, afirma que ;não está dando mais para aguentar; projetos que, aparentemente, eram muito caros à empreiteira. O e-mail é de 6 agosto de 2014 e cita a construção do estádio do Corinthians em Itaquera, as obras da Vila dos Atletas e o Parque Olímpico para os Jogos do Rio Janeiro em 2016. Além disso, havia financiamentos da Caixa Econômica atrasados, um lote de faturas atrasadas da Petrobras, gastos da empresa com R$ 15 bilhões em investimentos naquele ano e um projeto sobre etanol não identificado. Logo depois de realizada a Copa do Mundo, o empreiteiro apela: ;Preciso que você nos apoie no sentido de manter nosso fôlego financeiro;.

Por conta disso, Marcelo Odebrecht pede a Coutinho que libere R$ 2 bilhões em debêntures, espécie de título para levantar dinheiro, a fim de bancar obras da construtora na Venezuela, Argentina e Cuba. Mas, segundo nota do BNDES ao Correio, esses projetos não têm ;qualquer relação de escopo de atuação, atividades e análises; com empreendimentos como o Itaquerão, supostos atrasos da Petrobras e da Caixa. ;Não há vinculação entre desembolsos de distintos projetos;, acrescentou a assessoria de Coutinho.

No dia seguinte, em 7 de agosto, o presidente do grupo ; que está preso desde junho de 2015 em Curitiba e fechou o maior acordo de colaboração premiada e leniência do mundo ; apresenta ao então chefe do BNDES uma lista de nove empreendimentos no exterior. E pede a antecipação de US$ 627 milhões (R$ 2,1 bilhões) para as obras.

Presente

O estádio do Corinthians foi um empreendimento levantado pela empreiteira a partir de pedido do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao pai de Marcelo, Emílio Odebrecht, de acordo com declarações públicas de participantes do negócio à época. As obras começaram em 2010, foram concluídas em 2015, mas o time de futebol abriu uma auditoria contra a empreiteira para apurar se tudo foi entregue corretamente. Em pré-acordo de delação, Emílio disse a procuradores da Lava-Jato que a obra foi um ;presente; para Lula, informou a Folha de S.Paulo. Para construir o estádio, de mais de R$ 800 milhões, houve financiamento na Caixa Econômica, com dinheiro oriundo do BNDES.

[SAIBAMAIS]Esse é exatamente o valor que Marcelo afirma no e-mail de 2014 que tem a receber de seus devedores. Lula ;nunca; interferiu nesse processo de financiamento, garantiu a assessoria de Coutinho. Segundo o e-mail de Marcelo Odebrecht, as faturas atrasadas da Petrobras somavam R$ 500 milhões, em agosto de 2014. Os atrasos da Caixa duravam dois anos. O jornal pediu à petroleira um levantamento dos débitos que tinha em relação à Odebrecht, mas a estatal afirmou que concluirá o estudo somente depois de duas semanas.

Por meio de assessoria, Luciano Coutinho, que trocava mensagens com o empreiteiro pelo menos desde 2013, disse que ;não há vinculação entre desembolsos de distintos projetos;. ;O pedido feito por Marcelo Odebrecht não teve qualquer influência sobre os procedimentos rigorosos praticados pelo BNDES na liberação de crédito à empresa, a cargo da equipe técnica, não resultando em nenhuma mudança ou relaxamento dos mesmos;, afirmaram os auxiliares de Coutinho. ;Jamais houve qualquer ingerência do ex-presidente Coutinho para influenciar a tramitação de projetos da empresa junto ao corpo técnico do Banco.;
O Correio pediu ao BNDES os valores liberados à Odebrecht depois do pedido de Marcelo Odebrecht, mas o banco não os forneceu. A instituição financeira destacou que os desembolsos e empréstimos são feitos a partir de critérios técnicos, ;por equipes multidisciplinares, formadas por empregados de carreira do BNDES;. ;As liberações de recursos pressupõem a existência de contratos firmados, seguem pari passu o cronograma físico-financeiro dos projetos e são liberados de acordo com as condições previstas nos respectivos contratos.;

Tudo dentro das exigências formais
Por meio de assessoria, o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho afirmou ao Correio que ;o relacionamento do Banco com a Odebrecht sempre seguiu rigorosamente as mesmas regras e exigências impostas a qualquer outra companhia, sem qualquer tipo de privilégio;. ;As liberações de recursos a projetos envolvendo a Odebrecht ocorreram estritamente de acordo com os critérios técnicos adotados pelo BNDES, que realiza seus desembolsos de maneira gradual, acompanhando a execução físico-financeira das obras e mediante a comprovação da efetiva realização das diversas etapas de cada projeto;, continua. (EM)

Desculpas atrasadas

Procurada, a Odebrecht afirmou ao jornal que não esclareceria o pedido a Luciano Coutinho. Depois que fechou o acordo de leniência, a firma admitiu que errou, pediu desculpas à sociedade e prometeu que ;práticas impróprias em sua atividade empresarial; não se repetirão. Assumiu uma lista de compromissos, como ;combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas, inclusive extorsão e suborno;. No acordo, a empreiteira pagará pelo menos R$ 6,8 bilhões, confessará crimes, indicará outros participantes de negociatas e entregará documentos. Em troca, seus executivos terão penas de prisão reduzidas e a empresa poderá voltar a contratar com o poder público.

Investigadores da Lava-Jato e de outras grandes operações, como Acrônimo e Janus, destacam que a empresa fazia repasses de dinheiro em contas no exterior e em dinheiro vivo no Brasil. Eles avaliam que a firma mantinha um ;caixa geral de propinas; obtidas em várias obras para pagar subornos a autoridades. Paralelamente, a Lava-Jato já identificou, por exemplo, o pagamento de débitos usando projetos difrentes. Um empréstimo tomado pelo Partido dos Trabalhadores no Bancho Schain foi ;pago;, anos depois, com um contrato de uma empresa da instituição financeira com a Petrobras, de acordo com denúncia apresentada à Justiça.

Para investigadores que avaliam a ação da empreiteira com o BNDES, os financiamentos no exterior permitiam grandes lucros à Odebrecht. A suspeita é que, a partir deles, fosse possível fazer pagamentos de suborno e fazer caixa 2 no Brasil e no país estrangeiro.

Procurados, a assessoria do ex-presidente Lula e do Itaquerão não prestaram esclarecimentos ao Correio. A Caixa afirmou que não comentaria o caso devido a sigilo bancário.