Na semana seguinte à divulgação das delações premiadas da Odebrecht, que atingiram em cheio a cúpula do governo, o presidente Michel Temer terá nos próximos dias testes de fogo em relação a votações de reformas consideradas prioritárias. Para esta terça-feira (18/4), está prevista a apresentação para a base e a leitura do relatório da reforma da Previdência, da qual Temer recuou em cinco pontos para aprovar. Além disso, o governo tentará ainda garantir um pedido de urgência para a análise da reforma trabalhista e, mais uma vez, votar o projeto de renegociação da dívida dos estados.
Temer reuniu-se, na noite desse domingo (16/4), com líderes no Congresso e ministros para acertar os últimos pontos da reforma. No encontro, pelo menos oficialmente, evitou-se falar das delações e o possível impacto nas votações. De acordo com presentes na reunião, o presidente reiterou o calendário de votação da reforma da PEC da reforma da Previdência, e espera aprová-la na comissão especial até o fim de maio. Após a leitura no colegiado especial amanhã, deve haver um pedido de vista e a discussão só será retomada na semana que vem. Ciente de que não tinha votos suficientes para aprovar a matéria, Temer cedeu em pontos polêmicos: regras de transição, aposentadoria rural, benefício de prestação continuada, pensões e aposentadorias especiais.
No domingo (16/4), o presidente da Comissão Especial, Carlos Marun, confirmou outra mudança no texto: o tempo de contribuição mínima para aposentadoria não será de 49 anos. Provavelmente, cairá para 40 anos.
As mudanças vão no sentido de conseguir o apoio da base na Câmara e agradar a senadores para não atrasar a análise da matéria. ;Ficou sacramentado o calendário, não existe a mínima possibilidade ou desejo de mudança nesse calendário. Estou cada vez mais convencido de que vamos aprovar essas reformas por uma margem elástica de votos;, afirmou Marun, que calcula 350 votos favoráveis ao texto.
Na noite desta segunda-feira (17/4), Temer se reunirá com a bancada feminina da Câmara para tentar angariar o apoio. A bancada reivindicava uma mudança na idade mínima de 65 anos para aposentadoria. O relator não confirmou a mudança. Nesta terça-feira (18/4) de manhã, os pontos alterados serão apresentados para as bancadas da base e, em seguida, Temer conduzirá uma reunião com os senadores para tratar da reforma.
Quem esteve na reunião na noite de domingo garantiu que o clima, enquanto o relator Arthur Maia (PPS-BA) falava sobre o parecer, era positivo. O próprio parlamentar é alvo de abertura de inquérito após ser citado como um dos beneficiários de recursos da empreiteira, mas garante não estar preocupado. ;Por que haveria de estar?;, respondeu, após ser questionado. Segundo ele, não há motivo para que a votação seja atrasada. ;Não vejo nenhum tipo de mudança (com as delações). Temos votado na Câmara inúmeras reformas e temos visto, paralelamente, todo o processo judicial da Lava-Jato. As reformas estão sendo votadas;, disse.
Obstrução
Apesar do aparente clima de otimismo, na Câmara, há uma preocupação de que as votações sejam afetadas. A oposição vai jogar no sentido contrário e tentará obstruir as votações. O governo sentirá a temperatura ao tentar votar o requerimento de urgência para a reforma trabalhista e tentar votar, pela quinta vez, o projeto de renegociação da dívida dos estados. Temer pediu a todos os líderes uma ofensiva para que garantam quórum na Câmara ao longo desta semana, que será mais curta, com o feriado na sexta-feira.
Participaram da reunião na noite de domingo no Alvorada, além de Temer, Marun e Maia, o vice-líder do governo, Darcísio Perondi (PMDB-PR); o presidente da Câmara, Rodrigo Maia; o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR); o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE); o ministro da Secretaria da Presidência, Moreira Franco (PMDB-RJ); o ministro da Secretaria de Governo, Antônio Imbassahy; o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles; e o secretário da Previdência, Marcelo Caetano.
Mudanças
O governo teve de ceder em pontos importantes da reforma da Previdência. O principal deles, as regras de transição foram flexibilizadas em relação ao texto original. O governo estabeleceu que podem participar da transição pessoas de até 30 anos. A transição deverá ter idades mínimas de 50 anos para mulheres e 55 para homens até atingir os 65 anos de idade mínima para aposentadoria, com o pagamento de pedágio.
Análise da notícia
A força do Planalto
Por Luiz Carlos Azedo
A âncora dos partidos que compõem a base governista, em meio ao tsunami da Operação Lava-Jato, ainda é Michel Temer. Primeiro, porque o presidente da República está blindado pela Constituição contra a Operação Lava-Jato; segundo, porque o Planalto é a maior concentração de poder do sistema político, num momento em que lideranças e partidos estão sendo volatilizados na opinião pública.
A reação do Congresso à divulgação das denúncias dependerá muito de como o governo operar daqui pra frente. Uma linha de atuação é deixar a Lava-Jato decantar no Supremo Tribunal Federal (STF), reagrupar as forças no Congresso e tentar aprovar as reformas trabalhista e da Previdência, provavelmente nessa ordem, porque a primeira é um teste de força para a segunda. Essa é a linha do bom senso.
A outra vertente é uma reação das lideranças citadas na lista da Odebrecht contra a Operação Lava-Jato, na direção da aprovação da anistia do caixa dois eleitoral e de dispositivos que visem intimidar juízes, promotores e delegados, como o projeto de ;abuso de autoridade; que tramita no Senado. Essa é a linha do confronto com o Judiciário, rumo à grave crise institucional.
Todo político que se preza mira as eleições de 2018. A reação do Congresso aos últimos acontecimentos levará isso em conta. Antes da divulgação dos vídeos das delações, alguns dos envolvidos na Operação Lava-Jato já estavam jogando para a arquibancada e marcando posição independente em relação ao governo Temer.
É o caso do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Por isso, as reformas podem subir no telhado se o Planalto não reagir com determinação. Há um clima de cada um por si e Deus por todos. Essa é uma força centrífuga na coalizão de governo, que somente pode ser contida se o próprio presidente da República firmar liderança de sua base.