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Aristides Junqueira: acordo de delação com donos da JBS deve ser honrado

Para o ex-procurador-geral da República, benefícios a Joesley Batista em troca de delação foram excessivos, mas precisam ser mantidos

Leonardo Cavalcanti, Denise Rothenburg, Alessandra Modzeleski - Especial para o Correio, Maiza Santos*
postado em 22/06/2017 06:00

Para o ex-procurador-geral da República, benefícios a Joesley Batista em troca de delação foram excessivos, mas precisam ser mantidos

O mineiro Aristides Junqueira ocupou durante seis anos, entre 1989 e 1995, o cargo que hoje é do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Do alto da experiência que acumulou durante três mandatos ; duas reconduções ; no cargo máximo do Ministério Público, ele conta que nunca percebeu na sociedade brasileira tanta preocupação com o processo penal.

Às vésperas de o Supremo Tribunal Federal decidir sobre a validade do acordo de delação premiada que a Procuradoria-Geral da República firmou com os executivos do Grupo JBS, o ex-promotor entende que houve uma superpremiação ao controlador da empresa, Joesley Batista. Mas avalia que, uma vez o acordo tendo sido firmado, com informações entregues pelo delator, nada mais há o que fazer a não ser honrar o compromisso.


Junqueira, que começou carreira em cidades do interior de Goiás, na década de 1970, entende que o Congresso Nacional deve, por meio de uma medida legislativa, aperfeiçoar detalhes do instituto da delação premiada.


O senhor considera que a decisão sobre a validade da delação premiada dos executivos da JBS deve ser tomada apenas pelo relator, o ministro Fachin, ou pelo plenário?

Eu penso que esse é um instituto do direito penal que nós estamos começando a viver, a praticar. No meu modo de pensar também, essa delação premiada feita no âmbito do Ministério Público ou da polícia judiciária, ela é homologada judicialmente para que tenha valor. Uma vez homologada judicialmente ou aprovada pela Justiça, ela deve ter valor. Se vai ou não ao plenário, isso é outro problema. Eu penso, particularmente, que essa questão é séria porque quem homologa ou quem faz a delação ou quem faz o acordo de delação está abrindo mão de um processo penal. O que, entre nós, a regra é ação penal obrigatória, nesse caso deixa de ser, entra num acordo.

E no caso em questão é muito sério porque envolve o presidente da República.
Quando envolve o presidente da República, me parece com mais preocupação ainda. E acho que a homologação não poderia ser feita de forma nenhuma, tratando-se de julgamento originário do Supremo Tribunal Federal, por um só. Os julgadores são todos, são onze.

Nesse caso, teria mesmo que ir ao plenário, envolvendo o presidente da República?

Eu penso que sim.

O Supremo realmente tem que ter esse poder de revisar uma delação e não apenas de homologar?
A delação foi feita e homologada pelo Supremo. Seja por um ministro, como foi, e isso, a meu ver, é problema de credibilidade na Justiça. Vamos supor: se eu sou o delator, entro em acordo com o Ministério Público e esse acordo é homologado por um ministro do Supremo, ou seja, pela Justiça. Ainda que eu pense que isso deveria ser pelo plenário do Supremo, e não por um ministro só, ela já foi feita.

Agora, essa delação foi muito generosa com o criminoso?

Eu, particularmente, penso que sim.

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Em que medida se pode regular melhor isso, na avaliação do senhor?

Eu penso que só através de uma medida legislativa, em face dessa nossa experiência com a delação premiada, é que esses problemas podem ser resolvidos. E são muitos detalhezinhos que nós temos que resolver para que não aconteça isso.

É preciso rever a lei de delação premiada?

Eu penso que sim. Ou até complementá-la. Porque quando é um juiz singular em frente a uma delação, é ele que tem que homologar. Agora, quando se trata de um julgamento do Supremo, do STJ ou de tribunal de justiça, penso que a homologação tem que ser de todo o colegiado que vai julgar.

Existe um risco de essa delação ser anulada exatamente por conta dessas benesses, que, pelo que nós estamos discutindo aqui, me parece, foram maiores do que deveriam ter sido?
Penso que, hoje, essas delações e essa preocupação com o processo penal, que eu nunca vi na sociedade brasileira, está se esquecendo também de que, por trás de cada processo penal desses, tem uma criatura humana, por mais bandida que essa criatura seja. É uma criatura humana, sujeita de direitos ; obrigações, sim, que não foram cumpridas por ele, que cometeu um crime. Mas ele tem direito a um processo legal justo, ele tem direito de acreditar na Justiça. Ora, homologada; ;Mas nós homologamos erroneamente porque tinha que ser um colegiado e não um só.; Mas, não, espere aí; ;Agora vocês estão me traindo. A Justiça está me traindo. Eu aceitei, falei tudo que eu tinha para falar e, agora, vocês estão me traindo;;

E isso pode ser uma sinalização para o futuro das próximas delações. Se a regra pode ser mudada no meio do jogo, acaba.
Nós temos uma expressão no mundo jurídico que eu prezo muito: segurança jurídica. Temos que ter. Segurança jurídica e judicial, também. Não acredito que os nossos tribunais podem ficar mudando de entendimento todo dia.

