Natália Lambert, Paulo de Tarso Lyra
postado em 07/05/2017 07:45
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de mostrar, na quarta-feira, em Curitiba, se ainda tem lenha suficiente para queimar na tentativa de voltar ao Palácio do Planalto em 2019. Pela primeira vez desde que se tornou alvo das investigações da força-tarefa da Lava-Jato, Lula estará diante daquele que elegeu para ser o principal inimigo: o juiz Sérgio Moro. A militância petista se prepara há duas semanas para acompanhar o político. ;Do ponto de vista jurídico, esse depoimento deve mudar pouca coisa. O peso desse encontro é, acima de tudo, político;, definiu o professor de ciência política Sérgio Praça, da Fundação Getulio Vargas.
Por isso, a ênfase de Lula em tentar transformar o evento em um espetáculo. Os advogados de defesa entraram com um pedido para que o depoimento seja transmitido ao vivo. Pediram também que haja uma câmera voltada para o juiz Moro, em vez do formato tradicional no qual só se ouve a voz do magistrado e a imagem que aparece na tela é do depoente e de parte dos advogados. ;Nos moldes em que atualmente é captada a imagem, focando a câmera exclusivamente nos acusados, não há registro fidedigno de todo o ato processual, na sua inteireza e, assim, viola-se a garantia constitucional da presunção de inocência;, alegam os advogados.
;A intenção, com a filmagem dessa forma, é registrar o ato de maneira mais fidedigna do que a anteriormente adotada, quando o depoimento era redigido, bem como para permitir que se observe as expressões faciais e corporais daquele que traz a sua versão dos fatos ao juízo;, rebateram os procuradores. Até o fechamento desta edição, não havia resposta quanto ao pedido.
[SAIBAMAIS]O ângulo da filmagem é apenas um dos muitos embates que ocorrerão até quarta e durante o depoimento. Aliados do ex-presidente Lula afirmam que a tendência é de que ele aumente o tom do confronto, como se estivesse, de fato, em um comício ou debate eleitoral. Buscará, de todas as formas, vitimizar-se e dar um arcabouço político ao processo jurídico;, disse um estrategista petista. ;É a oportunidade que o Lula terá de falar depois de três anos tendo a vida investigada. Até agora só se tem a versão dos que acusam. A Lava-Jato tem de ter a humildade de reconhecer que não há provas contra ele;, diz o deputado federal petista Paulo Pimenta (RS), que estará em Curitiba.
;Lula está muito confiante, mas é preciso, também, analisar todas as coisas que pesarão contra ele no depoimento;, alertou o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho do Diap.
Delações
Na última sexta-feira, mais um prego foi enterrado na cruz lulista. O ex-diretor da Petrobras Renato Duque falou, em depoimento, que Lula sabia do esquema de corrupção na Petrobras, que comandava tudo e ainda o alertou para não manter contas no exterior para o recebimento de propinas. Some-se a isso a delação de Marcelo Odebrecht, que afirmou ter pago R$ 150 milhões em caixa 2 para campanhas petistas e do ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, que afirmou que o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia pertencem ao ex-presidente. ;O Lula está muito tranquilo, tem plena consciência de que não fez nada de errado;, comentou o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP). Mas há quem prefira manter a cautela. Analistas ligados ao PT afirmaram, confidencialmente, que Moro é um juiz experiente, à frente da Lava-Jato há três anos, e dificilmente cairá em armadilhas preparadas pelo ex-presidente.
Além disso, existe dúvida quanto à capacidade de mobilização dos petistas. Na primeira data marcada, 3 de maio, havia uma previsão de 30 mil militantes em Curitiba. Com a mudança da data, há dúvidas sobre o êxito em reunir tanta gente. ;Essa questão da organização está sendo feita pelos movimentos sociais e sindicatos. O PT, oficialmente, não está fazendo parte disso;, assegurou o diretor de organização da legenda, Florisvaldo Souza.
Vídeo
Do outro lado, movimentos de combate à corrupção se organizam para apoiar Moro, mas o juiz publicou um vídeo, na noite de ontem no Facebook, pedindo que as pessoas não compareçam ao protesto. ;Esse apoio sempre foi importante, mas nessa data ele não é necessário. Tudo o que se quer é evitar alguma espécie de confusão e conflito;, declarou. Segundo ele, o encontro com Lula é uma oportunidade para o ex-presidente se defender. ;Não quero que ninguém se machuque. Minha sugestão é: não venham, não precisa, deixa a Justiça fazer seu trabalho, tudo vai ocorrer com normalidade.;
Denúncias
O ex-presidente da República é réu em cinco ações penais. Confira os detalhes:
Triplex no Guarujá
Lula e o empreiteiro Leo Pinheiro, da OAS, são réus por corrupção, sob a acusação de que o ex-presidente ganhou um apartamento triplex na praia do Guarujá (SP) em troca de facilitar contratos da empresa com a Petrobras.
Instituto Lula
Lula é denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro na Lava-Jato suspeito de obter propinas sob forma de um apartamento vizinho ao seu e um terreno para a construção do Instituto com recursos da Odebrecht.
Esquema em Angola
Na Operação Janus, Lula é réu junto com o sobrinho Taiguara Rodrigues e com Marcelo Odebrecht, acusados de montarem um esquema de organização criminosa, corrupção, tráfico de influência e lavagem. Segundo a PF e o MPF, eles acertavam financiamentos do BNDES para obras da empreiteira em Angola e depois repassavam parte do dinheiro para o sobrinho e palestras do petista. Há mais quatro inquéritos abertos na operação.
Nestor Cerveró
O petista é réu na Lava-Jato, sob acusação de tentar impedir a delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. A denúncia foi feita pelo ex-senador Delcídio Amaral, que afirmou ter pago o advogado do ex-dirigente em troca do silêncio.
Caças e Medida Provisória
Na Operação Zelotes, Lula é acusado de influenciar a compra de caças Grippen pelo governo brasileiro e a edição da Medida Provisória 627, com incentivos fiscais para montadoras. O petista recebeu R$ 2,5 milhões em contrato da consultoria Marcondes & Mautoni com a empresa do filho Luis Cláudio Lula da Silva.