Eduardo Militão
postado em 15/03/2017 06:00

A audiência na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou depoimento, na manhã de ontem, ao juiz substituto da 10; Vara da Justiça Federal em Brasília, Ricardo Soares Leite, expôs uma linha de investigação seguida pelos procuradores da Operação Lava-Jato: a de que não era apenas o apoio político negociado nos governos de coalizão liderados pelo PT; a partilha do poder incluía a divisão de propinas obtidas com empresas fornecedoras de estatais, entre elas, a Petrobras.
Durante a audiência, o juiz tentou exibir um vídeo em que o petista diz que participava de decisões na estatal e questionou Lula sobre o que significavam as declarações dele, feitas em Angra dos Reis (RJ) em 2010. O lobista Fernando ;Baiano; Soares, considerado operador do PMDB, afirmou que o ex-presidente é que resolvia conflitos em indicações na estatal, anotou Leite.
Lula admitiu que ;recomendava; ao conselho da companhia que indicasse pessoas da cota de partidos políticos. ;O presidente não indica cargo na Petrobras;, afirmou o petista. ;O presidente recomenda ao Conselho da Petrobras a indicação de tal pessoa, indicada por tal partido, a partir da capacidade técnica da pessoa;, complementou.
O depoimento de ontem foi o primeiro em que Lula figurou como réu em um interrogatório da Lava-Jato. Em outras oitivas ; foram pelo menos oito desde o fim de 2015 ;, ele prestou declarações como testemunha ou como investigado. O interrogatório começou por volta das 10h20 e durou 49 minutos. Do lado de fora do prédio, na Asa Norte, manifestantes pró e contra o petista levantaram faixas, cartazes e palavras de ordem, mas sem violência.
No processo, Lula é acusado de obstrução da Justiça por tentar impedir o ex-diretor da petroleira Nestor Cerveró de fazer delação premiada na Lava-Jato, segundo depoimento do ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS). O ex-líder do governo no Senado disse que recebeu a suposta solicitação de ajuda numa reunião no Instituto Lula, em 8 de maio de 2015. ;O Delcídio contou uma inverdade nesse processo;, afirmou o ex-presidente. Ele garantiu que nem sequer conhecia o ex-diretor da Petrobras e afirmou que era o ex-senador quem tinha motivos para temer as revelações de Ceveró. ;Era conhecida por todo mundo a relação histórica do Delcídio com o Cerveró. Era muito antiga.;
Massacre
Lula disse que, num governo de coalizão, é preciso governar com os outros partidos dentro de uma agenda programática. O ex-presidente afirmou que Cerveró e seu sucessor, Jorge Zelada, foram indicados para a Diretoria Internacional da empresa dentro da cota do PMDB na estatal. De acordo com Lula, essas indicações eram ;corriqueiras, para fazer um governo de coalizão como qualquer outro; e, quando escolhido, Cerveró não tinha nenhuma denúncia de corrupção contra ele.
Lula reclamou do assédio da imprensa, que acredita que ele será preso. ;O senhor sabe o que é levantar todo dia achando que a imprensa está na porta da minha casa porque eu vou ser preso?;, questionou. ;Nos últimos três anos, tenho sido vítima quase de um massacre;, lamentou.
Análise da notícia
Medo do PT é inelegibilidade
PAULO DE TARSO LYRA
O PT está convencido que, apesar das sucessivas denúncias e pedidos de abertura de inquérito contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva, as chances de o petista ser preso diminuíram em relação ao ano passado. O que não significa que a militância esteja tranquila. Caciques partidários acreditam que Lula será condenado em segunda instância, tornando-se inelegível em 2018 pelas regras da Lei da Ficha Limpa.
Em março do ano passado, quando Lula foi conduzido coercitivamente para um depoimento em São Paulo, a temperatura no núcleo do lulo-petismo aumentou absurdamente. A iminência da decretação de uma prisão preventiva apavorava os correligionários e o próprio ex-presidente.
Ao todo, Lula já depôs 8 vezes. O partido apressou-se a montar o perfil da vitimização do líder operário. A percepção é de que uma prisão, agora, sem provas fundamentadas, coroaria a imagem do mártir. A condenação em segunda instância, pelo TRF do Rio Grande do Sul, não. Lula não precisaria sequer ser encarcerado, como prevê a lei. Bastaria a inelegibilidade. A réstia de esperança do PT estaria alijada do grid em 2018.