Intensificado pelas revelações feitas pela Operação Lava-Jato ao longo dos últimos três anos, o desgaste da tradicional polarização entre as ideias de esquerda e de direita no país tem permitido um fenômeno que pode ter reflexos diretos no processo eleitoral de 2018: o crescimento do centro no espectro político-ideológico brasileiro. Visto muitas vezes como a opção de eleitores que ainda estão ;em cima do muro;, o grupo vem ganhando cada vez mais novos seguidores e, dependendo de como as legendas vão reagir a esse cenário, poderá ter mais peso nos rumos políticos do Brasil.
;O debate no Brasil está muito polarizado. Há uma discussão contínua entre direita e esquerda: acusações, um certo desgaste trazido pelas investigações e pela desilusão com ambos os espectros do sistema político;, analisa o cientista político Paulo Calmon, diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). ;Pode ser que as pessoas estejam dizendo: ;sou de centro porque não acredito nem numa ideologia, nem na outra;;, acrescenta.
[SAIBAMAIS]O especialista identifica no eleitorado centrista um perfil mais pragmático, resultado de uma ;desilusão; do brasileiro com as ideologias políticas e, em última instância, com a própria política. O cientista político Ricardo Ismael, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), também vê no alinhamento ao centro um caráter mais objetivo. ;O eleitor de centro está preocupado com desemprego, saúde, educação, transporte, moradia. O centro tende a se afastar dessa disputa ideológica e adota outros critérios para definição do seu voto;, argumenta.
O estudante de direito Caio Victor Tavares, 19 anos, é exemplo desta linha de pensamento. Interessado por política desde os 12 anos, ele começou a pesquisar sobre as correntes ideológicas na adolescência, mas não se identificou com os pensamentos mais extremados. Por isso, resolveu criar, em 2014, um grupo no Facebook voltado às discussões centristas. Hoje, a página já conta com mais de 4 mil membros e é o principal fórum de debates sobre o tema na rede social. ;O centrista não é um dogmático. A gente não se importa em ceder, a princípio, para uma posição que não concorde. O centrista pode tender à esquerda ou à direita quando for necessário. É um eleitor mais flexível;, define.
Tal flexibilidade faz do público de centro um alvo prioritário dos possíveis candidatos à presidência no ano que vem. Ao abraçar ideias de direita ao mesmo tempo em que é simpático a certos pontos da agenda esquerdista, o eleitor centrista apresenta, na avaliação do cientista político Rodolfo Costa Pinto, uma complexidade que torna a escolha do candidato ideal uma tarefa espinhosa. ;Uma pessoa que é totalmente contra o aborto, católico fervoroso, seria uma pessoa de direita. Mas essa mesma pessoa pode ser totalmente contra a privatização das estatais, defensor do Petróleo é nosso, posição associada à esquerda. É um tema mais complexo do que parece;, pondera. Segundo pesquisas recentes, a parc ela da população identificada com o centro já passa de 1/4 do eleitorado.
Um dos mais recentes casos de subversão da dicotomia entre esquerda e direita foi a eleição de Emmanuel Macron na França em maio deste ano. O mais jovem presidente a comandar a sexta economia do mundo aliou propostas mais vinculadas à direita ; como redução de impostos sobre empresas e controle intenso de fronteiras ; à pautas simpáticas à esquerda ; como a defesa do meio ambiente e um sistema universal de seguro desemprego, para derrotar a direitista Marine Le Pen em segundo turno.
Mas, segundo especialistas, no Brasil ainda não há centristas com apelo suficiente para repetir o feito do francês. ;Lideranças de centro, como Geraldo Alckmin, João Doria, Marina Silva e Joaquim Barbosa ainda não decolaram. O centro esta fragmentado ou com lideranças que ainda não conseguiram ganhar o apoio popular;, analisa o professor Ricardo Ismael.