Politica

Foliões desfilam todo o descontentamento com a classe política

Chegou a hora da revanche contra os responsáveis pelas mazelas do dia a dia. A tradição de rir do poder vem da Grécia Antiga e, no Brasil, resistiu até mesmo nos piores momentos do regime militar. Criatividade e bom humor são armas do folião

Margareth Lourenço - Especial para o Correio
postado em 25/02/2017 07:05
Boneco gigante do presidente dos EUA Donald Trump é montado no Recife para desfilar nas ruas de Pernambuco

Se o afiado bom humor do brasileiro não arrefece mesmo diante das mazelas do dia a dia, acentuadas pela atual crise econômica, imagine no carnaval. A festa popular e democrática que tem a cara do povo batalhador tem sido o melhor cenário para os foliões tratarem com ironia e irreverência o pouco-caso que suportam o ano inteiro.

A conjuntura política tem oferecido muito material. É a hora da revanche, da desforra. São quatro dias para desfilar, sem repressão e de forma sempre inusitada, todo o descontentamento com a classe política, com escândalos de corrupção tão repetidos que já se tornaram lugar-comum nas notícias de todo dia. Temas sérios e preocupantes enfrentados com descaso pelos governantes como a proliferação do mosquito aedes egypti, ou decisões políticas que afetam a população, quase sempre sem voz, como as reformas da Previdência e do ensino médio viram tema de fantasias e enredos das marchinhas dos blocos mais irreverentes. Ainda em alta e sem prazo para acabar, esse é o momento de fazer graça com a Operação Lava-Jato.

[SAIBAMAIS]E, se a situação está cada vez mais difícil por aqui, com a ameaça do fim da aposentadoria para boa parcela de trabalhadores, não há horizonte promissor além das fronteiras do país. O acalentado sonho americano ficou ainda mais distante pelas mãos do presidente dos Estados Unidos Donald Trump. ;Fora imigrantes;, vocifera em charges e na promessa da construção do que virou o muro da discórdia, na divisa ao sul do país com o latino México.

Há insatisfação para todo lado. O que significa um verdadeiro desfile alegórico de protestos caricatos contra a política brasileira. Não há mesmo como deixar de levar para as ruas ;homenagens; a quem dita as regras para o povo.

Crise hídrica

Em São Paulo, por exemplo, um dos temas preferidos tem sido ridicularizar as novidades marqueteiras do prefeito João Doria (PSDB). No Distrito Federal, o racionamento de água, enfrentado pela primeira vez na recente história da cidade, foi o mote para marchinha do tradicional bloco Pacotão. A crise hídrica puxa os versos de Antonio Jorge, Thayane e Hadassa Sales. ;Tcheco, tcheco, tcheco/é banho de bacia/ tcheco, tcheco, tcheco/falta água noite e dia;.

E quem ainda pensa que todo o inconformismo exposto em músicas e fantasias não passa de sátira política pode estar enganado. É preciso estar atento ao recado das ruas. O professor de ciência política da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Geraldo Tadeu analisa que, quando o povo ri do poder, acaba se perdendo a solenidade, o simbólico da autoridade. Isso ocorreu até em plena ditadura militar, apesar da censura e da truculência do regime. ;E, no carnaval, claro, tudo vira brincadeira. É uma forma institucionalizada de sacanear os políticos. Até na Grécia Antiga, isso acontecia;, conta. Mas, na opinião do especialista, apesar da troça, os políticos precisam entender o recado, especialmente, se a piada estiver fora do contexto do carnaval. ;E uma das armas que o povo tem sobre o poder é ridicularizá-lo. E, quando isso acontece fora da folia, é muito mais corrosivo e destrutivo.;

Na mesma linha, o sociólogo e professor brasiliense Bruno Barros diz que o carnaval e o humor ;podem ser instrumentos de resistência política;. Ele exemplifica que grupos organizados como de mulheres ou de homossexuais cada vez ganham mais espaço na grande festa do Momo. ;De forma lúdica, expõem manifestações políticas e dão maior visibilidade para temas de resistência política;, exemplifica o professor. Ou seja, mais uma vez o recado vai ser dado. Cuidado, porque diversão não é alienação. A criatividade e o bom humor, na verdade, são as armas do brasileiro.

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