Apreensão e revolta. Esses são os principais sentimentos dos consumidores em relação à Operação Carne Fraca. ;Já não bastava a Lava-Jato. Agora, vem essa bomba, de que a corrupção chegou à mesa do brasileiro. A sensação é de que a corrupção está institucionalizada. A política se consolidou como um câncer que só tem como ser curado se botar todos os envolvidos na cadeia;, desabafa a servidora pública Ivanice Batista, 58 anos. A esperança dela é de que eventuais condenações dos investigados intimide novas infrações. ;Espero por punição. Ninguém tá levando carne de graça;, diz.
Na casa de Ivanice, a carne vermelha já não estava sendo muita consumida. Após a divulgação das investigações, ela admite que vai retrair ainda mais os gastos com o alimento. ;Uma vez comprei uma carne que me parecia estragada. Estava meio escura e o cheiro não era bom;, comenta.
[SAIBAMAIS]
A decepção é outro sentimento que atordoou os consumidores. A aposentada Marilane Almeida, 73, acreditava até ontem que não havia indícios de adulteração em carnes de frango. Quando descobriu que uma planta frigorífica da BRF em Mineiros (GO) que produzia carnes de aves teve as operações suspensas, ficou chocada.
;É uma falta de vergonha. Desse jeito, vou deixar de comprar frango e consumir peixe. Isso, se as autoridades também não revelarem que há peixes adulterados no mercado. Porque, aí, sim, vou ter que segurar os gastos com carnes de uma maneira geral;, lamenta Marilane. Para ela, o escândalo não é novidade. ;Isso com certeza vem de muitos anos atrás. Mas só agora descobriram;, comenta.
A aposentada não está errada. As investigações da Polícia Federal tiveram início há dois anos, mas as primeiras denúncias de corrupção envolvendo fiscais da vigilância sanitária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) surgiram há sete anos, ainda sob a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 2010, a pasta foi chefiada no mesmo ano pelos ministros Reinhold Stephanes e Wagner Rossi, ambos filiados ao PMDB à época. A PF investiga que o esquema desbaratado pela Carne Fraca abasteceu a sigla, além do PP, partido do atual ministro, Blairo Maggi.
O Mapa informou na sexta-feira que, a partir de amanhã, a pasta vai atuar em uma força-tarefa conjunta com a PF e o Ministério Público. O objetivo é identificar as potenciais carnes adulteradas ; inclusive bovinas ; para comunicar a população sobre quais lotes serão recolhidos e, portanto, devem ter o consumo evitado. Até lá, o casal de médicos Flávia, 42 anos, e Luís Carlos Broch, 40 anos, pretendem postergar a compra do produto para a alimentação em casa.
Ontem mesmo o casal foi almoçar a uma churrascaria, mas comeu a carne de maneira comedida. ;Olhava o alimento com certa desconfiança;, admite Flávia, sem esconder a indignação com o esquema montado entre fiscais do Mapa e grandes empresas do ramo alimentício. ;É impressionante como eles tiveram a coragem de adulterar os produtos. É algo muito grave. Já não acredito mais nas instituições. Para mim, estão em descrédito;, lamenta.
A sensação de vulnerabilidade é ainda maior porque justamente neste mês o casal começou a alimentar a filha Isabela, de apenas seis meses, com carne. ;Ficamos de mãos atadas. Como vamos saber que a carne que comemos tem boa procedência ou não para nos alimentarmos e à nossa filha? A carne é um dos alimentos mais tradicionais da mesa do brasileiro e para nós não é diferente;, reclama Flávia. ;Infelizmente, essa é uma situação que vai levar descrédito até mesmo aos nossos produtos no comércio exterior;, pondera Luis Carlos.
O jeito para quem não abre mão de consumir carne é ;confiar desconfiando;. É o que pensa a manicure Valdete Nunes, 56 anos. ;Não tem outro jeito. Tem que ficar com um ;pé na frente e o outro atrás;. Comemos de tudo: embutidos; frango; linguiça; carne vermelha;, diz. ;Vamos ter que olhar melhor a cor do alimento para ter alguma ideia se está bom para comer ou não;, acrescenta.
Mostras
A Vigilância Sanitária do município do Rio recolheu ontem amostras de carnes embaladas a vácuo em dois supermercados da zona sul da cidade ; um em Botafogo e outro em Copacabana. As amostras são de marcas da empresa JBS, acusada pela Polícia Federal de comercializar carnes impróprias para o consumo. Por enquanto não foi constatada nenhuma irregularidade. As carnes serão submetidas a exames laboratoriais, que devem ficar prontos no prazo de sete a 10 dias.