No áudio, entregue ao Ministério Público Federal no último dia 31, o empresário diz que pretendia delatar Temer e "falar" do Supremo Tribunal Federal na colaboração. Caso estivesse em curso uma ação controlada, na qual o Ministério Público orienta os colaboradores a produzirem provas de crimes, o presidente só poderia ser gravado com autorização do STF.
Em Paris, o ministro Gilmar Mendes, do STF, levantou a suspeita de "uma ação controlada sem ordem judicial" e disse que a PGR terá de responder sobre isso.
Na segunda-feira (4/9), ao anunciar uma investigação que pode levar ao cancelamento dos benefícios dados aos delatores, Janot afirmou que a Procuradoria-Geral da República não mantivera direta ou indiretamente contato com eles antes de ter sido procurada pelos irmãos Joesley e Wesley Batista em 27 de março - o acordo foi fechado no dia 7 de abril.
A divulgação do conteúdo do áudio levou a uma ofensiva da defesa de Temer e de aliados no Congresso pela anulação da delação. O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, suspendeu o sigilo da gravação.
Nesta terça-feira (5/9), Joesley disse que mentiu no áudio e a PGR afirmou que Janot jamais se encontrou com o empresário e delator (leia mais abaixo).
Na conversa, os delatores relatam contatos com o então procurador Marcelo Miller, um dos assessores de Janot. "O Marcelo deu uma tarefa para nós. O que nós temos é muito fraco e ele quer mais. É isso?", pergunta Saud. Joesley diz: "Ele já contou para Janot que a gente tem muito mais coisa para contar". Joesley completa dizendo que ele e seus executivos eram "a joia da coroa deles". "O Marcelo já descobriu e falou para o Janot: ;Janot, nós temos um pessoal que vai dar todas as provas que nós precisamos;."
Na conversa é citado também o chefe de gabinete do procurador-geral, Eduardo Pelella. "O Anselmo (não identificado) falou para o Pelella, que falou pra não sei o quê lá, que falou para o Janot. O Janot está sabendo."
Aparentemente, a gravação, que tem mais de quatro horas, foi feita de forma acidental.
Ministros
O dono da J diz em um trecho que pretendia gravar José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff, como forma de delatá-lo e, assim, obrigá-lo a ajudá-los a "dissolver o Supremo". "Você (Saud) com o Zé e eu (gravo) com o Temer." Os delatores consideravam que ele conhecia fatos graves envolvendo ao menos cinco ministros da Corte.
A conversa prossegue com os delatores dando a entender que estavam negociando os termos de suas delações com Miller. Mais adiante, ele completa: "Falei para o Marcelo: ;Marcelo, você quer pegar o Supremo? Entrega o Zé. O Zé entrega o Supremo;". Este se encarregaria de levar as informações a Janot por meio de um "amigo em comum", chamado Cristiam.
Segundo Saud, Miller lhe teria dito ainda que Janot, após deixar o cargo, iria trabalhar no mesmo escritório de advocacia onde Miller e Cristiam trabalhariam. Em 5 de abril, Miller deixou o MPF e passou a trabalhar no escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe, que participou do acordo de leniência do Grupo J.
Era mentira
Os delatores Joesley Batista e Ricardo Saud divulgaram nota nesta terça na qual afirmam que as declarações no áudio que citam o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e ministros do Supremo Tribunal Federal "não guardam nenhuma conexão com a verdade".
"Não temos conhecimento de nenhum ato ilícito cometido por nenhuma dessas autoridades", diz o comunicado. "O que nós falamos não é verdade, pedimos as mais sinceras desculpas."
O ex-procurador Marcelo Miller afirmou que "não cometeu qualquer crime ou ato de improbidade administrativa e está à disposição das autoridades".
A Procuradoria-Geral da República afirmou que Janot "jamais" se encontrou com Joesley e "não recebeu Marcelo Miller na condição de advogado do Grupo J". "As tratativas efetivas para celebração de acordo de colaboração premiada com os advogados dos executivos do Grupo J se deram somente no fim de março, após a gravação em questão", diz a PGR.
Segundo a nota, s colaboradores falavam sobre a Operação Carne Fraca e Janot "jamais aceitou convite para integrar qualquer escritório de advocacia"