Natália Lambert
postado em 26/04/2017 10:54
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal debate, na manhã desta quarta-feira, o PLS 280/16, de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que redefine os crimes de abuso de autoridade. Após receber muitas críticas de juízes e membros do Ministério Público Federal, principalmente dos envolvidos na Operação Lava-Jato, o relator do projeto, o senador Roberto Requião (PMDB-PR), deve alterar artigos considerados polêmicos.
Em conversas com senadores ontem, Requião negociou alterações em dois artigos: o 1, para evitar o problema de interpretação sobre a hermenêutica, e o 3, que deixa aberta a possibilidade de qualquer pessoa que se sinta ofendida entrar com uma ação penal privada e cria uma contradição ao Código Penal. Duas emendas serão apresentadas para mudar a redação dos textos de maneira que fiquem adequados à legislação e não causem dupla interpretação.
[SAIBAMAIS]Na opinião do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a mudança resolve 70% dos problemas do substitutivo apresentado pelo relator. "Eu ainda sou contrário ao projeto porque ele tem outras limitações, mas o texto final ficará bem melhor do que o atual com as mudanças", comentou.
Entraves
Confira abaixo os principais pontos do PLS 280/16 que são alvo de críticas de procuradores e juízes:
Artigo 1: a lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído. ; 2; A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, necessariamente razoável e fundamentada, não configura, por si só, abuso de autoridade.
Procuradores alegam que a inclusão do termo ;necessariamente razoável e fundamentada; não evita a possibilidade de se criminalizar hermenêutica (interpretação da lei).
Artigo 3: os crimes previstos na lei são de ação penal pública incondicionada, admitindo-se a legitimidade concorrente do ofendido para a promoção da ação penal privada.
O dispositivo entra em contradição com o previsto no Código de Processo Penal. De acordo com entendimento entre procuradores e o relator da matéria, o artigo será alterado para que seja permitida a ação penal privada só quando houver omissão ou inércia do Ministério Público em avaliar a queixa-crime.
Artigo 9: decretar prisão preventiva, busca e apreensão ou outra medida de privação da liberdade, em manifesta desconformidade com as hipóteses legais: Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de: I ; relaxar a prisão manifestamente ilegal; II ; substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível; III ; deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.
Na interpretação de procuradores, a redação é dúbia e abre a possibilidade para se criminalizar a hermenêutica, caso juízes manifestem opiniões contrárias sobre a necessidade de prisões e mandados judiciais.
Artigo 25: proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito. Parágrafo único. Na mesma pena incide quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, tendo prévio conhecimento de sua ilicitude.
A crítica em relação ao artigo é que ele promove redundância, já que grampo ilegal é crime, e, por ser genérico, causa insegurança jurídica e intimida investigadores. Um exemplo é o caso do contraventor Carlinhos Cachoeira, condenado na Operação Monte Carlo, de 2012. Na ocasião, a Justiça autorizou grampos telefônicos no celular de Cachoeira. Com a escuta, investigadores identificaram ilícitos do então senador Demóstenes Torres, que havia conversado com Cachoeira ao telefone. Uma denúncia foi aberta e o político, investigado, mediante autorização judicial. Quatro anos depois, em um recurso da defesa de Demóstenes no Supremo Tribunal Federal ; negado anteriormente no Superior Tribunal de Justiça ;, os ministros entenderam que a prova era ilegal. Caso a lei estivesse valendo, os procuradores de Justiça, os investigadores e os juízes envolvidos em todo processo poderiam ser condenados a até 4 anos de cadeia.