Anna Russi*, Paulo de Tarso Lyra, Adriana Botelho*
postado em 31/08/2017 09:49
Um mecanismo legal, amparado em uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2011, permitiu que 62,4% dos magistrados ; 244 dos 391 juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) ; recebessem mais do que o teto constitucional de R$ 33,7 mil no mês de julho. A resolução, que vale para todos os tribunais e não apenas para o TJDFT, permite a juízes e desembargadores receberem uma indenização por férias não tiradas. Cada magistrado tem direito a 60 dias de férias por ano. Se, ao longo do exercício, eles não as tirarem ; ou gozarem apenas 30 dias ; têm direito a pedir uma compensação financeira.
A regra, contudo, limita a indenização a apenas um período. Por exemplo: um juiz que deveria tirar férias em setembro/outubro de um ano e marcou apenas em um dos meses poderá pedir o pagamento correspondente ao outro mês. Se trabalhar direto, sem interrupção, ainda assim, só poderá pedir o valor referente ao período de 30 dias. Essa possibilidade justifica os valores acima do teto encontrados pelo Correio, em pesquisa feita no Portal da Transparência. O salário de um juiz da Vara de Registros Públicos do DF chegou a R$ 92,18 mil no mês passado.
Em junho, mês no qual não existe tradição de férias, ainda assim foram encontradas distorções, embora em escala bem menor: 13,8% dos juízes e desembargadores receberam acima de R$ 33.763, sendo o maior rendimento líquido de R$ 55.749,65 referente a um juiz substituto da 8; Vara Criminal de Brasília. Procurada, a assessoria do TJDFT amparou-se, ainda, em uma portaria conjunta de número 23, de 4 de abril de 2013, que regulamentou que ;o magistrado que tenha dois ou mais períodos de férias acumulados por estrita necessidade do serviço poderá requerer indenização de apenas um período por exercício;. Além disso, a assessoria destacou que os recursos do tribunal são responsabilidade da União, e não do governo do Distrito Federal. Logo, os salários se equiparam aos Tribunais Regionais da Justiça Federal, e não aos dos demais TJs estaduais.
O fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, lembrou que, apesar de o teto salarial estar definido na Constituição de 1988, o cumprimento na folha de pagamento é uma discussão antiga e que, há quase 30 anos, o país debate o assunto. Para ele, as remunerações que excedem o valor máximo estabelecido são imorais e, como se trata de dinheiro público, os valores deveriam ser divulgados de forma clara e transparente. ;A sociedade tem todo o direito de saber quanto e a título de que são essas remunerações. É preciso uma qualificação das parcelas. A intenção do STF ao obrigar os tribunais a divulgarem detalhadamente a folha de pagamento dos magistrados é passar um pente-fino para definir o que é considerado permitido dentro do teto;, disse.
Ao todo, em Brasília, são 391 desembargadores e juízes atuantes no TJDFT. Em julho, 244 receberam um rendimento líquido maior que o limite constitucional. O valor mais alto encontrado para o cargo de desembargador foi de R$ 76.323,66, R$ 42.560 a mais do que o estabelecido como limite. As remunerações excedentes têm um amparo legal, pois, em cada um dos tribunais, os salários se mantêm dentro do definido e o valor excedente é justificado pela incorporação de vantagens eventuais, auxílios e benefícios, parcelas que não são especificadas e definidas.
;Artifícios;
Castello Branco explicou que, provavelmente, o detalhamento na folha de pagamento do Supremo afetará o Judiciário como um todo e também os outros poderes, já que não terá sentido que os magistrados dos demais tribunais brasileiros recebam valores superiores aos de ministros do Supremo Tribunal Federal. ;Espero que a ministra Cármen Lúcia siga adiante com a cobrança e as ações que tomará em consequência da decisão estabelecida. Dessa forma, a Suprema Corte servirá de exemplo e esses artifícios e vantagens, aos quais eu chamo penduricalhos, poderão ser eliminados e teremos uma maior e melhor transparência;, afirmou.
O TJDFT assegurou, por meio da assessoria de imprensa, que obedece rigorosamente ao limite do teto constitucional e o servidor/magistrado que receber valores mensais superiores aos delimitados terá em sua remuneração a incidência da retenção. Segundo a nota, os valores registrados acima do teto dizem respeito a verbas eventuais, pagas uma única vez, e não ao vencimento/subsídio mensal. ;As vantagens eventuais são as previstas na Resolução do CNJ n; 102 e apresentam apenas valores brutos, ou seja, sem a incidência dos descontos compulsórios. São informações que variam ao longo dos meses, uma vez que estão aglutinados valores relativos a um terço constitucional de férias, indenização e antecipação de férias, gratificação natalina, antecipação de gratificação natalina, e outros. Ressaltamos ainda, que, em conformidade com o artigo 8; da Resolução CNJ n; 13, de 21 de março de 2006, algumas parcelas percebidas mensalmente por magistrados e por servidores deste Tribunal não se submetem ao controle de teto constitucional.; O presidente do TJDFT não quis manifestar-se sobre o assunto.
* Estagiárias sob a supervisão de Roberto Fonseca