Antonio Temóteo, Julia Chaib
postado em 14/04/2017 06:00
As relações de Emilio e Marcelo Odebrecht ; além de outros executivos da empreiteira baiana ; com diversos políticos foram construídas ao longo de décadas. A constante troca de favores ou até mesmo o fato de alguns deles serem vizinhos de bairro edificaram as pontes que abasteceram campanhas eleitorais com recursos de caixa dois. A construtora gozava de prestígio com parlamentares, governadores e presidentes de partidos governistas e oposicionistas. Além de dinheiro, presentes, como vinhos de luxo eram dados como mimos para alguns deles.
O patriarca da empresa, Emílio Odebrecht, falou sobre algumas relações constituídas há mais de três décadas, sendo uma delas, justamente com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele informou aos investigadores que foi apresentado a Lula no fim da década de 1980 por Mário Covas. Os dois se aproximaram naquela época e nunca mais deixaram de se relacionar.
Emílio deixou a presidência em 2001, mas ressaltou que organizou diversas reuniões do petista com empresários até 2002, diante da resistência do mercado à candidatura de Lula. ;A Carta ao Povo Brasileiro, feita com o propósito de acalmar o mercado, é um exemplo exato do tipo de apoio não financeiro que dávamos ao ex-presidente Lula. Essa carta tem muita contribuição nossa;, comentou.
O empresário também comentou que, após deixar o comando da companhia, não conseguiu ;passar; para outros executivos o relacionamento que cultivava com quatro pessoas. ;Uma foi Antônio Carlos Magalhães. Eu não consegui passar ele nem pra Marcelo nem pra Pedro Novis. Outro foi o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o presidente de Angola, Zé Eduardo Santos, e o Lula;, contou. Segundo Emílio, essas pessoas não foram ;transferidas; porque não aceitavam, já que tinham um relacionamento de 35 anos com o patriarca, ou porque não quiseram.
Na última segunda-feira, ao juiz Sérgio Moro, Marcelo Odebrecht falou sobre a forma como o relacionamento evoluiu e afirmou que a empreiteira repassou a Lula, por intermédio do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, R$ 40 milhões, para custear despesas do petista no fim do mandato, e para manter a relação.
Marcelo Odebrecht também detalhou que a empreiteira começou a se relacionar com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) a partir de 2001, quando ele ainda era deputado federal. Conforme ele, o parlamentar mineiro tinha ascendência sobre a gestão da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Marcelo comentou que se aproximou, de fato, de Aécio após sua eleição para o governo do estado. Com isso, passou a ter encontros frequentes com o então chefe do Executivo.
O herdeiro da empreiteira relatou, em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), que Aécio ajudava a intermediar negociações em que havia conflito de interesses com a construtora Andrade Gutierrez. ;Ele apaziguava as coisas quando havia tensões;, disse. Marcelo ainda explicou que a relação com os agentes públicos era baseado em um tripé que tinha a ver com a capacidade da empresa de entregar o que é pedido, com a relação pessoal e o dinheiro. Nesse contexto, Marcelo afirmou ter ficado ;surpreso; com o conteúdo de algumas delações, entre elas a do ex-diretor Institucional Cláudio Melo Filho. ;Eles (os executivos) às vezes vendiam uma relação pessoal, que acabou não sendo tão pessoal;, disse.
Vizinho
Não só Emilio e Marcelo gozavam de prestígio e tinham uma relação de amizade com diversos políticos. O ex-presidente da Odebrecht Pedro Augusto Ribeiro Novis, por exemplo, era íntimo do senador José Serra (PSDB-SP). Os dois se conheceram em 1983, quando o hoje parlamentar foi nomeado secretário de Planejamento do governo de Franco Montoro. Aquela época, relatou Novis ao MPF, a Companhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO) na Ferrovias Paulistas (Fepasa), uma das empresas do grupo, tinha diversos créditos a receber por empreitadas realizadas para a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), para a Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa) e para a Ferrovias Paulistas S/A (Fepasa).
O ex-executivo da construtora baiana relatou que, durante aquele período, o estado de São Paulo era o maior mercado da CBPO e a falta de pagamentos havia levado a empresa a ter uma crise financeira. Com isso, Novis passou a ter frequentes contatos com Serra, classificados por ele como institucionais. Pouco depois, o senador se mudou para o Alto de Pinheiros, um bairro tradicional da cidade de São Paulo (SP), o mesmo que o executivo da Odebrecht morava.
Os dois se tornaram vizinhos, motivo que rendeu o apelido de Serra nas planilhas da empreiteira. ;Essa condição me concedia papel diferenciado perante o político e administrador público, o que era traduzido na minha expectativa de que Serra pudesse realizar governos que levassem ao desenvolvimento socioeconômico do país, beneficiando, por consequência, projetos empresariais da companhia;, relatou.
Com isso, o parlamentar recebeu contribuições a título de caixa dois para as campanhas de presidente de 2002, de prefeito de São Paulo, de 2004 e de 2012, a de governador, de 2006. Além das contribuições eleitorais, garrafas de vinho, como rótulo Almaviva, que custa R$ 1 mil, eram dadas de presente a Serra.
Delatores contra os próprios colegas
A lista dos citados nos acordos de colaboração premiada fechados por executivos e ex-executivos da Odebrecht trouxe uma situação sui generis para a empreiteira. Além de políticos e operadores financeiros, o diretor do grupo Odebrecht, Felipe Montoro Jens, foi delatado por seus colegas por, segundo eles, ter pedido dinheiro para a campanha de 2010 de seu tio José Ricardo Franco Montoro. Jens não pertence ao grupo de 78 funcionários da empresa que fez delação com o Ministério Público Federal e, portanto, está mais exposto a investigações e a eventuais punições. Na empresa, o executivo tem dito a amigos que está ;bastante chateado;, pois ele apenas teria tentado se informar sobre como funcionava a doação para campanhas eleitorais e, agora, seu nome está envolvido em acusações de delatores.