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Corruptos deveriam ir a júri popular, defende Miro Teixeira em entrevista

Para o deputado federal Miro Teixeira (Rede-RJ), casos de corrupção deveriam enfrentar júri popular. "O Brasil tem dinheiro de sobra, mas ele vai para o bolso de amigos", afirma ao Correio

Paulo de Tarso Lyra, Matheus Teixeira - Especial para o Correio
postado em 24/04/2017 06:01

Com 11 mandatos consecutivos de deputado federal, Miro Teixeira (Rede-RJ), 71 anos, bebeu na fonte de Brizola, Tancredo, viu Ulysses presidir a Câmara, foi ministro de Lula, mas está decepcionado com o atual momento que o país atravessa. Não deposita todas as críticas apenas no Congresso, lembrando que os executivos da Petrobras roubaram milhões sem disputar sequer uma eleição. "A eleição e a democracia não são responsáveis pela corrupção."

Ele admite que a crise vivida pelo país é maior do que se poderia imaginar, mesmo sabendo que o Brasil é "uma República que não se realizou". Miro acrescenta que um corpo situado em declive, se não for parado, continuará acelerando e questionou por que nenhum tribunal de contas percebeu o tamanho do escândalo.

Nesta entrevista ao Correio, ele revela decepção com Lula, ainda acha possível uma vitória de Marina, defende júri popular para casos de corrupção e garante que o Brasil precisa de reformas que não tirem direitos. ;O Brasil tem dinheiro de sobra, mas ele vai para o bolso de amigos;.

Uma das vozes mais respeitadas do Parlamento, Miro critica órgãos de controle, como o Cade e o Carf, e a política de criar empresas campeãs ;sabe-se lá do quê;. ;O Brasil tem um capitalismo envergonhado. O Brasil não é socialista, não é social-democrata. É capitalista. Mas, por ter vergonha de ser capitalista, o Estado fica se metendo nas regulações;.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

O senhor já presenciou um momento como o atual na política?

Cada mandato é um, não existem mandatos iguais. Já teve Congresso fechado com apoio popular. A questão não é do Parlamento, é do sistema de governança do Brasil. Desde a democratização, você tem a eleição do Collor de Melo, que sofreu impeachment; do Fernando Henrique, que estava imune até agora e acho que deveria continuar porque é só uma referência; tem o Lula, que ainda não está condenado, mas está denunciado e tem outros inquéritos; e a Dilma, que sofreu impeachment. Existe algo de errado nessa organização negocial brasileira.

Uma organização bem ampla, não é?

Pega desde o mundo financeiro até o mundo empresarial pura e simplesmente, e aqueles prestadores de serviços para o Estado. Nós temos uma Constituição de 1988 e toda semana tenho que atualizar. Já houve mais de 100 emendas e tramitam perto de 1,5 mil emendas. Umas 800 na Câmara e 700, no Senado. Isso é fator de insegurança. Não para os investidores, porque os contratos têm cláusulas de garantia. Mas insegurança para quem não está protegido. Não porque não existam leis, mas porque elas não são cumpridas. A lei depende de quem torne efetivo o que ali está.

O Congresso não está comprometido?

Não lanço sobre o Parlamento a responsabilidade sobre o que acontece com o país. Os burocratas da Petrobras tiveram de devolver somas enormes ; e não deve ser tudo, porque esse pessoal é mais apegado ao dinheiro do que à vida das mães deles. Lançam a culpa toda sobre o Congresso, mas de onde roubavam eles? De onde roubava o Paulo Roberto Costa, o Barusco, a que eleição eles concorreram? A eleição e a democracia não são responsáveis pela corrupção. Senão, as ditaduras, que não realizam eleições, seriam absolutamente íntegras. E não são. Não é o Parlamento, é o Brasil.

Qual o cerne do problema então?

É fazer o Estado funcionar. O gigantismo pode tornar o Estado lerdo, o excesso de regulamentações. Por que o Cade permite que se formem essas megaempresas, asfixiando os pequenos e médios produtores e empreendedores? Assim se formam as empresas campeãs. Campeãs de quê?

E todas formadas com financiamento público?

E todas aprovadas pelo Cade. A outra coisa é o Carf. Se você não está resignado com uma decisão da Receita, você pode recorrer à Justiça. Por que um tribunal administrativo? O Brasil tem dinheiro sobrando, mas ele é direcionado para empresas amigas ; e não é de hoje ; em detrimento dos interesses da população. O Brasil tem um capitalismo envergonhado. O Brasil não é socialista, não é social-democrata. É capitalista. Mas, por ter vergonha de ser capitalista, o Estado fica se metendo nas regulações.

A crise atual é consequência de nossas falhas estruturais ou se tornou algo além do imaginável?

