Politica

Governo pressionará base na aprovação da reforma da Previdência

Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, que acompanha o cotidiano do legislativo brasileiro há anos, afirma que as emendas sempre foram usadas como moeda de troca

Matheus Teixeira - Especial para o Correio
postado em 05/03/2017 08:01
Além da distribuição de ministérios e de cargos públicos, o governo pretende usar outra arma para seduzir os aliados e conseguir aprovar medidas impopulares no Congresso Nacional, como as reformas da Previdência e da legislação trabalhista: as emendas parlamentares. Diferentemente das individuais, que são impositivas e o governo é obrigado a executar, a maioria das coletivas é liberada de acordo com os critérios do Executivo e dão margem para o Palácio do Planalto manobrar em favor dos correligionários. Só no Orçamento de 2017, elas somam R$ 10,6 bilhões.

E a estratégia para convencer os parlamentares a enfrentar o desgaste de mexer na aposentadoria da população não foi pensada hoje. Ano passado, ao aprovar o Orçamento de 2017, enquanto alardeava uma redução de R$ 10 bilhões com gastos com subsídios, sob o argumento de estar comprometido em cumprir a meta fiscal, o Executivo aproveitou a economia de um lado para gerar despesa de outro, e incrementou R$ 6 bilhões na previsão de gastos com as emendas.

As individuais também dão espaço para o Executivo beneficiar os correligionários. Isso porque, embora tenha obrigação de disponibilizá-las, o governo tem o ano todo para isso e costuma planejar a liberação dos recursos a fim de agradar os deputados da base. Geralmente, por exemplo, em períodos de votações importantes, é registrada uma maior liberação de verba de emendas. Apesar de não admitir oficialmente, o Palácio do Planalto pretende adotar a mesma estratégia este ano e destravar as emendas no fim do primeiro semestre, data vista como ideal para aprovação das reformas. Ao todo, os 594 parlamentares ; 513 deputados e 81 senadores ; tiveram direito a apresentar R$ 15,3 milhões, cada, para o Orçamento deste ano, totalizando cerca de R$ 9 bilhões.

Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, que acompanha o cotidiano do legislativo brasileiro há anos, afirma que as emendas sempre foram usadas como moeda de troca. ;O governo tem um sistema de acompanhamento de votações no Congresso para saber o nível de divergência de cada parlamentar, e leva isso em consideração na liberação das emendas. Ele vai abrindo o caixa de maneira seletiva ao longo do ano;, explica o especialista.

O fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, corrobora a tese de Queiroz sobre a execução de emendas. ;Quando convém politicamente, eles autorizam o ministério responsável a dar andamento àquela emenda. Embora neguem e digam que cada pasta libera conforme julgar adequado, isso normalmente passa pela Casa Civil, pois tem cunho político;, afirma.

Gil Castelo Branco conta que a prática de usar as emendas como moeda de troca nas votações não é uma estratégia recente na política brasileira. ;Isso não é exclusividade do Temer, do PT ou do PSDB. Vem, pelo menos, desde o governo de José Sarney, na década de 1980. As emendas são instrumento de barganha há muitos anos. Não se discute o direito de o parlamentar ter dinheiro, mas no Brasil isso é visto como uma oportunidade de relacionamento entre Executivo e Legislativo;, analisa.

O especialista lembra, ainda, que até 2015 a lei era mais favorável ao governo. ;Antes de tornarem as emendas individuais impositivas, era ainda mais grave. Chegava ao ponto, às vezes, de quase excluir o acesso da oposição a esse benefício. Agora, pelo menos, a postura política em relação ao Executivo não altera o montante ao qual os deputados têm direito;, contemporiza.

Em tempos de arrocho fiscal, Gil Castelo Branco comenta que é comum haver um contingenciamento do Orçamento e, consequentemente, das emendas. Ele observa, no entanto, que isso não depende apenas do cenário econômico. ;Diante da necessidade de aprovar medidas, isso pode não ocorrer, embora vivamos momento de economia de gastos;, destaca.

Comissões


Se o governo executar todas as emendas até o fim do ano, sem exceção, gastará R$ 25,5 bilhões. Do montante, porém, R$ 10,5 bilhões não são impositivos. E é nessa seara que o governo deve trabalhar com mais afinco para beneficiar aliados. A matemática não é tão simples quanto a das individuais, pois, como a emenda é coletiva, a bancada nem sempre é homogênea. Mas o Planalto pode favorecer, por exemplo, aqueles estados que têm mais parlamentares da base aliada. Ou então liberar as emendas apresentadas por comissões permanentes que foram presididas por alguém que lhes interessa, para aquele determinado deputado resistente ganhar os louros entregando recursos à terra natal.

Das não impositivas, R$ 4,6 bilhões foram apresentadas pelas comissões e R$ 6 bilhões, pelas bancadas estaduais. Em meio a uma crise política, o Planalto aposta na retomada do crescimento econômico para iniciar uma agenda de pautas positivas. E, para isso, acredita na necessidade de seguir aprovando medidas de arrocho para regularizar as contas públicas e dar um sinal de responsabilidade fiscal ao mercado financeiro. E os cortes de gastos, na grande maioria, acabam sacrificando investimentos em políticas públicas e geram um desgaste político que os deputados nem sempre querem compartilhar. É o caso da reforma da Previdência, que pode ajudar a equalizar os gastos do governo, mas afetará o cotidiano dos trabalhadores brasileiros.

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