Ou seja, se houver uma revisão dessa delação da JBS, o senhor acredita que pode haver uma mudança em outras delações que já foram homologadas?
Todo mundo vai reclamar. É por isso que eu acho que, homologada a delação, não há mais o que fazer. ;Ah, mas teria que ser o colegiado;; Não foi, paciência. Daqui para frente, nós vamos fazer. Mas, as que foram, não pode ser anuladas, a meu ver, em respeito ao delator. Por mais bandido que ele seja, como nós temos visto por aí.

Mesmo no caso da JBS, que parece teve uma delação aí superpremiada, uma vez que o Joesley continua solto, não teve nenhuma punição.
Pois é. Eu também acho que foi.

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Quais os pontos que o senhor acha que fazem pensar que pode ter sido uma delação superpremiada? Quais os pontos poderiam ter sido mais bem medidos?
Por exemplo: prometer que não vai denunciá-lo. O Ministério Público quando promete que não vai denunciá-lo e isso é aceito pelo juiz, já me parece muito estranho. A mim, parece inaceitável. ;Não, você vai ser processado, pode ganhar até uma pena mais leve que os outros, mas você vai ser processado e vai responder pelo crime que cometeu.;

Como o senhor vê o comportamento do procurador Marcelo Miller que deixou a força tarefa da Lava-Jato para integrar a equipe que estava cuidando do acordo de leniência da JBS?
Eu não preferiria falar de pessoas, individualizadas, mas eu julguei meio estranha a conduta. Eu também não conheço, a não ser por meio de noticiários de imprensa, mas nada impede que ele faça isso legalmente. O único impedimento de quem deixa o Ministério Público ou a magistratura e vai advogar é que tem que ter a chamada quarentena, que são três anos em que ele não pode advogar contra a pessoa que lhe paga, ou seja, não pode advogar contra a União, mas contra as outras pessoas não há problema nenhum.

O que mudou do seu tempo para cá no Ministério Público? E o sr. acha que o procurador Rodrigo Janot tem acertado em tudo que ele tem feito?
O Janot é meu amigo e é uma criatura humana. Não há homem que não erre. Cada um tem seu temperamento. Há erros e eu penso que sim, como todo mundo. Eu também erro muito, já errei muito. Mas o que o Ministério Público está fazendo hoje, sob a batuta dele, é essa abertura, mal cheirosa, mas é uma abertura, de mostrar que o negócio está podre. Que o país está apodrecido e precisa resolver essa podridão. Vamos fazer uma cirurgia, uma limpeza para começar de novo.

E como é que a sociedade pode reagir?
Acho que a única forma de reação da sociedade é no voto. Eu não sou capaz de falar mal do Congresso Nacional porque não tem ninguém lá que não tenha voto do povo. O povo é que tem que se conscientizar. E o povo sou eu, ela. A gente tem que saber escolher, saber escolher bem. Temos que melhorar. Essas pequenas corrupções que a gente vê todo brasileiro cometendo todo dia, toda hora. Você pega de carro, o carro quer passar na sua frente. Você está em uma fila, ele quer passar na frente. Ele quer vantagem em tudo. Aí é que está o mal. Ou nós consertamos o eleitor, ou não vamos a lugar nenhum.

O senhor disse que cometeu erros. O sr. comentou erro contra o ex-presidente Fernando Collor?
Eu penso que não. Posso até dizer que foi o Supremo que cometeu o erro.

O senhor acha que estamos correndo o risco de que o Supremo erre novamente? No caso de o presidente, por exemplo, Michel Temer, ser investigado?
Eu não sei, eu não conheço o processo em si, as investigações formais. Eu penso que o Supremo vai julgar de acordo com o que se tem nos autos e o que tem na legislação. Não admito argumentos extras de que a sociedade quer assim. Quer primeiro que se siga o trilho da legalidade, se sair disso, pode ser muito perigoso.

O senhor tem esperança de que isso venha a acontecer?

Sim. Tomara que fique no trilho da legalidade o Supremo Tribunal Federal. Senão eu fico pensando, quando eu fiz pós-graduação em Direito Penal, numa definição do direito penal alemão. O que é crime no direito penal alemão nazista? Tudo aquilo que ofende o são sentimento do povo alemão. Não há coisa mais perigosa do que isso.

* Estagiária sob supervisão de Paulo Silva Pinto

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