Ninguém imaginava. A aceleração existe. Se um corpo está em um declive e nada o detém, ele vai acelerar mais. Isso é que vem acontecendo com o Brasil. Estamos ritualizando o que deveriam ser os órgãos de controle. Qual escândalo foi detectado por algum tribunal de contas?

Esperava-se que a chegada do PT mudasse o modelo político. Mas ele não foi mudado e se intensificou. É possível virar esse jogo?

Tudo o que aconteceu de bom no país, e que se amplificou com a Lava-Jato, aconteceu por causa da tecnologia da informação. Hoje você tem a mídia individual. Cada um tem seu telefone, denuncia, fotografa, comenta. O cidadão dispõe de meios que negam a frase ;não gostou, vá se queixar ao bispo;. Agora não tem mais intermediário. O poder que emana do povo passou a emanar mesmo.

Isso muda também perspectivas eleitorais?

Todos dizem que vai surgir um populista, um demagogo. Se surgir é porque o povo quis, porque está com os meios de informação. Aqueles que se sentem contrariados com isso começam a dar rótulos. O espaço não ficará vazio. A política terá suas próprias correções. E a campanha política, com esse instrumental, permitirá que as pessoas voltadas para a vida pública possam fazer o que Tancredo imaginou e resumiu com a chamada Nova República. O Brasil é uma República que não se realizou.

E a Rede? O partido que se apresentou como novo se realizou?

O partido não se completa, passa a vida se atualizando. A Rede tem muitos problemas que são discutidos claramente e que se pretende, cada vez mais, corrigir.

Qual a viabilidade da Marina?

Ela tem as qualidades para ser presidente. Existem hoje três pessoas em condições de estar no segundo turno das eleições: Lula, Alckmin e Marina. Você não pode subestimar o governador de São Paulo. O Doria é um nome que vai surgindo, o Ciro já foi candidato, mas não pode ser desprezado. Mas com a candidatura do Lula, creio que o Ciro será vetado.

Lula conseguirá ser candidato?

Se ele for preso, ele sai mais forte. Se for condenado em segunda instância, está inelegível.

O senhor que apoiou, foi ministro do Lula, foi líder do governo, como está vendo tudo isso?

Com decepção. A esperança da Nova República poderia ter se concretizada com o Lula. Perdeu-se a oportunidade.



E o fenômeno Bolsonaro?

Acho que está posto e não se deve subestimar. Ele fala para um público que encontra nesse tipo de solução mais dura um caminho. Mas só haverá visibilidade ano que vem.

As redes sociais não fomentam um discurso muito virulento?
É natural, é planetário. Mas o que é muito raivoso acaba se desqualificando e ficando um debate entre as mesmas pessoas.

E a situação do Rio?
Prendam todos, que no dia seguinte aparece a solução. Se você perguntar: quer governar o Rio? Sim. Como se elege? Tem que construir. Você quer ser senador? Sim. Mas tem que construir. Não são processos voluntaristas.

Como serão as eleições de 2018?
Eu trabalho pelo distritão. O ideal era o voto distrital, mas, a esta altura, você dividir os distritos no país trará muita dificuldade. Com o distritão, reduz os custos de campanha, não tem que encher uma chapa para conseguir quociente eleitoral. Campanha fica sendo o discurso e a rua.

Com um ano de impeachment, qual a avaliação do governo?
É decepcionante. Os ministros que foram citados deveriam se demitir. Não é um processo criminal. Em um processo criminal tem-se a presunção de inocência. No processo político, tem-se o sentimento popular de confiança ou não. Temer fez o gesto que deveria fazer, dizendo que, enquanto não tivesse denúncia, ele não tiraria ninguém. Os ministros é que deveriam fazer os gestos.

Qual sua opinião sobre o fim do foro privilegiado?
Pode-se acabar de várias maneiras com o foro. O que for crime de corrupção deveria ser julgado pelo júri. Já pensou o cara acusado de corrupção sendo julgado pelo povo que ele roubou?

O Brasil vive uma república de Curitiba?
O sistema jurídico brasileiro tem inúmeros recursos. E eu só vejo confirmações das decisões do juiz Sérgio Moro. E não só dele, mas também dos juízes do Rio e de Brasília.

As reformas passam no plenário?
O Brasil precisa de reformas. Mas você não pode dizer para o povo brasileiro que só podem passar reformas que atinjam os direitos do povo. O Brasil tem dinheiro de sobra, mas ele vai para bolsos de amigos.

Qual sua relação com Brasília?
A cidade paga um preço muito alto. As pessoas falam ;é um horror o que se passa em Brasília;. Não é em Brasília, é na Praça dos Três Poderes. É preciso separar. A Praça dos Três Poderes é um local específico distante do resto do país, inclusive de Brasília.

Qual seu time?
Flamengo, modéstia à parte.

O Supremo não deveria discutir outra coisa além do título de 1987?
Ainda mais para tirar de nós, ora essa.

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