Estado de Minas
postado em 20/03/2017 09:36
A crise penitenciária que assustou o país no início de 2017 reacendeu o embate entre os defensores dos direitos humanos e aqueles que são contrários a qualquer tipo de benefícios para os presos. E, com ele, pipocam na Câmara dos Deputados projetos de leis que atingem diretamente a vida dos detentos e seus familiares.
O mais novo texto tratando do assunto foi apresentado no último dia 23 pelo deputado federal Roberto de Lucena (PV-SP). O parlamentar quer acabar com indenizações em dinheiro, por danos materiais ou morais, pagas pelo poder público aos presidiários que estiveram em condições degradantes.
Se o texto for aprovado sem modificações, ficará proibido, de forma ;irrevogável e irreversível;, esse tipo de indenização pelo poder público. E se o detento for reincidente, ele terá que indenizar a vítima ou seus familiares, em caso de morte. Caso o preso não tenha dinheiro para arcar com a indenização, será obrigado a prestar serviços comunitários depois de cumprir sua pena. Se o responsável pelo órgão público descumprir a lei, ainda sofrerá um processo administrativo.
O texto apresentado pelo deputado paulista é uma resposta a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada uma semana antes, envolvendo um processo de ex-presidiário do Mato Grosso do Sul. Depois de cumprir uma pena de 20 anos em um presídio de Corumbá, o homem entrou na Justiça e assegurou uma indenização de R$ 2 mil por ter vivido em uma cela sem espaço para dormir, tendo que encostar a cabeça no vaso sanitário. O caso dele ainda ganhou repercussão geral, ou seja, vale para todas as ações semelhantes julgadas em instâncias inferiores.
O argumento dos ministros do STF é que o estado descumpriu o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Não convenceu o deputado. ;Esta decisão do STF, salientamos a máxima vênia, é no mínimo uma afronta ao povo honesto deste país, ao contribuinte, ao cidadão de bem que acorda cedo para garantir o sustento de sua família! Este sim, merece ser indenizado pelos desmandes e açoites que vier a sofrer e por que passa diariamente;, alegou o deputado e pastor evangélico, na justificativa do projeto.
;Quanto àquele que optou por uma vida pregressa ligada à criminalidade, que pague por seus atos e assuma as consequências de suas atitudes delituosas, e, não, em hipótese alguma, queira pleitear do estado indenizações por melhores condições dos estabelecimentos prisionais;, continuou. De fato, as condições dos presídios brasileiros não são as melhores.
Condições precárias
A organização não-governamental Human Rights Watch divulgou em janeiro um relatório com uma análise das políticas de direitos humanos em 90 países ao longo de 2016. Em relação ao Brasil, chamou a atenção da ONS as condições precárias do sistema prisional. O cenário foi classificado pela ONG como um ;desastre;, com a superlotação, falta de comida e de água. Números oficiais apresentados pela entidade mostraram que 622 mil adultos estavam presos, 67% a mais do que as prisões comportam.
O documento citou alguns exemplos, como o Complexo de Curado, no Recife, em que presos ficavam com as chaves das celas. No Complexo Anísio Jobim, em Manaus ; onde 56 detentos foram mortos no início deste ano ;, facções criminosas dominavam o local. O Brasil foi apontado no estudo como um dos países com maior violência carcerária da América Latina.
Preso deve pagar por despesas na prisão
E por falar em indenização, o deputado Nelson Marchezan Júnior (PSDB-RS) também apresentou um projeto, em 2015, propondo que o estado cobre do preso as despesas com a própria prisão. ;Trata-se de cobrar daqueles que têm condições financeiras para indenizar e ressarcir o Estado pelos prejuízos que causaram à sociedade, ao mesmo tempo em que reduz a carga de cobranças tributárias sobre o cidadão de bem que cumpre com suas obrigações sociais;, alegou o parlamentar, para quem o projeto traz um novo ;paradigma legal;.
De acordo com o deputado, dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) mostram que o Brasil gasta aproximadamente R$ 42 mil por ano com cada preso em um presídio federal ; o dobro do investimento em cada aluno do ensino superior, que é de R$ 21 mil. Nos estados, o custo de cada preso chega a R$ 21 mil anuais.
Auxílio questionado
O pagamento do auxílio-reclusão é outro ponto que gera polêmica e é alvo de cinco projetos na Câmara dos Deputados. Atualmente recebem o benefício dependentes de segurados presos que tinham salário de contribuição para a Previdência de até R$ 1.292,43. É pago enquanto o segurado estiver preso sob regime fechado ou semiaberto e não receba qualquer remuneração.
No ano passado, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) gastou R$ 445,1 milhões com o benefício em todo o país. Três projetos modificam a Constituição Federal e preveem a extinção do auxílio-reclusão. Dois ainda determinam a instituição de um benefício assistencial de um salário-mínimo aos dependentes das vítimas de homicídio ou vítima que tenha ficado afastada do trabalho em razão da violência sofrida. Um deles foi apresentado pela deputada Antônia Lúcia (PSC-AC).
;Ainda que a família do criminoso, na maior parte dos casos, não tenha influência para que ele cometa o crime, acaba se beneficiando da prática de atos criminosos que envolvam roubo, pois a renda é revertida também em favor da família. Ademais, o fato do criminoso saber que sua família não ficará ao total desamparo se ele for recolhido à prisão, pode facilitar sua decisão em cometer um crime. Neste sentido, entendemos que é mais justo amparar a família da vítima do que a família do criminoso;, justificou a parlamentar no texto apresentado na Câmara.