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Indenização de férias leva juízes de SP a receberem mais do que o teto

Ex-corregedora nacional de Justiça critica a "distorção" que o benefício acabou criando na categoria

Anna Russi*, Paulo de Tarso Lyra, Aline Brito*
postado em 01/09/2017 06:00
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) não é o único que tem em seus quadros magistrados recebendo acima do limite previsto na Constituição graças à indenização por férias vencidas. O TJ de São Paulo apresentou, em julho, segundo levantamento feito pelo Correio, 67,57% dos juízes e desembargadores ultrapassando o limite máximo de vencimento que, no caso paulista, é de R$ 30.471,11. Diferentemente de Brasília, contudo, a distorção manteve-se no mês anterior, mesmo não sendo esse um mês de férias. Em junho, 69,28% dos magistrados receberam a mais do que deveriam receber caso a legislação fosse cumprida.
Assim, como no caso do TJDFT, as remunerações dos magistrados de São Paulo que ultrapassam o limite constitucional são justificadas por auxílios, benefícios, indenizações de férias, vantagens. No entanto, em Brasília, a porcentagem de supersalários foi 48,6% menor em junho do que julho. Já em São Paulo, o mês de junho tem mais remunerações acima da margem estabelecida: 1.660 magistrados ante julho, que apresenta 1.619 magistrados ganhando acima do que prevê o teto.

Infográfico sobre gastos com juízes em São PauloO maior salário líquido encontrado em junho, de acordo com consulta feita ao Portal da Transparência, foram de R$ 78,01 mil de um juiz titular da 6; Vara Criminal. No caso de desembargador, o valor encontrado foi de R$ 85,83 mil. Em julho, um desembargador do TJSP embolsou R$ 88,04 mil e um juiz da 2; Vara da comarca de Porto Feliz recebeu R$ 145,61 mil de vencimentos.

;Essas situações foram um tiro no pé a partir de uma reforma constitucional de 2004 que acabou com as férias coletivas dos tribunais, mantendo essa regra apenas para as instâncias superiores. E acaba gerando uma distorção;, criticou a ex-corregedora-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Eliana Calmon. ;Se você tem tantos processos para investigar, não pode ter direito a tirar dois meses de férias. Se você tem esse direito e vende um mês, é porque, na verdade, não precisa desse recesso todo;, prosseguiu Calmon.

Ela admite que essa mudança foi fruto de uma pressão feita pela Ordem dos Advogados do Brasil, alegando que os advogados não conseguiam tirar férias no regime anterior. ;Mas continuamos quase na mesma situação, uma vez que, em janeiro, o expediente nos tribunais e o ritmo de julgamentos caem bastante. E o sistema se vê obrigado a convocar juízes substitutos para cortes temporárias, o que acaba por aumentar os custos;, completou a ex-corregedora do CNJ.

O Tribunal de Justiça de São Paulo emitiu nota para explicar a natureza das verbas pagas aos juízes e desembargadores. Segundo o órgão, a remuneração-paradigma ; salário-base ; obedece ao teto constitucional, mas outras verbas são agregadas ao valor, como férias, auxílio-alimentação e moradia, décimo terceiro, entre outros. Com o acréscimo dessas vantagens, os vencimentos dos magistrados, em seu valor líquido, chegam a ultrapassar o teto em alguns casos.

Ainda de acordo com o TJSP, as folhas mensais de pagamentos estão inseridas no Portal da Transparência, que pode ser acessado por meio do site do próprio tribunal. Com o objetivo de tornar as informações mais claras, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Paulo Mascaretti, determinou estudos no portal para aperfeiçoar os dados inseridos. ;Evita-se que qualquer dúvida quanto à legitimidade dos valores pagos a magistrados possa abalar a confiança que os jurisdicionados depositam na Justiça paulista;, conclui.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira, explicou que, em muitas situações, os valores parecem acima da média porque se referem a pagamentos acumulados e que não tinham sido quitados anteriormente. ;Essa definição vai depender da disponibilidade de recursos do tribunal. Muitos estão com caixa em dia e outros precisam esperar um tempo maior para pagar os atrasados;, justificou.

Ele lembra que o governo de São Paulo, por exemplo, durante a gestão de Mário Covas, alterou as regras de pagamento do 13; salário para que não pesasse na folha salarial de dezembro. A regra vigente prevê que 50% dos vencimentos são pagos na data de aniversário do servidor e a outra metade, no fim do ano. ;É bom lembrar também que todos os tribunais fazem esses pagamentos de acordo com o próprio orçamento, previsto em lei, que equivalem a 6% do orçamento estadual ou 4% do municipal;, declarou Jayme.


Informações incompletas

Todas esses exageros e distorções, embora previstos em resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), serão alvo de um pente-fino ordenado pela ministra Cármen Lúcia. O prazo para entrega dos dados de pagamentos de todos os tribunais brasileiros terminou ontem, mas apenas 49 dos 90 encaminharam as informações. Assim mesmo, muitas confusas e incompletas. Cármen Lúcia deu um prazo de 10 dias úteis para receber as planilhas detalhadas, em condições de verificar onde há pagamentos indevidos.

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